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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Setembro de 2015 - Vol.20 - Nº 9

Psiquiatria na Prática Médica

DOENÇAS MENTAIS ASSOCIADAS AO RISCO AUMENTADO PARA INFECÇÃO POR HIV

Prof. Dra. Márcia Gonçalves (M.D. PhD)


Os transtornos psiquiátricos como depressão, abuso e dependência de álcool, drogas e tabaco entre outros, são mais frequentes nas pessoas vivendo com HIV/aids (PVHAs), comparadas à população em geral. Muitas vezes, os portadores de HIV já apresentavam algum tipo de alteração patológica prévia à infecção, como transtorno de humor, esquizofrenia ou abuso/ dependência de álcool ou outras drogas. Estas condições potencializam a vulnerabilidade à exposição ao vírus. Por outro lado, a descoberta do diagnóstico pode ter forte impacto psicológico e, eventualmente, desencadear recidivas ou mesmo surgimento de transtornos mentais, conforme propensão anterior do paciente. O diagnóstico pode levar o paciente a vivenciar o medo da morte e outros temores, que podem levar ao isolamento social e à depressão. Estas alterações na esfera mental podem ter repercussões significativas na evolução da doença de modos diversos. Os sintomas mais comuns são a tristeza reativa ou mesmo franca depressão, no sentido psiquiátrico do termo, o que compromete os recursos do indivíduo frente aos desafios da vida e de como a pessoa organiza sua rede social de apoio.1

 

Tristeza e/ou depressão

Esses conceitos de tristeza normal, depressão síndrome, depressão sintomas depressão doença causam muitas confusões. Abaixo vou descrever estes conceitos e suas diferenças:

 Segundo Dr. Del Porto da Universidade de São Paulo, o  termo depressão, na linguagem corrente, tem sido empregado para designar tanto um estado afetivo normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e uma (ou várias) doença(s).

Os sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor adaptativo, do ponto de vista evolucionário, uma vez que, através do retraimento, poupa energia e recursos para o futuro. Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para os demais, de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda. As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa usualmente preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. Não se observa, no luto, a inibição psicomotora característica dos estados melancólicos. Os sentimentos de culpa, no luto, limitam-se a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu; outras idéias de culpa estão geralmente ausentes.

Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais variados quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas.

Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite).

Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc.2

 

Complicações neurológicas do HIV

 

Dentre as complicações neurológicas primária da Aids temos déficits cognitivos como a demência associada ao HIV e formas mais leves, como o transtorno cognitivo/motor menor, sendo que ambas podem alterar as atividades da vida diária e reduzir a qualidade de vida dos pacientes As manifestações neurológicas acometem 40% a 70% dos pacientes portadores do HIV no curso da sua infecção6,7, sendo que, em estudos de necropsia, a frequência pode chegar a mais de 90%8. Cerca de 46% dos pacientes internados com Aids podem apresentar doença neurológica, seja como motivo principal da admissão hospitalar ou como intercorrências durante a internação 9.

A natureza das alterações neurológicas é muito variada e qualquer parte do neuroeixo pode ser acometida. O determinante mais importante da susceptibilidade é o grau de imunossupressão. O diagnóstico diferencial é amplo e envolve etiologias infecciosas, neoplásicas, cérebro-vasculares, tóxico-metabólicas, nutricionais.3

 

 

Demência associada ao HIV

O complexo aids-demência é a complicação neurológica mais comum da síndrome da imunodeficiência adquirida. Ocorre mais freqüentemente em pacientes gravemente

imunocomprometidos, em estágios avançados da doença. Entretanto, pode ser uma das apresentações iniciais da aids (Simpson e Tagliati, 1994). A demência é de início subagudo e caracteriza-se por apatia, dificuldade de concentração, prejuízo de memória verbal e funções executivas, disfunção motora e distúrbios de comportamento. Com a progressão pode haver ataxia, disartria, mutismo, delírios e alucinações visuais (APA, 2000b). 4,5

 

 

Medicamentos e seus efeitos colaterais

Na infecção pelo HIV, deve-se atentar também para a indução de sintomas depressivos por medicamentos. Estas medicações utilizadas no tratamento da infecção pelo HIV que podem induzir sintomas depressivos estão descritas a seguir:  Esteróides: mania ou depressão;  Interferon: depressão;  Interleucina: depressão, desorientação, confusão mental; Zidovudine: mania, depressão;  Efavirenz: alteração de concentração, depressão, nervosismo. Os psicofármacos podem ser usados concomitantemente. 6

 

 

O tratamento da depressão apresenta algumas particularidades em pacientes HIV positivos e baseia-se em alguns princípios gerais: • monitorar cuidadosamente a utilização dos antidepressivos devido ao risco de que o quadro depressivo represente infecção cerebral subclínica;  iniciar com doses baixas e aumentá-las gradativamente para minimizar efeitos colaterais e melhorar a adesão; • considerar a possibilidade de manutenção com doses mais baixas (os pacientes com HIV/Aids podem, principalmente nos estágios avançados, responder a doses menores que as utilizadas em indivíduos hígidos); • atentar para as interações medicamentosas. Há possibilidade de alterações na absorção ou na excreção de medicamentos

e de indução, inibição e competição pelo metabolismo por enzimas do citocromo P450, especialmente a família 3A3/4; • escolher medicamentos com menos efeitos adversos ou cujos efeitos sejam benéficos para o paciente (por exemplo, constipação para pacientes com diarréia ou sedação para pacientes insones);

• atentar para os efeitos anticolinérgicos dos antidepressivos; • ter atenção com os anti-retrovirais que o paciente venha utilizando, devido às interações dos antidepressivos e benzodiazepínicos com essas drogas. 6

 

Sempre é bom lembrar que a prevenção, o uso de preservativos é ainda a mais eficaz maneira de prevenção. Na intimidade com segurança o prazer é maior.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

1-http://saberviver.org.br/publicacoes/qual-e-o-impacto-da-aids-na-saude-mental/

2- Del Porto, José Alberto. (1999). Conceito e diagnóstico. Revista Brasileira de Psiquiatria, 21(Suppl. 1), 06-11. Retrieved September 07, 2015, from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44461999000500003&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1516-44461999000500003

3 - Christo. PP ; Alterações cognitivas na infecção pelo hiv e aids

 Rev Assoc Med Bras 2010; 56(2): 242-

4- SIMPSON, D.M.; TAGLIATI, M. - Neurologic Manifestations of HIV Infection. Ann Intern Med 121:769-85, 1994.

5-AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA) - Practice Guideline for Treatment of Patients With HIV. 5- Washington. DC:American Psychiatric Association, pp.14-7, 2000b.

6- Malbergier A & Schöffel AC; Depressão em infectados por HIV; Rev Bras Psiquiatr 2001;23(3):160-7

 

* Coordenadora da disciplina de Psiquiatria e psicologia Médica da Universidade de Taubaté- SP.

 

 


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