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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Outubro de 2015 - Vol.20 - Nº 10

Artigo do mês

DESCRIÇÃO DE CASO CLÍNICO DE PSICOTERAPIA DINÂMICA BREVÍSSIMA

Alessandra Bianchin Silveira (1)
Claudio Herbert Nina-e-Silva (2)

(1) Acadêmica de Psicologia, Universidade de Rio Verde
(2) Professor Adjunto de Psicologia da Personalidade, Laboratório de Psicologia Anomalística e Neurociências, Universidade de Rio Verde

Resumo: O objetivo do presente estudo foi descrever um caso clínico de psicoterapia dinâmica brevíssima. Foram descritas as principais técnicas de estabelecimento do vínculo e da confiança com a paciente. Os avanços e as limitações do processo terapêutico brevíssimo também foram apresentados por meio de exemplos da evolução do quadro clínico da paciente. O vínculo estabelecido entre a terapeuta e a Paciente foi crucial para o bom andamento da psicoterapia brevíssima.

Palavras-chave: Psicoterapia. Ansiedade. Depressão. Consulta Psicológica.

 

Abstract: The aim of this study was to describe a case of very brief dynamic psychotherapy. The main techniques of trust and bond establishment with the patient have been reported. Advances and limitations of the very brief therapeutic process were also presented through examples of the evolution of the clinical condition of the patient. The bond made between the therapist and the patient was crucial to the smooth running of the very brief psychotherapy.

Keywords: Psychotherapy. Anxiety. Depression. Psychological Interview.

 

1. INTRODUÇÃO

A psicoterapia dinâmica brevíssima é uma intervenção terapêutica de mínimo 10 e de no máximo 20 sessões que busca levar o paciente a resolver problemas pontuais, aprender a lidar com as emoções e ressignificar recordações dolorosas ou traumáticas (AVELINE, 1996). Os resultados da psicoterapia dinâmica brevíssima são a redução de sinais e sintomas somáticos (conversivos) e a diminuição da frequência de ocorrência de comportamentos defensivos (BARKHAM et al., 1999; ABASS, 2003; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007).

Mas qual seria o requisito necessário para que uma psicoterapia seja bem-sucedida? Feldman (1999, p.75) afirma que seria “criar um espaço onde o outro se sinta confortável, longe de julgamentos mundanos e protegido das aflições que o agridem no íntimo, ou seja, o acolher o outro, é o primeiro passo para que a relação de ajuda comece”.

Fiedler (1953) realizou um estudo para avaliar quais seriam as características decisivas de um terapeuta “bem-sucedido” a partir de uma amostra de 24 psicoterapeutas nova-iorquinos filiados a diferentes abordagens psicológicas. Foram considerados terapeutas “bem-sucedidos” aqueles cujos clientes receberam alta e não tiveram recaídas no quadro clínico que os havia levado à psicoterapia em até dois anos. Verificou-se que os terapeutas considerados “bem-sucedidos”, independente da abordagem e da técnica, possuíam como principais atributos a empatia e, sobretudo, a capacidade de estabelecer vínculo com seus clientes (FIEDLER, 1953). Esses resultados foram confirmados por estudos posteriores (PICHON-RIVIÈRE, 1980; FELDMAN, 1999; ZIMMERMAN, 1999; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007).

A criação de um espaço permissivo para terapia é fundamental para que se construa a boa relação entre paciente-terapeuta. Para Rogers (1973;1992), uma característica importante nesta relação é a necessidade do cliente não se sentir julgado. Travelbee (1982), quando descreve a relação de pessoa a pessoa, enfatiza que o terapeuta deve aceitar o cliente como ele é, não devendo exercer o pré-julgamento e, portanto, não estabelecendo imediatamente o que deve ser objeto de análise.

O ambiente terapêutico permissivo é indispensável para a consecução dos objetivos essenciais da psicoterapia dinâmica brevíssima: fazer o paciente pensar e fazer, refletir e agir, ponderar e mudar (AVELINE, 1996; ABASS, 2003; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007).

Desse modo, o objetivo do presente artigo foi descrever um caso clínico de psicoterapia brevíssima.

