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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Julho de 2015 - Vol.20 - Nº 7

Psiquiatria na Prática Médica

ASSOCIAÇÃO DE TRANSTORNOS DE ANSIEDADE E SINTOMAS OTONEUROLÓGICOS

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


O DSM-5, oficialmente publicado em 18 de maiode 2013, é a mais nova edição do anual Diagnósticoe Estatístico de Transtornos Mentais daAssociação Psiquiátrica Americana. O objetivo final foi o de garantirque a nova classificação, com a inclusão, reformulaçãoe exclusão de diagnósticos, fornecesseuma fonte segura e cientificamente embasada paraaplicação em pesquisa e na prática clínica.Em seu aspecto estrutural o DSM-5 rompeu como modelo multiaxial introduzido na terceira ediçãodo manual1.

 

Os transtornos de personalidade eo retardo mental, anteriormente apontados comotranstornos do Eixo II, deixaram de ser condiçõessubjacentes e se uniram aos demais transtornospsiquiátricos no Eixo I. Outros diagnósticos médicos,costumeiramente listados no Eixo III, tambémreceberam o mesmo tratamento. Conceitualmentenão existem diferenças fundamentais que sustentema divisão dos diagnósticos em Eixos I, II e III.O objetivo da distinção era apenas o de estimularuma avaliação completa e detalhada do paciente1.

Fatores psicossociais e ambientais (Eixo IV)continuam sendo foco de atenção, mas o DSM-5recomendou que a codificação dessas condiçõesfosse realizada com base no Capítulo da CID-10-CM, Fatores que Influenciam o Estado de Saúdee o Contato com os Serviços de Saúde (códigosZ00-Z99). Por fim, a Escala de Avaliação Globaldo Funcionamento, anteriormente empregada noEixo V, foi retirada do manual1.

Por diversos motivosentendeu-se que a nota de uma única escalanão transmite informações suficientes e adequadaspara a compreensão global do paciente. A APAcontinua recomendando a aplicação das diversasescalas que possam contribuir com cada caso eapresenta algumas medidas de avaliação na SeçãoIII do DSM-5.

Para uma melhor explanação os próximos tópicosapresentarão as principais modificações observadasdo DSM-IV-TR para o DSM-5 em alguns dosprincipais capítulos do manual1.

O capítulo dos Transtornos de Ansiedade foi reformuladonesta nova edição do manual e os diagnósticosde Transtorno Obsessivo Compulsivo,Transtorno de Estresse Agudo e Transtorno deEstresse Pós-Traumático foram realocados emnovos capítulos.

O diagnóstico de quadros fóbicos (Agorafobia,Fobia Específica e Transtorno de Ansiedade Social)deixou de exigir que o indivíduo com maisde dezoito anos reconheça seu medo como excessivoou irracional, visto que muitos pacientes tendema superestimar o perigo oferecido pelo objetoou evento fóbico em questão. A duração mínimapara o diagnóstico desses transtornos passa a serde seis meses para todas as idades1.

O Transtorno de Pânico e a Agorafobia foramseparados como diagnósticosindependentes,reconhecendo a existência de casos nos quais aAgorafobia ocorre sem a presença de sintomas depânico. Além disso, a observação de que o Ataquede Pânico pode ocorrer como comorbidadeem outros transtornos mentais além da ansiedade

fez com que o DSM-5 incluísse o Ataque dePânico como especificador para todos os demaistranstornos1,2.

O Transtorno de Ansiedade de Separação e oMutismo seletivo saíram do extinto capítulo dosTranstornos Geralmente Diagnosticados pelaPrimeira Vez na Infância ou na Adolescência epassaram a compor os Transtornos de Ansiedade1.2.

Os critérios diagnósticos para o Transtorno deAnsiedade de Separação são semelhantes aos doantigo manual, mas aceitam que os sintomas tenhaminício em indivíduos com mais de dezoitoanos. Os critérios para o diagnóstico de MutismoSeletivo foram praticamente inalterados1.2 .

Os distúrbios da ansiedade são observados em 15 a 20% dos pacientes no ambulatório de clínica médica. A ansiedade pode por si só representar um distúrbio psiquiátrico primário, ser um componente de uma doença clínica de base, ou secundária a ela.3

Por outro lado a tontura , um sintoma otoneurológico, é uma das queixas mais freqüentes no consultório médico tanto primário quanto especializado e continua a representar um desafio ao raciocínio clínico.3

Na especialidade médica de otorrinolaringologia o sintoma de tontura é o principal e mais relevante sintoma de disfunção vestibular, e corresponde à sensação de alteração do equilíbrio corporal, em que o indivíduo experimenta uma percepção errônea de posicionamento espacial e/ou movimentação do próprio corpo ou do ambiente em que se encontra3.

