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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Novembro de 2015 - Vol.20 - Nº 11

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

MEDICINA ALTERNATIVA, RELIGIÃO E PSIQUIATRIA NO SÉCULO XXI

Fernando Portela Câmara
Prof. Associado da UFRJ


O recente edital de contratação para um reiki-terapeuta pelo Hospital Princesa Alexandra, do NHS britânico, suscitou muitos protestos de médicos e cientistas. O hospital justificou a procura porque “will provide Reiki/Spiritual healing to patients to enable them to cope with the emotional, physical and spiritual issues of dealing with their cancer journey”. O fato suscitou um comentário na Nature (vol. 526, Número 7375, de 20 de novembro de 2015) assinado por Garry Simpson.

O clamor foi geral contra as alegações pseudocientíficas dos terapeutas espirituais, e no que concerne aos reiki terapeutas, não existe evidência alguma de que eles possam manipular “campos de energia” humanos para liberar “bloqueios” e curar o corpo. Ora, isso era exatamente o que Mesmer dizia ao criar a terapia pelo “magnetismo animal” (hoje denominado “campos de energia” animal), já na época (final do século XVIII) desmentido pela Academia de Ciências da França e por uma Comissão Científica da Escola de Medicina de Paris.

Muitas das terapias alternativas não fazem diferença quando testadas contra o efeito placebo, e se “curam” por via psíquica, o fazem geralmente por efeito de sugestão (não confundi-las com psicoterapia). Há, contudo, uma tendência para incorporar tais práticas nos serviços públicos de saúde, inclusive já existe no Brasil, onde a homeopatia e a acupuntura são especialidades médicas reconhecidas pelo CFM e AMB. Entretanto, placebo não cura doenças graves e nem intervêm nas complexas reações psíquicas ou fisiológicas, e certamente um médico homeopata ou um médico acupunturista sabem disso, pois essas especialidades entre nós são reconhecidas como “modalidades terapêuticas”. Jamais foi visto um placebo ou terapia espiritual/religiosa, homeopatia ou acupuntura controlarem um episódio maníaco ou uma depressão maior, deter uma psicose florida ou remitir um estresse pós-traumático.

A neurociência vem testando a hipótese de o efeito placebo ser um meio de liberação de dopamina, mas todos os experimentos têm fracassado. Nenhuma terapia espiritual ou religiosa mostrou algum efeito no Parkinson, mesmo incipiente, ou mesmo na liberação de endorfinas nas dores crônicas. Sempre que se aborda essa questão pela “medicina baseada em evidências” as teorias espirituais e religiosas falham. Entretanto, estudos com a acupuntura mostraram que ela pode ter um efeito relevante no alivio da dor e dos sintomas da síndrome do cólon irritável, em um nível que permite supor que a interação de agulhas com o corpo humano resultaria em um efeito placebo forte (embora não consiga desafiar a hipótese nula) (Kaptchuk et al., Br. Med. J. 332: 391-7, 2006; Kaptchuk et al., Br. Med. J. 336: 999-1007, 2008), e assim passou a ser um tratamento recomendado na medicina.

Um tratamento para ser efetivo deve ser significantemente maior que o efeito placebo, então, porque a população em geral apóia as terapias placebo? Aqui entra em jogo variáveis subjetivas complexas, pois não é somente o tratamento em si que está envolvido, mas a participação de um terapeuta carismático, atencioso e participativo, ele mesmo um poderoso efeito placebo. Este é o “segredo” que acompanha a prática dos médicos que a simpatia popular elege como seus heróis e que, no Brasil, algumas vezes são elevados a médicos espirituais após sua morte, de onde “retornam” para dar bons conselhos e fazer cirurgias espirituais através de médiuns famosos.

O popular também prefere as medicinas alternativas pela sua isenção de efeitos colaterais, e vemos isso especialmente naqueles pacientes portadores de câncer que estão em quimioterapia, que se queixam de sérios efeitos colaterais. Eles procuram por alternativas que lhes causam menos danos, porém, até agora nenhuma delas mostrou-se satisfatória. Ao que tudo indica, o uso de terapias alternativas, a sugestão implícita e a conversa com o terapeuta consegue mitigar empiricamente os sintomas intensificados ou emergentes da ansiedade, e por isso algumas vezes podem dispensar o uso de analgésicos e sedativos naqueles que fazem uso dessa medicações em baixas doses ou ocasionalmente. Entretanto, para esses casos, a psiquiatria e a psicoterapia oferecem métodos com bons resultados quando o paciente se mostra responsivo nos testes preliminares. É o caso da hipnose de Kretschmer, treinamento autógeno de Schultz, controle cerebral de Vitoz, exercícios respiratórios de Aiginger, e outros protocolos largamente testados em grupos há décadas.

Algumas instituições como a Stanford Center for Integrative Medicina, na Califórnia, conjuga a opinião popular à médica, integrando aos tratamentos médicos os alternativos, como é o caso da acupuntura associada à quimioterapia, que ajuda a minorar os efeitos colaterais e ajudar a promover uma boa aderência do paciente ao tratamento. Investiga-se agora se este protocolo também ajuda a aumentar os escores de sobrevivência.

Os críticos, contudo, chama a atenção para o perigo da adoção de terapias tais como “energização da aura”, manipulação dos “campos energéticos” do corpo, “vidas passadas”, e outras, pois essas modalidades de terapias inoculam o descrédito na população pela eficácia das vacinas e tratamentos medicamentosos convencionais, encorajando a disseminação de pensamentos mágicos sobre a doença e a cura. Não raro o paciente agrava e não é incomum que processem o terapeuta ou os médicos espirituais. Uma olhada nos processos nos CRMs pode dar uma ideia de como os pacientes frustrados podem reagir. Mas em lugar de criticar essas práticas, poderíamos estudá-las para ampliar nosso conhecimento sobre quais são os ingredientes nessas terapias que as tornam popular. Isto pode melhorar o discurso do médico, sua abordagem do paciente, e até mesmo uma linguagem que incentive para os tratamentos e procedimentos convencionais da medicina.

Na psiquiatria atual há um movimento para integrar a religiosidade ao tratamento. Pessoalmente acho isto desnecessário e confuso, pois, a religião não é medicina alternativa, mas uma questão de consciência, tradição familiar e opinião do líder espiritual. Não há razão de o psiquiatra aventurar-se por este campo, e os que são religiosos ou que cultivam alguma fé ou crença, deveria se distanciar dessa intervenção ou, no máximo, aconselhar seu paciente, se indagado, a harmonizar sua vida espiritual. A associação entre psiquiatria e religião pode trazer confusão para o paciente e desvirtuar o tratamento psiquiátrico, especialmente quando o psiquiatra está envolvido. Tenho visto pessoas deprimidas que procuram em vão alívio e cura peregrinando de culto em culto até se desesperançar e suicidar-se. A intervenção da psiquiatria convencional certamente evitaria esse problema. Conheço alguns pastores e padres que conhecem bem este problema e recomendam ao fiel procurar ajuda psiquiátrica urgente antes de retornar ao culto. O Antigo Testamento diz que é preciso estar com a mente livre para louvar a Deus. A meu ver, os espiritistas kardecistas são os pioneiros nessa conduta, e os centros espíritas frequentemente mantém um atendimento psicológico paralelo ao espiritual, sabendo distinguir uma coisa de outra e encaminhando ao psiquiatra quando necessário, dessa forma prestando uma enorme ajuda à população.

Sutor nec ultra plus crepidam.


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