 

2. MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho foi realizado na Clínica Escola de Psicologia da Universidade de Rio Verde, como parte integrante do Estágio em Psicologia Clínica realizado pela primeira autora, sob a supervisão do segundo autor, em 2009. A paciente descrita neste estudo de caso foi selecionada a partir da triagem psicológica preliminar. O número de sessões foi igual a 10, conduzidas ao longo de três meses (uma sessão por semana).

A idade, a profissão, bem como alguns dados biográficos e certas características físicas que pudessem permitir o reconhecimento da real identidade da paciente, foram omitidos e/ou alterados neste relato para a preservação do anonimato da paciente. Nas citações diretas das transcrições de diálogos nas sessões terapêuticas, o nome da paciente foi substituído pela expressão “Paciente” nos vocativos.

As fontes de informações clinicamente relevantes foram: 1) diário de sessões, no qual foram transcritas os encontros terapêuticos; e 2) protocolo de avaliação psicológica, que foi utilizado ao longo da terapia, com o intuito de obtenção de dados acerca dos sentimentos e estados emocionais da cliente, e como base para mensuração de sintomas e resultados após o estabelecimento de objetivos na psicoterapia.

Em conformidade com a Resolução 001/2009, do Conselho Federal de Psicologia, realizou-se o registro documental de todas as sessões de prestação de serviço psicológico à paciente. A paciente leu e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a utilização dos dados de suas sessões terapêuticas para pesquisa e publicação, desde que preservado o anonimato de sua identidade.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Paciente procurou a Clínica Escola de Psicologia por indicação médica a fim de tratar uma “depressão profunda” que, segundo o relato dela própria, vinha se estendendo por 12 anos. Durante a entrevista inicial, a Paciente relatou que, além da “depressão”, ela sofria de uma “ansiedade excessiva”. Por causa tanto da ansiedade quanto da depressão, ela afirmou que “peregrinou por diversos médicos”, mas nunca sentiu “nenhuma melhora de verdade”.

A Paciente se casou na adolescência e ela descreveu o marido como sendo “rígido, controlador e desatento”, que muitas vezes se mostrou “agressivo” e “estranho”. A Paciente relatou que, após o casamento, o marido assumiu uma postura depreciativa e agressiva em relação a ela. Por se sentir sozinha a maior parte do tempo, a Paciente iniciou uma amizade com um homem mais velho que, por ser amigo do marido dela, freqüentava muito a sua casa. A Paciente contou que, inicialmente, considerava esse homem “apenas um bom amigo”, com o qual ela podia “conversar livremente”. Todavia essa relação de amizade da Paciente pelo amigo do marido evoluiu para um caso extraconjugal sem relações sexuais.

Essa situação ansiogênica acompanhada por fantasias de autopunição e de sentimento de culpa se estendeu por vários anos até que o marido da Paciente a pressionou a “confessar sobre a traição”. A Paciente se sentiu insuportavelmente ansiosa e, “para acabar com isso logo de uma vez”, ela decidiu confessar ao marido a relação extraconjugal. 

Depois da “confissão da traição”, a Paciente foi tratada com agressividade pelo marido e foi obrigada a sair de casa. Nesse ínterim, a Paciente pediu que o “amante” se afastasse dela. Algum tempo depois, o “amante” se suicidou ingerindo veneno. Esse fato chocou a Paciente profundamente, pois ela se sentia profundamente culpada pelo suicídio do “amante”.

Posteriormente, a Paciente e o marido reataram o relacionamento, mas ela afirmou que, nos anos que se seguiram, a vida dela foi “infeliz demais, cheia de ansiedade e dor”. Ela também se queixou que não conseguia se libertar da lembrança do caso extraconjugal e das consequências trágicas dele. A Paciente relatou que ainda se sentia extremamente culpada e com “grandes sentimentos de mágoa” em relação a si mesma e ao marido.

No primeiro encontro com a Paciente na Clínica-Escola, ela parecia extremamente tímida, fazendo um esforço hercúleo para manter a bolsa dela junto ao corpo. Nessa primeira sessão, a terapeuta se concentrou na tarefa de estabelecer uma relação de empatia e de confiança com a Paciente, de modo que ela se sentisse confortável com a situação e falasse sobre si mesma e sobre sua história de vida livremente.