A tontura, como normalmente é chamada pode apresentar-se de formas variadas, como vertigem (antigamente representada pela tontura rotatória e atualmente sendo qualquer tipo de falsa sensação de movimentação do corpo ou ambiente), ou sensação de instabilidade, mareio ou de quedas, entre outros4,5. Estes sintomas também estão incluídos dentro dos sintomas otoneurológicos

Em idosos podemos é citada comosegunda queixa mais comum na prática clínica,  e é acarretada por informações sensoriais conflitantes ou pelo processamento inadequado destas aferências 6

 

 

Muitos dos pacientes apresentam o sintoma de tontura sem causa orgânica evidente, e são diagnosticados como portadores de tontura idiopática. Estes pacientes podem ter associado um distúrbio psiquiátrico.7

Em contrapartida, a tontura de causa orgânica também pode desencadear ou exacerbar alterações psiquiátricas "latentes".8

As doenças do labirinto podem apresentar sintomas intensos e levar o paciente a procurar o pronto-socorro, mas costumam melhorar ao longo de horas ou dias. Diante de pacientes com sintomas contínuos ou progressivos se deve suspeitar de doenças do sistema nervoso central. Em geral, as doenças periféricas apresentam manifestações neurovegetativas (náusea, vômito, taquicardia, sudorese, palidez, mal-estar) e sintomas auditivos (zumbido, perda auditiva, intolerância a sons intensos, distorção sonora, plenitude aural).

Na maioria dos pacientes com tontura existem características clínicas evidentes que permitem identificar entre doenças vestibulares centrais e periféricas, descritas no Quadro 1. Todavia, existem exceções e casos em que as manifestações clínicas não são tão claras, o que fará com que o médico assistente solicite exames para a confirmação diagnóstica.

http://www.moreirajr.com.br/images/revistas/8/799/labirintopatias_q1.jpg

Um dos distúrbios psiquiátricos mais comumente associados à tontura é o Distúrbio do Pânico com ou sem Agorafobia. Sintomas somáticos, em especial a tontura, são a característica principal destas doenças.10

A associação entre tontura e doenças psiquiátricas já é amplamente descrita, e as doenças psiquiátricas têm o diagnóstico estabelecido por exclusão, ou seja, sem causas orgânicas.10

Este é um aspecto importante a ser considerado, pois para o diagnóstico de uma doença psiquiátrica é necessário ter uma minuciosa avaliação clínica.

Por outro lado, os sintomas labirínticos nos pacientes psiquiátricos são muitas vezes tratados como manifestações psicossomáticas ou neurovegetativas, em sua maioria associados a um distúrbio de ansiedade, não suscitando investigação ou tratamento específicos.10

A investigação e o manejo dos aspectos emocionais dos pacientes com labirintopatia são aspectos importantes no tratamento. Grande parte destes pacientes apresenta sintomas clinicamente relevantes de ansiedade e depressão , e estes diagnósticos não podem passar desapercebidos do médico clinico ou de especialistas. 11,12,13.

Além disso, a tontura é frequente vista em transtornos somatoformes, transtornos ansiosos como agorafobia, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico e/ou transtornos depressivos 14,15. Os pacientes com maior sofrimento emocional são os que apresentam maior incapacidade relacionada com a tontura.15,16.

O que é observado é que existe uma retroalimentação dos sintomas psiquiátricos e do sintoma de tontura e labirintopatia (sintomas otoneurológicos). Alguns aspectos psicológicos, como estresse emocional, traços de personalidade e ansiedade, podem contribuir para o desencadeamento da labirintopatia e para a intensificação de seus sintomas16. Por outro lado, a instabilidade física, a restrição das atividades cotidianas, a redução da independência e o medo de quedas, entre outros aspectos que podem ser gerados pelos sintomas da labirintopatia, têm um importante impacto negativo na vida do paciente. Estes aspectos intensificam a insegurança psicológica e os sintomas ansiosos e/ou depressivos, o que pode gerar um ciclo vicioso, dificultando o tratamento 17,18

Também a idade e fator importante. As disfunções do aparelho vestibular assumem particular importância, pois o aumento da idade é diretamente proporcional à presença de múltiplos sintomas otoneurológicos associados, tais como vertigem e tontura, perda auditiva, zumbido, alterações do equilíbrio corporal, distúrbios da marcha e quedas ocasionais, entre outros19,20.

 

 O indivíduo com sintoma de tontura, habitualmente relata dificuldade de concentração mental, perda de memória e fadiga. A insegurança física gerada pela tontura e pelo desequilíbrio pode conduzir à insegurança psíquica, irritabilidade, perda de autoconfiança, ansiedade, depressão ou pânico21. Muitos indivíduos com tontura restringem suas atividades cotidianas, com o intuito de reduzir o risco de quedas e evitar possíveis constrangimentos.22,23.

As quedas na população idosa são frequentes e determinam complicações que impactam negativamente sobre a sua qualidade de vida6. Podem ser consideradas como um marcador de início do declínio funcional ou um sintoma de uma patologia nova, em razão da perda de capacidades do corpo. Porém, as quedas podem ser evitadas com medidas preventivas adequadas, identificando causas e desenvolvendo métodos para reduzir sua ocorrência24,25

§     ElectronicDocumentFormat(Vancouver)

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·         *Coordenadora da disciplina de Psiquiatria e psicologia médica Universidade de Taubaté. Email: [email protected]




 


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