Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Agosto de 2015 - Vol.20 - Nº 8 Psiquiatria Forense SIGILO MÉDICO: UM BEM A SER PRESERVADO Quirino Cordeiro (1) Nos últimos tempos, publicamos alguns textos
versando sobre a necessidade do respeito ao sigilo profissional durante a
prática médica. Esse tema volta agora à baila no presente trabalho, por conta
de Parecer emitido recentemente pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo (CREMESP) sobre o sigilo médico diante da exigência por parte de convênios e seguradoras de saúde suplementar,
acenando com a Normativa nº 338/2014 da Agência Nacional de Saúde, de relatórios
médicos completos para a realização de exames de DNA. Nos referidos relatórios,
os médicos têm sido obrigados a fornecerem “dados de anamnese, quadro clínico e
dismorfológico, lista com resultados dos exames complementares realizados e
heredograma (história familiar)”, de acordo com informações que o médico consulente
encaminhou ao CREMESP. Como na prática psiquiátrica, a realização de tais
exames é fundamental no auxílio diagnóstico de diferentes condições clínicas, decidimos
retomar o tema do sigilo médico neste presente Artigo. No final do mês de junho deste ano de 2015, o CREMESP emitiu
o Parecer nº 179.944, que teve como Relatores o Conselheiro Dr. Antônio Pereira
Filho e o Dr. Antonio Carlos Roselli, Membro da Câmara Técnica de Bioética do Conselho,
tratando sobre quebra de sigilo médico, quando da solicitação de exames de DNA,
conforme exposto no parágrafo acima. O referido Parecer inicia sua argumentação
informando que “em primeiro lugar, há de se registrar que a proteção de dados
sigilosos do paciente é um dever do médico em qualquer circunstância, salvo as
exceções previstas em lei, como é o caso, por exemplo, de doenças de
notificação compulsória”. Continua sua exposição de argumentos afirmando que
“justamente em razão dessa proteção, que o paciente acredita que tudo que
disser ao médico, ou que seus exames revelarem, não será informado a
terceiros”. O Parecer cita ainda trecho de obra do Procurador de Justiça, Dr.
Fernando Capez, que diz o que segue: “é do interesse social que os fatos da
vida privada revelados sejam resguardados, ocultados, isto é, sejam mantidos em
segredo profissional, pois, do contrário, sem esse sigilo, poucas pessoas se
arriscariam a procurar ajuda profissional” (Curso de Direito Penal, cit., v. 2,
pág. 417 e 418). Assim, tendo como base a argumentação acima, o Parecer do
CREMESP nº 179.944 afirma que não é permitido à Agência Nacional de Saúde
obrigar o médico a emitir relatório com dados clínico-laboratoriais e
informações sobre familiares para realização de exame de DNA. Embasando ainda
mais sua posição, o Parecer do CREMESP cita o entendimento do Conselho Federal
de Medicina, que vai no mesmo sentido, de acordo com decisões publicadas no Processo
Consulta nº 4.842/93-CFM (02/94) e no Processo Consulta nº 2.809/95-CFM
(05/96): -
Processo Consulta nº
4.842/93-CFM (02/94): "As instituições de saúde não estão obrigadas a
enviar, mesmo por empréstimo, os prontuários aos seus contratantes públicos ou
privados"; -
Processo Consulta nº
2.809/95-CFM (05/96): "O diretor clínico não pode liberar cópia de
prontuários de paciente para conselhos de saúde, porém tem o dever de apurar
quaisquer fatos comunicados, dando-lhes conhecimento de suas providências, sob
pena de responsabilidade ética ou mesmo criminal". Ademais, informa ainda o Parecer, o próprio Código de Ética
Médica, em seu Capítulo IX, Art. 77, impõe limites claros ao médico sobre o
fornecimento de informações a empresas seguradoras. Assim, é vedado ao médico “prestar
informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente
sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso
consentimento do seu representante legal”. O Parecer do CREMESP também apresenta o entendimento da
jurisprudência judicial acerca do tema, resguardando o sigilo profissional
médico. No RESP 159527/98, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu
que a situação das empresas responsáveis pelo pagamento das despesas
médico-hospitalares não é motivo suficiente para violar "princípios
universais e secularmente consagrados de ética médica e de sigilo profissional,