O discurso a seguir mostra a enorme dor sentida pela Paciente após o suicídio do “amante”:

 

Terapeuta: E depois, Paciente? O que aconteceu? Como tu te sentiste?

Paciente:  Ah.... eu perdi tudo na minha vida. O marido, o respeito, a família, minha filha, que o me. não deixava eu ir ver ela... Foi muito ruim, porque eu fiquei muito, muito triste e sozinha.

 

Nota-se claramente no discurso da Paciente a importância desse caso extraconjugal na vida dela e como isso a afetou negativamente, desencadeando um quadro de ansiedade crônica que evoluiu para um quadro depressivo. Um dado importante é que, nas duas primeiras sessões, a Paciente procurou justificar os sentimentos de angústia e a sua falta de vontade em fazer as coisas que ela sentia recorrendo insistentemente ao diagnóstico de depressão que havia recebido dos médicos. Ela se recusava a encarar o problema dela em termos mais realistas, preferindo se refugiar na fantasia de que a depressão era a “culpada dos problemas que sentia na vida”.

Na maior parte da primeira sessão, a terapeuta buscou criar as condições necessárias para que a Paciente se sentisse realmente livre para falar o que sentia sem receio de ser julgada ou avaliada. Para tanto, a Terapeuta se concentrou em prestar atenção ativamente ao que a Paciente dizia, encorajando-a a prosseguir falar por meio de comentários verbais (“sim”, “entendo”, “aham”, “continue”) e postura corporal (corpo inclinado para frente, olhar direcionado para a paciente, sorriso).

Além disso, a terapeuta empregou constantemente a paráfrase (repetição, com outras palavras, daquilo que a Paciente havia acabado de contar) para assegurar a compreensão do que a Paciente havia dito e, sobretudo, para demonstrar à Paciente o real interesse da Terapeuta pelo o que estava sendo dito pela Paciente. A técnica da paráfrase é muito útil para promover o estabelecimento do vínculo terapeuta-paciente logo nas primeiras sessões, pois o paciente tende a se sentir incondicionalmente aceito pelo terapeuta, possibilitando uma maior fluidez e espontaneidade no processo terapêutico (ROGERS, 1973;1992; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007; YALOM, 2007).

Ao terminar a primeira sessão, a terapeuta explicou para a Paciente que o processo terapêutico depende da própria Paciente falar livremente sobre o que estava sentindo e pensando, e que nada que ela dissesse seria considerado “bobo, sem sentido, imoral ou absurdo” pela terapeuta.

Na segunda sessão, a terapeuta prosseguiu com o acolhimento incondicional da Paciente. Depois que a Paciente demonstrou estar segura e relaxada, a terapeuta aplicou um protocolo de avaliação psicológica, com questões acerca de sentimentos. Originalmente, o protocolo contém questões objetivas e diretas. Contudo, a terapeuta utilizou o protocolo como um roteiro de entrevista semi-estruturado,  permitindo-se fugir ao roteiro para explorar melhor algum aspecto interessante da fala da Paciente. A terapeuta sacrificou conscientemente a precisão da aplicação do protocolo em favor da adoção de uma postura de interesse pelo o que a Paciente estivesse dizendo, mesmo que isso não tivesse relação com o conteúdo de uma questão específica do protocolo. A terapeuta procedeu dessa forma porque ganhar a confiança da Paciente e estabelecer um vínculo com ela são objetivos mais importantes nas primeiras sessões do que propriamente obter dados detalhados sobre ela (ROGERS, 1973;1992; TRAVELBEE, 1982; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007; YALOM, 2007).

A terceira sessão começou com a Paciente muito animada, subindo as escadas da Clínica-Escola com impressionante vivacidade. No entanto, já dentro do consultório, ao ser questionada como havia passado a semana desde a última sessão, a Paciente se retraiu e disse pesarosamente: “continua igual, tudo...”. Em virtude dessa aparente contradição entre a animação da chegada e a apatia da resposta, a terapeuta continuou questionando a Paciente:

 

Terapeuta: Mas, Paciente, conta melhor pra mim como foi esse “igual”.

