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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Dezembro de 2015 - Vol.20 - Nº 12

Psiquiatria na Prática Médica

CORRELAÇÃO ENTRE SINTOMAS DEPRESSIVOS E ESCLEROSE MÚLTIPLA

Bruno Lasinskais*
Márcia Gonçalves**


Key words – depressão,   esclerose múltipla, doenças dismielinizantes

INTRODUÇÃO

     O artigo tem por objetivo fazer uma rápida e sucinta discussão sobre duas doenças que afetam milhares de pessoas ao longo da história e no mundo. São elas a esclerose múltipla na qual o texto trará a definição, como ela se apresenta e suas implicações; seguido da depressão uma doença que pertence a classe dos transtornos mentais. Por fim uma correlação entre as doenças, evidenciando como a esclerose pode levar a um quadro depressivo. 1

     Esclerose múltipla (EM), conhecida na literatura de língua francesa como esclerose em placas, é uma doença que afeta o sistema nervoso, causando destruição da mielina (desmielinização), proteína fundamental na transmissão do impulso nervoso.

     Embora as características clínicas sejam bem conhecidas, os aspectos etiológicos constituem o alvo principal de exaustivos estudos. A esclerose múltipla é considerada uma enfermidade inflamatória, provavelmente auto-imune. A suscetibilidade genética e a influência ambiental talvez sejam responsáveis pelo aparecimento dos primeiros surtos. No entanto, há ainda muitas perguntas sem respostas, especialmente quanto aos mecanismos básicos da doença.2

        Do ponto de vista anatômico, afeta o sistema nervoso central, predominantemente o nervo óptico, a medula cervical, o tronco cerebral e a substância branca periventricular. Não é conhecida a razão para tal predileção; porém, pode haver relação com a distribuição vascular, o que permitiria maior concentração de citoquinas e células inflamatórias nessas regiões.1

Inicialmente a esclerose múltipla começa com uma reação imune celular mediada por células T, determinando inflamação e desmielinização. Com a cronicidade do processo, existem reações imunes específicas que determinam lesão do complexo mielinaoligodendrócito.1

    A EM pode envolver qualquer parte do sistema nervoso central, de modo que a lista de sintomas e sinais pode ser infinita. De acordo com Lublin e Reingold, a evolução clínica da doença foi subdividida em surto-remissiva, progressiva primária, progressiva secundária e surto-progressiva. A forma surto-remissiva caracteriza-se por apresentar episódios agudos de comprometimento neurológico, com duração de 24 horas ou mais e com intervalo de, no mínimo, trinta dias entre cada surto.3

   O diagnóstico de esclerose múltipla ainda é clínico e baseia-se em dados de história e exame físico. Vários esquemas foram propostos para facilitar o diagnóstico e a classificação da doença. Os mais usados são os de Schumacher (1965) e Poser (1983. Postularam como essencial para o diagnóstico de esclerose múltipla clinicamente definida: a) duas lesões separadas no sistema nervoso central; b) dois ataques ou surtos com duração mínima de 24 horas, separados por um período de, no mínimo, um mês; c) exame neurológico alterado; d) sintomas e sinais de comprometimento da substância branca; e) intervalo de idade entre 10 e 50 anos; f) ausência de qualquer outra doença que possa justificar o quadro.4

DEPRESSÃO E ESCLEROSE MÚLTIPLA

Na população geral, a depressão tem prevalência em torno de 15% (Kaplan et al., 1997); depressão costuma ser acompanhada por queixas somáticas, hipocondria, baixa auto-estima, sentimentos de inutilidade, humor disfórico, tendência autodepreciativa, alteração do sono e do apetite, ideação paranóide e pensamento recorrente de suicídio. Cabe lembrar que nos pacientes idosos deprimidos o risco de suicídio é duas vezes maior do que nos não deprimidos. Os sintomas (Tabela 1), em geral, estão associados à presença de doenças físicas ou ao uso de medicamentos.

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   A depressão costuma manifestar-se por meio de queixas físicas freqüentes e associada a doenças clínicas gerais, sobretudo aquelas que imprimem sofrimento prolongado, levando à dependência física e à perda da autonomia, e que induzem à hospitalização ou institucionalização. Por outro lado, a depressão nesses pacientes agrava as enfermidades clínicas gerais e eleva a mortalidade. O aparecimento de transtornos depressivos tem sido considerado um fator de risco para o desenvolvimento posterior de processo demencial. Alguns estudos sugerem que 50% dos pacientes com depressão evoluem para quadro demencial num período de cinco anos. A comorbidade de depressão e demência contribui para o comprometimento de suas capacidades funcionais. 7

   Estudos recentes mostram que o risco de depressão em pacientes com EM é de aproximadamente 50% ao longo da vida, enquanto que na população em geral é em torno de 10% 5. A depressão acarreta sofrimento psíquico, diminui a aderência ao tratamento7, piora a qualidade de vida 7,e aumenta o risco de suicídio em pacientes com EM8.