que não podem ser desprezados para maior facilidade das companhias que exploram
esse ramo". O Supremo Tribunal Federal (STF), em Acórdão no Recurso
Extraordinário Criminal nº 91.218-5SP, avaliado pela sua 2ª Turma, decidiu que
a instituição ou o médico tem o direito de não atender a requisição de fichas
clínicas, admitindo que apenas ao perito caiba o direito de consultá-la, mesmo
assim, obrigando-o ao sigilo pericial, como forma de manter o segredo
profissional (RT 562/407/425). Assim, os Tribunais
brasileiros possuem entendimento de modo a respaldar a condição do médico como
fiel guardião das informações íntimas que lhes são transmitidas por seus
pacientes. Desse modo, são mais que sólidos os argumentos utilizados
pelo CREMESP para justificar a proteção do sigilo médico profissional na
situação apresentada neste texto. Aproveitando a discussão sobre o tema, vale a
pena apresentar outros aspectos que também apontam para a necessidade da observação
do sigilo médico. Por meio do Código de Ética Médica, o Conselho Federal de Medicina protege as
informações que são obtidas pelo médico na relação com seu paciente, de acordo
com o que segue: “É vedado ao médico: Art. 73. Revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo,
dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único.
Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o
paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa
hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu
impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido
de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”. É importante
lembrar que, por força de lei, o Conselho Federal de Medicina é o órgão maior
regulamentador da Medicina no país (Lei No. 3.268/1957). Entretanto, o sigilo médico
profissional encontra respaldo também na Constituição Federal que, por meio do
inciso X, do Artigo 5o, protege o direito à intimidade: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Por conta disso, “é de se destacar que o direito ao segredo da relação
médico-paciente encontra-se protegido pela Constituição Federal, sendo
inviolável a intimidade e a vida privada em todos os seus aspectos e relações;
não há flexibilização da Carta Magna quanto a tal aspecto” (Nota Técnica
CREMESP 01/2014). Assim sendo, o direito à intimidade, decorrente da relação
médico-paciente, não pode sofrer um tratamento próprio, sendo violado por ato
administrativo da Agência Nacional de Saúde, por exemplo. Além dos aspectos constitucionais, a
proteção ao sigilo profissional também é prevista na legislação infra. O Código
Penal brasileiro, em seu Artigo 154, prevê que é conduta passível de punição
“revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem”. O Código de Processo Penal, em seu Artigo 207, afirma que “são
proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada,
quiserem dar o seu testemunho.” Ademais, o Código Civil brasileiro também
dispõe sobre o tema: “ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I. a cujo
respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo.” Diante disso, o
sigilo profissional médico é protegido por lei, tanto no âmbito Penal como
também no Civil. Assim sendo, o médico que revelar informação à qual teve
acesso, em decorrência da relação médico-paciente, está sujeito a ser
processado civil e criminalmente por eventuais danos causados ao seu paciente,
inclusive de ordem moral. As exceções à observação do sigilo
profissional são estabelecidas nas próprias normas legais, a saber,
consentimento por escrito do paciente, motivo justo (justa causa), dever legal.
No entanto, vale ressaltar que tais exceções necessitam estar aliadas, sempre
que possível, à ausência de dano a terceiros e à motivação para a quebra. Por
conseguinte, a norma legal vigente “não prevê a quebra do sigilo profissional,
mas, ao contrário, a protege como regra; o interesse público atua como
garantidor do segredo profissional e não como justificativa à sua quebra” (Nota
Técnica CREMESP 01/2014). Então, para fechar esse texto, vale o
juramento hipocrático: "Aquilo que no
exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu
tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei
inteiramente secreto".
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