Paciente: Ah, assim, foi igual... Na verdade, eu comecei foi mancar...

Terapeuta: Mancar? Quando que tu acaba mancando, Paciente? Me explica melhor.

Paciente: É assim, eu quase chego a cair mesmo, a perna falha, quando eu penso ‘naquilo’...

Terapeuta: O que é ‘aquilo’, Paciente?

Paciente: Ah ‘cê’ sabe, aquilo...

Terapeuta: Não, Paciente! Eu não sei o que é ‘aquilo’.

Paciente: O meu caso, a traição...

Terapeuta: Muito bem, Paciente! Agora continua, quando a tua perna falha?

Paciente: Toda vez que eu penso na traição... Parece que a minha perna fica sem força, quase caio no chão.

 

A Paciente relatou um sintoma clássico de conversão histérica (BREUER; FREUD, 1895/2010) ou de transtorno dissociativo do movimento (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993), caracterizado como uma alteração ou limitação física involuntária e inconsciente que ocorre como resultado de conflitos ou necessidades psicológicas, na ausência de distúrbio físico (muscular e/ou neurológico).

No decorrer da terapia, várias outras vezes, a Paciente demonstrou que somatiza grande parte dos seus problemas psíquicos por meio de falhas no movimento das pernas (“mancar”), fortes dores de cabeça e dores no peito. Uma das características da problemática de Paciente é a incapacidade que ela possui em ser assertiva, principalmente com o marido.

A Paciente foi instruída a contar para a terapeuta tudo o que gostaria de falar para alguém, mas que não tivesse coragem de dizer para essa pessoa. A terapeuta fez essa recomendação à Paciente com base no estudo de Lazure (1994), segundo o qual o paciente tem necessidade de confiar em alguém, seja ele um amigo, ou um terapeuta. Além disso, o relato de confidências contribui para o estabelecimento da confiança no terapeuta pelo paciente (LAZURE, 1994).

A terceira sessão transcorreu tranquilamente, visto que a Paciente aderiu bem à proposta da terapeuta de trabalhar a ansiedade em falar sobre os próprios sentimentos. No final dessa sessão, provavelmente sob o efeito do trabalho prévio de controle da ansiedade, a Paciente admitiu que sente uma profunda falta de sogra (“uma segunda mãe”). Contudo, desde que houve o rompimento familiar após a “confissão da traição”, ela não falava mais com a sogra e isso a angustiava muito. O fato de a Paciente ter conseguido contar pode ser interpretado como uma demonstração de confiança da Paciente na terapeuta e de adesão à terapia.

Na quarta sessão, os objetivos das próximas sessões de terapia foram determinadas pela própria Paciente em conjunto com a terapeuta: 1) “conseguir falar o que sente para os outros”; 2) “deixar de ser tão ansiosa”; e 3) “voltar a conversar com a sogra”.

Ainda na quarta sessão, a terapeuta começou um treino assertivo intensivo com a Paciente (ASHER, 1979; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007). Várias situações interpessoais ansiogênicas para a Paciente foram encenadas, no decorrer das quais a terapeuta serviu como modelo. Depois, na reencenação das situações ansiogênicas, a Paciente foi encorajada a falar o que gostaria de ter falado. Um exemplo de treino assertivo envolveu um episódio descrito pela Paciente. Ela teria dado à sobrinha R$300,00 para que ela depositasse no banco, mas verificou-se depois junto ao banco que apenas R$250,00 haviam sido realmente depositados. A encenação dessa situação foi a seguinte:

 

Terapeuta: Paciente, eu sou a tua sobrinha e te falo: Tia, eu tenho certeza que depositei o dinheiro todo!

Paciente: (hesitante) Mas ‘cê’ tem certeza? Às vezes caiu do seu bolso....

Terapeuta: Não tia, eu pus todo o dinheiro... a Senhora tá desconfiando de mim?

Paciente: Não é isso...

Terapeuta: Tia, a senhora tá desconfiando que eu roubei dinheiro da senhora?

Paciente: Não que você tenha roubado, Sobrinha, mas talvez tenha caído...