   Um estudo epidemiológico conduzido por Patten et al. demonstrou que a prevalência de episódio depressivo por um período de doze meses é aproximadamente 25,7%, em pacientes com EM, e 8,9%, em pessoas sem EM, na faixa entre 18-45 anos. Sadovnick et al.5 avaliando consecutivamente 221 pacientes no Canadá utilizando uma entrevista estruturada, constatou que a prevalência de episódio depressivo é de aproximadamente 50,3% em pacientes com EM. Chwastiak et al. 10 em um estudo epidemiológico utilizando a Centre for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D), constatou que 42% dos entrevistados apresentavam sintomas depressivos clinicamente significativos, e destes 29% pontuaram na faixa entre moderado ou grave. 9,10

    Estudos revelam que o risco de suicídio é alto em pacientes com EM. na Dinamarca constataram que o risco de suicídio é mais que o dobro quando comparados a população em geral. Também  demonstraram no Canadá que a proporção de mortes por suicídios entre pacientes com EM foi 7,5 vezes maior do que para a população em geral. A demonstrou que a gravidade dos sintomas depressivos, o abuso de álcool, e o isolamento social parecem ser fatores importantes relacionados à ideação suicida e tentativa de suicídio. 8

    Os principais estudos que mostram uma associação entre fatores de risco neurobiológico e sintomas depressivos na EM, baseiam-se em estudos de neuroimagem. Um dos primeiros estudos sobre este tema foi realizado concluiu que pacientes com EM e lesões que afetam o parênquima cerebral apresentaram mais transtornos depressivos, quando comparados aos indivíduos com lesões na medula espinhal. A utilização de  ressonância nuclear magnética (RNM) mostrou correlação significativa entre gravidade dos sintomas depressivos e lesões nas regiões frontal e temporal à direita. 8,9 Concluíram que pacientes deprimidos com EM apresentavam mais lesões nas regiões frontal e temporal esquerda. Os resultados destas pesquisas variam amplamente, portanto poucas conclusões podem ser feitas. Um estudo realizado por Foley et al. avaliou prospectivamente pacientes com EM e depressão por dois anos, os autores demonstraram uma redução na contagem de linfócitos CD8, e aumento da relação CD4/CD8 nos períodos de maior depressão quando comparados ao grupo controle.

    O tratamento farmacológico para EM inclui principalmente o uso de corticoesteróides, imunomoduladores e imunossupressores 1,2.Os corticoesteróides são utilizados em altas doses, por curto período, na fase aguda da doença, potencialmente podem causar várias manifestações psiquiátricas como sintomas psicóticos, delirium, depressão, e mania.

Fadiga é um dos sintomas mais frequentes e incapacitantes na EM, tem impacto negativo sobre o trabalho e a qualidade de vida. Um estudo epidemiológico  avaliou a prevalência deste sintoma em 9077 pacientes com EM, e detectou a presença de fadiga grave em 74% dos entrevistados. Uma associação significativa entre fadiga e sintomas depressivos foi demonstrada. 8,9,10

    O uso de antidepressivos tem demonstrado ser eficaz no tratamento da depressão em pacientes com EM, existem poucos estudos controlados que avaliaram o uso de tricíclicos. Em uma amostra pequena constataram que a desipramina apresenta eficácia moderada, porém a dose é limitada devido aos efeitos colaterais anticolinérgicos. A amitriptilina e a imipramina são bem toleradas, mas devem ser usadas com precaução em caso de aumento de dose, devido à retenção urinária em pacientes com bexiga neurogênica, aproximadamente 40% interrompem o tratamento devido a efeitos colaterais antes de atingir as doses necessárias para o tratamento da depressão.10,11

CONCLUSÃO

  A prevalência de transtornos depressivos é alta em pacientes com EM, portanto, deve ser investigado de forma sistemática, tendo em vista o elevado risco de suicídio nesta população, o impacto negativo no tratamento e na evolução da doença.  Os mecanismos neurobiológicos são desconhecidos, mas alguns fatores parecem predispor o surgimento de sintomas depressivos. Estratégias terapêuticas utilizadas no tratamento da depressão em pacientes com EM incluem o uso de antidepressivos e terapia cognitivo comportamental, que visam reduzir o sofrimento psíquico, o risco de suicídio e melhorar a qualidade de vida.

 

Referências

1.       Revista Brasileira de Neurologia  »     Volume 47  »    Nº4  »     out, nov, dez, 2011

2.       Adams, R.D. & Victor, M. Multiple sclerosis and allied demyelinative diseases. In: Principles of Neurology. 4a ed. New York, McGraw-Hill international editions, 1989. p. 755-774.

3.       Kurtzke, J.F. Epidemiologic contributions to multiple sclerosis: an overview. Neurology, 30:61-79, 1980.

4.       Haegert, D.G.; Swift, F.V.; Benedikz, J. Evidence for a complex role of HLA class II genotypes in susceptibility to multiple sclerosis in Iceland. Neurology, 46:1107-1111, 1996

5.       Motriz Depressão no Idoso: Diagnóstico, Tratamento e Benefícios da Atividade Física b,Set/Dez 2002, Vol.8 n.3, pp.91 - 98

6.       Fazekas, F.; Offenbacher, H.; Fuchs, S.; Schmidt, R.; Niederkorn, K.; Horner, S.; Lechner, H. Criteria for an increased specificity of MRI interpretation in elderly subjects with suspected multiple sclerosis. Neurology, 38:1822-1825, 1988.

7.       Kurtzke, J.F. Epidemiologic contributions to multiple sclerosis: an overview. Neurology, 30:61-79, 1980.

8.       Osborn, A.G. Aquired metabolic, white matter, and degenerative disease of the brain. In: Diagnostic neuroradiology. St. Louis, Mosby, 1994. p.748-784

9.       Rolak, L.A. The diagnosis of multiple sclerosis. Neurol Clinic, 14:27-42, 1996

10.   Patten SB, Beck CA,Williams JV, et al. Major depression in multiple sclerosis: a population based perspective. Neurology 2003; 61: 1524–7.

11.   Schiffer RB, Wineman NM. Antidepressant pharmacotherapy of depression associated with multiple sclerosis. Am J Psychiatry. 1990 Nov; 147(11):1493-7.

 

 

·         Acadêmico do Internato do dep. De medicina da UNITAU

·         Coordenadora da disciplina de psiquiatria e psicologia médica - UNITAU


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