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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2015 - Vol.20 - Nº 2

Psiquiatria Forense

PROJETO DE LEI PLS 342/2014 PREVÊ OBRIGATORIEDADE DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Professor Afiliado do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador do Grupo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica da EPM-UNIFESP;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


A senadora Vanessa Grazziotin apresentou Projeto (PLS 342/2014) que altera a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), com o objetivo de exigir a avaliação psicológica para que condenados por homicídio, estupro e lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte obtenham a progressão ao regime semiaberto e a autorização para saída temporária.

Tal situação traz à baila a antiga discussão sobre o exame criminológico. Apesar de não serem a mesma coisa, tanto a avaliação psicológica como o exame criminológico teriam o objetivo de subsidiar o magistrado em sua decisão. Apenas para deixar claro as diferenças entre eles: embora não seja mais obrigatório no ordenamento jurídico brasileiro, o exame criminológico, realizado por equipe multiprofissional, tem por objetivo individualizar a pena, devendo ser realizado no início e ao longo do cumprimento da pena privativa de liberdade, enquanto o apenado encontrar-se em regime fechado, e não somente quando o mesmo estiver para receber progressão de regime. Isso ocorreria para avaliar o desenvolvimento do condenado durante a privação da liberdade. Em contrapartida, a avaliação psicológica, tem por objetivo investigar apenas a situação momentânea do condenado, quando do requerimento da progressão de regime.

Hoje, apesar de não serem obrigatórios para a progressão de regime, tanto o exame criminológico como a avaliação psicológica podem ser solicitados pelo juiz da execução penal. As instâncias recursais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, têm se posicionado de modo a deixar a decisão para a solicitação do exame criminológico para progressão de pena a cargo dos juízes da execução penal, devendo ser considerada caso a caso sua necessidade, por meio de decisão fundamentada por parte do magistrado.

Diante do exposto acima, o PLS 342/2014, apresentado acima, obrigaria que todo magistrado solicitasse avaliação psicológica para sentenciado que solicitasse progressão de regime, nos casos mencionados acima. No presente momento, após a publicação da Lei nº. 10792 /03, os critérios obrigatórios para a progressão de regime são apenas aqueles de caráter objetivo, como tempo de cumprimento da pena e bom comportamento carcerário. Vale lembrar que, diante disso, no ano de 2010, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) editou a Resolução nº 009, de 29 de junho de 2010, que regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional, dispondo o seguinte: "conforme indicado nos arts. 6º e 112 da Lei n. 10.792/2003 (que alterou a Lei n. 7.201/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado". No entanto, após muitas pressões, o CFP acabou suspendendo sua decisão.

Esse cenário todo, nos traz a refletir se existiria de fato avaliação psicológica que poderia prever a reincidência de um criminoso. Existiria a possibilidade de se prever ações humanas futuras por meio de avaliações psicológicas? Por mais criteriosas que sejam as avaliações psicológicas, nesse contexto, elas com certeza não conseguem atingir seu objetivo.

No entanto, para compreendermos melhor essa questão toda, talvez devêssemos dar um passa atrás. O ponto central dessa discussão toda deveria ser se a sociedade deve progredir a pena de criminosos condenados de maneira indiscriminada como faz hoje. A pergunta que se coloca é: isso traz consigo risco para o conjunto social? Assim, vamos descobrir facilmente que essa questão não será resolvida com uma mera avaliação psicológica. A política de progressão de regime prisional, como ocorre hoje no país, serve apenas para criar sensação de impunidade entre os criminosos, medo na sociedade e audiência aos programas televisivos sensacionalistas de fim de tarde.

Talvez para que diminuíssemos a reincidência criminal, outras medidas com maior impacto real devessem ser tomadas. Dentre elas, a presença mais marcante do poder público no interior dos presídios, por meio de políticas públicas claras de reabilitação da população criminal, com a oferta de educação e emprego. Hoje, o condenado passa seu tempo de maneira ociosa, em ambientes totalmente insalubres, usando drogas e sendo cooptado pelo crime organizado. O que se observa é o domínio completo das prisões pelas facções do crime organizado. Além disso, políticas públicas de suporte ao egresso do sistema prisional devem ser priorizadas. Hoje em dia, são quase que inexistentes, como que para “inglês ver”. Assim, o sistema prisional brasileiro é um verdadeiro “revolving door”, jogando recursos públicos no lixo, formando criminosos cada vez mais perigosos e expondo a sociedade a níveis alarmantes de violência. Levantamento recente mostrou que de cada 10 presos pelo crime de roubo, 07 deles reincidiram no Estado de São Paulo (dados de janeiro de 2001 a julho de 2013: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,de-cada-10-assaltantes-7-voltam-a-roubar-no-estado-e-41-sao-menores,1123132,0.htm).

Realmente, é difícil aceitar medida tão simplista para abordar situação tão complexa e grave.


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