Terapeuta: Eu acho que a senhora tá desconfiando de mim.

Paciente: (após tomar fôlego) Tô sim, eu acho que você roubou meu dinheiro pra gastar com besteira.

Terapeuta: Muito bem, Paciente!. Como tu te sentiste?

Paciente: Aliviada, parece...

 

Na quinta sessão, a Paciente contou que tinha começado a usar o que tinha aprendido no treino assertivo e que ela tinha percebido “um grande avanço” que estava mudando bastante a vida dela. Depois disso, demonstrando muito pesar, a Paciente contou que se sente “muito mal” por ter pensamentos suicidas. Ela relatou que, quando vê algum fio de algum aparelho de som, fica perturbada “pensando na possibilidade de se enforcar”, mesmo sabendo que não deseja se matar de verdade. Segundo a Paciente, ”é como se fosse algo que eu não controlasse, eu não posso morrer, tenho minhas filhas pra criar, mas a vontade vem e eu fico mal, muito mal mesmo...”. Nesse momento, a terapeuta fez o seguinte comentário:

Terapeuta: Paciente, tu me disse que essa vontade de se matar aparece de repente, não é?

Paciente: Isso...

Terapeuta: Antigamente, quando tu ficava apenas deitada na cama, prostrada e sem ânimo, tu tinha esse tipo de pensamento, não é?

Paciente: É verdade, mas aí eu só tinha vontade de dormir...

Terapeuta: Exato! Paciente, vamos pensar num cachorro bravo, com raiva. Enquanto esse cachorro está na dele, em um canto, sem ninguém ir lá tentar amarrar ele, ele não faz nada. A partir do momento que alguma pessoa vai chegar perto dele com uma coleira, ele começa a atacar, rosnar, querer ser mais forte do que aquele que vai o prender. Tá acompanhando comigo, Paciente?

Paciente: Aham...

Terapeuta: Agora vamos pensar, Paciente, que o cachorro bravo é a tua depressão. Ela tava dominante e não precisava achar nenhuma forma mais nítida de se mostrar. Agora tu, a Paciente que consegue tomar as decisões da vida, tá agindo, tá fazendo terapia, tá tentando te erguer e, com isso, ficando mais forte... E o cachorro da tua “depressão” tá ficando acuado e desesperado... E tá buscando formas e formas de te assustar pra te dominar...

Paciente: ... ‘Tô’ conseguindo entender o que você quer dizer... (rindo) ‘Vixe’! Então, agora que eu vou sentir vontade me matar mesmo!!! (risadas)”.

Terapeuta: Que bom que tu conseguiu visualizar, Paciente... Agora depende de ti determinar quem é que vai tomar conta: a Paciente que quer prender o cachorro nervoso... Ou o cachorro nervoso que é a tua depressão.

 

Com essa interpretação da terapeuta, a Paciente se mostrou muito tranqüilizada acerca dos seus pensamentos suicidas, passando a vê-los como um indicador do progresso na sua terapia, não como uma piora.

Na sexta sessão, a Paciente relatou que conseguiu fazer algo que julgava como impossível antes da terapia: conversar com a filha mais velha sobre a traição. Parabenizada pela terapeuta por essa conquista, a Paciente disse que se sentiu “corajosa e vitoriosa demais”, pois havia conseguido conversar “com uma das pessoas que mais amava” sobre algo que lhe trazia extrema dor. A terapeuta incentivou a Paciente a refletir sobre a importância dessa conversa dela com a filha e a Paciente concluiu que isso a ajudou a se sentir mais forte.

Na sétima sessão, a Paciente disse que havia piorado a ansiedade durante a semana, mas comentou que não havia acontecido nada de especial que justificasse essa piora nos sintomas. Ela comentou que, agora que tinha chegado à terapia, ela se sentia “animada”. No entanto, quando questionada pela terapeuta acerca do treino assertivo com a sogra, a Paciente relatou o seguinte:

 

Paciente: Ah, eu to tomando coragem ainda sabe... Mas eu fico sem graça de tipo pegar o telefone e ligar pra ela...

Terapeuta: Por que, Paciente? Tu tem medo que ela vá te tratar mal?

Paciente: (hesitante) Não... Sabe o que que é... Lembra do homem, da traição?

Terapeuta: Lembro...

Paciente: Então... A mulher dele, a esposa, vive na casa da minha sogra...

Terapeuta: (espantada) Como assim, Paciente?

Paciente: Ela vive lá, sabe? Faz comida pra ela, atende o telefone, fica com ela lá...

Terapeuta: E como é isso pra ti, Paciente? Porque isso é no mínimo estranho, ela é parente, ou coisa do gênero?

Paciente: Não... Depois que o homem morreu, ela não desgruda da minha sogra, eu acho ruim e bom, porque minha sogra é doente, e assim ela tem sempre alguém pra ajudar ela se precisa...

Terapeuta: Essa eu imagino que seja a parte boa... E a ruim, Paciente? Qual é?

Paciente: (emocionada e começa a chorar) Porque tudo que aquela desgraçada faz eu também podia fazer pela minha sogra e melhor, ela tomou o meu lugar!

 

Para a terapeuta, ficou claro que a Paciente se sentiu “invadida e ofendida pela outra mulher”, que “tomou o lugar” de nora-filha que a Paciente fantasiava que era dela. Ao investigar melhor essa fantasia e analisar o sentido dela junto com a Paciente, a terapeuta verificou que a Paciente via a sogra realmente como uma segunda mãe. Desse modo, a Paciente tinha o desejo de se reaproximar da sogra e tomar de volta o “lugar” que ela achava que era dela.

Nos minutos finais dessa sessão, a Paciente começou a falar sobre o quanto se sente envergonhada quando recebe visitas, pois sua casa está sempre desarrumada, pelo fato de ela querer “ficar só na cama, deitada”. A paciente afirmou que “chega ao ponto de fingir que está doente para poder se justificar ficar na cama”. Em relação a isso, a terapeuta fez a seguinte interpretação:

 

Terapeuta: Paciente, tu já reparou como a tua casa é só um reflexo de como tu está se sentindo por dentro?

Paciente: Como assim?

Terapeuta: Quando a tua casa está bagunçada, suja, é porque tu mesma está sem vontade, sem ânimo, entregue completamente ao desespero... Tu come porque senão morre. Faz comida porque precisa comer. Tu toma banho porque é preciso. Lava as roupas porque, se não, ficam sem roupas. Percebe como se tu “tá” mal, a tua casa vai mal também?

Paciente: Nossa... Sabe que quando você fala assim, faz sentido? Nunca tinha reparado, mas é desse jeito mesmo...

Terapeuta: Há algumas sessões tu dizia que o teu desânimo era maior que o ânimo. E hoje tu me disse que se sente animada! Tem ânimo dentro de ti, tu não concorda?

Paciente: Concordo... ‘Tô’ tentando bastante...

Terapeuta: Então, Paciente, hoje tu vai tentar fazer uma coisa a mais por ti e pela tua casa. Tu vai fazer almoço hoje, não vai?

Paciente: Vou.

Terapeuta: E o que tu costuma fazer de almoço?

Paciente: Ah... Arroz, feijão, uma carne e uma mistura, só.

Terapeuta: Então hoje, Paciente, tu vai fazer uma salada! Vai te cobrar esse ânimo pra fazer algo a mais. Posso te confiar essa tarefa?

Paciente: Pode... Minhas meninas adoram salada, e eu nunca faço...

Terapeuta: Pois então, Paciente, hoje tu vai fazer... Vai dar um passo pra puxar esse ânimo que tá aparecendo, combinado?

Paciente: (sorrindo) Combinado, então!

 

Devido ao fato de a Paciente ser uma mulher que passava a maior parte do seu tempo dentro do contexto do lar, a maior parte das interpretações feitas terapeuta envolviam metáforas ou temas relacionados ao lar. A terapeuta e seu supervisor decidiram usar o tema doméstico nas interpretações para que fosse mais fácil para a Paciente assimilar a analogia entre ela mesma e seus problemas.

Na nona sessão, a Paciente começou relatando como foi a sua semana e, com um sorriso meio tímido, contou que a sobrinha que morava com ela e lhe dava problemas havia se mudado. Em seguida, a Paciente contou com orgulho indisfarçado que tinha conversado com a sobrinha sobre os problemas financeiros da casa e sobre a falta de ajuda por parte da sobrinha. A paciente disse que conversou “numa boa, sem ofender a menina”, sendo que, no dia seguinte à conversa, a sobrinha se mudou. A Paciente comentou que se sentiu positivamente surpreendida e muito alegre por saber que o fato de ter falado algo que queria não lhe trouxe desgostos e sim uma situação que ela almejava, sem maiores problemas.

Além disso, a Paciente comentou que o marido havia telefonado para ela e começou a dizer grosserias. Daí, a Paciente simplesmente desligou o telefone, ao invés de ficar ouvindo as grosserias chorando e se sentindo ansiosa. Mesmo assim, a Paciente disse que a grosseria do marido ao telefone a irritou, mas que quando ele chegou à noite, ela “não deu moral” para ele, indo dormir sem discussões ou choro. Então, a Paciente relatou o que aconteceu depois:

 

Paciente: Eu saí cedo pra ir pro salão, porque não queria falar com ele[marido] pra não me irritar... Aí olha só... Eu adoro arroz com batata-doce, e ele odeia. Às vezes, eu peço pra fazer e ele fala que se fizer é pra botar a panela de arroz inteira fora, porque ele não gosta...

Terapeuta: Continue...

Paciente: Aí na segunda eu nem fui almoçar em casa, só voltei pra casa de noite, quando era umas 8 horas, e quando eu cheguei ele me chamou: ‘bem, vem cá ver o que eu fiz pra você’, e eu fui ver... ‘Cê’ acredita que ele tinha feito arroz com batata-doce pra mim?

Terapeuta: Sério?

Paciente: Sério! Nem acreditei!

Terapeuta: Tá vendo, Paciente?Ter sido assertiva com ele não só fez com que ele não te tratasse mal, mas ainda fez algo pra te agradar!

 

A paciente demonstrou claramente muita alegria e surpresa ao ver que ela poderia sim ser assertiva sem precisar se anular completamente na relação com o marido. Essa sessão terminou com a Paciente comentando como tirar a carteira de motorista estava sendo positivo para ela, já que nunca havia pensado em tirar carta de moto e carro antes da terapia.

Na décima e última sessão, durante a avaliação do progresso da terapia e a reaplicação do protocolo de avaliação psicológica, a Paciente relatou que “ainda sente ansiedade, mas que sabe que pode ser mais forte, quando quer”. Ela comentou que tomou coragem e convidou a sogra para almoçar em casa no domingo e que, apesar de não terem conversado muito, ela ficou feliz, pois a sogra havia trazido maionese. E a Paciente disse que sempre gostou muito da maionese da sogra e que, desde a “traição”, não havia mais comido maionese. A terapeuta afirmou que a melhora da Paciente tinha sido muito boa e que o progresso dela no campo das relações interpessoais tinha sido notável.

Os resultados do processo de psicoterapia dinâmica brevíssima da Paciente estão de acordo com a literatura (BARKHAM et al., 1999; ABASS, 2003; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007), visto que houve a diminuição da frequência de sinais e sintomas somáticos e da ocorrência de comportamentos defensivos neuróticos.

Com relação aos objetivos propostos para a terapia da Paciente, a avaliação da terapia evidenciou que apenas o objetivo de “deixar de ser tão ansiosa” não foi atingido completamente. Afinal, apesar de estar se impondo nos relacionamentos interpessoais de maneira mais ativa, a Paciente ainda desenvolveu a capacidade de controlar plenamente a sua ansiedade.

A Paciente declarou que, apesar de se sentir relativamente bem, está com medo de uma nova recaída, que geralmente ocorria quando ela estava feliz. Nesse sentido, a terapeuta fez a seguinte interpretação:

 

Terapeuta: Paciente, já reparou na beira das rodovias, quando há queimadas?

Paciente: Sim, tudo preto...

Terapeuta: Então... O fogo mata muitas das propriedades do solo, deixa ele mais fraco e menos fértil, e por incrível que pareça, o mato e as plantas que crescem depois de uma queimada...

Paciente: Vem mais verde, né?

Terapeuta: Exato! Depois da adversidade, as plantas se fortalecem num solo mais pobre e crescem ainda mais bonitas. Consegue fazer essa analogia contigo mesma, Paciente?

Paciente: Olha... acho que sim

Terapeuta: Então, faz ela pra mim, me explica.

Paciente: Uai... Eu tô ficando mais forte agora, depois de tudo que eu passei, e isso é bom.

Terapeuta: Muito bem... Fico muito, muito feliz em ouvir isso da tua boca, Paciente.

 

Grande parte do sucesso terapêutico no caso clínico da Paciente se deveu à criação, por parte da terapeuta, de um espaço permissivo positivo nas primeiras sessões, no qual a empatia e a confiança entre a Paciente e a terapeuta foram estabelecidas. Dessa forma, os resultados positivos descritos no presente estudo de caso clínico corroboram achados anteriores segundo os quais o estabelecimento do vínculo com o paciente por meio do fomento da empatia e da confiança por parte do terapeuta é um fator importante para uma psicoterapia bem sucedida (FIEDLER, 1953; PICHON-RIVIÈRE, 1980; FELDMAN, 1999; ZIMMERMAN, 1999; COOPER; GABBARD; PERSON, 2007).

A terapeuta foi capaz de seguir os pressupostos básicos da psicoterapia dinâmica brevíssima no sentido de levar a Paciente a pensar e a agir, a refletir e a mudar com base em demandas concretas trazidas para a sessão terapêutica semana-a-semana (AVELINE, 1996).

Os sintomas conversivos apresentados inicialmente pela Paciente, tais como mancar, dores no peito, formigamentos e fadiga extrema foram desaparecendo progressivamente conforme as sessões foram avançando, não sendo mais relatados pela Paciente nas sessões finais da terapia.

Contudo, ao encerrar a última sessão, a terapeuta alertou a Paciente de que apesar de ela ter realmente feito muitos progressos em apenas três meses, ainda havia várias questões a serem trabalhadas e que seria adequado que ela aprofundasse o processo terapêutico assim que fosse possível.

 

4. CONCLUSÃO

O objetivo do presente estudo foi descrever um caso clínico de psicoterapia brevíssima. Foram descritas as principais técnicas de estabelecimento do vínculo e da confiança com a paciente. Os avanços e as limitações do processo terapêutico brevíssimo também foram apresentados por meio de exemplos da evolução do quadro clínico da paciente. O vínculo estabelecido entre a terapeuta e a Paciente foi crucial para o bom andamento da psicoterapia dinâmica brevíssima.

 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ABASS, A.B. (2003). The cost effectiveness of short-term psychotherapy. Expert Review of Phamacoeconomics Research, 3(5):535-539.

 

ASHER, S. (1979). Social Skill training: The selection of program content. Psychology Journal of Human development Research Center of San Francisco.

 

AVELINE, M. O. (1996). The training and supervision of individual therapists. In: Individual Therapy: A Comprehensive Handbook (ed. W. Dryden), 365–394. London: John Wiley & Sons.

 

BARKHAM, M.; SHAPIRO, D.; HARDY, G.E.; et al. (1999). Psychotherapy in two-plus-one sessions: outcomes of a randomised controlled trial of cognitive–behavioural and psychodynamic-interpersonal therapy for subsyndromal depression. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 67:201– 211.

 

BREUER, J.; FREUD, S. (1895/2010). Estudos sobre a histeria. Obras completas de Freud. São Paulo: Companhia das Letras.

 

COOPER, A.M.; GABBARD, G.O.; PERSON, E.S. (2007). Compêndio de psicanálise. Porto Alegre: Artmed.

 

FIEDLER, L. (1953). Handbook of psychotherapy. New York: Holton.

 

FELDMANN, C. (1999). Construindo a relação de ajuda. Porto Alegre: ArtMed.

 

LAZURE, H. (1994). Viver a relação de ajuda. Lisboa: Editora Lusodidacta.

 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. (1993). Classificação internacional das doenças – 10a revisão. Porto Alegre: Artmed.

 

PICHON-RIVIERE, E. (1980). Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes.

 

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