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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Setembro de 2015 - Vol.20 - Nº 9

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

UMA EVIDÊNCIA DA LINGUAGEM UNIVERSAL?

Fernando Portela Câmara, Prof. Associado UFRJ


Um estudo recente (Furtrell, Mahowald e Gibson, 2015) aponta para uma origem universal da linguagem, reforçando a tese de Chomsky da “gramática universal”. Seja qual for a origem do homem atual, a linguagem é uma caraterística universal e talvez até, especulo, tenhamos compartilhado com nossos símiles ancestrais como o Neandertal, o Florisiense, o Denisovan, e talvez outros.

Os seres humanos falam uma enorme variedade de línguas e dialetos que, segundo a tese da linguagem universal, todas elas partem de uma mesma estrutura lógica: são recursivas e seguem regras sintáticas mais ou menos comuns. Aparentemente, essa gramática primitiva tem suas regras gravadas em circuitos neurais geneticamente determinados que evoluiu por vantagem na redução dos custos da comunicação e trabalho. A linguagem primitiva seria, desse modo, um sistema formal sujeito a variações segundo regras de transformações e adaptações socialmente adquiridas, como a semântica, os sons, a pronúncia, certas formas de construção de frases, etc., porém todas são recursivas e com uma sintaxe primitiva.

Outros pesquisadores (como, p. ex., Evans e Levinson, 2009) não concordam com isso e defendem a ideia de que as linguagens são soluções adaptativas para resolver problemas comuns a todos os falantes. Entretanto, Futrel e colaboradores (2015) colheram evidências de que as linguagens têm uma tendência própria para colocar palavras em relação sintática mais próxima possível. Eles acreditam que isto se deva à uma necessidade de fazer as sentenças mais fáceis de serem entendidas, relacionando conceitos por proximidade. Por exemplo, adjetivos como “claro” juntam-se aos nomes que eles modificam, como “céu”, e assim fica mais fácil compreender o conceito de “céu claro” se as palavras aparecem juntas na sentença. Outro exemplo, “João jogou o relógio que ficava na cozinha fora” é, para muitas pessoas, mais difícil de compreender que a frase “João jogou fora o relógio que ficava na cozinha”. Esse processo de limitar a distância entre palavras relacionadas é denominado de “minimização de extensão de dependência” (dependency length minimization ou DLM).

Surge a agora a questão se as linguagens se organizaram a partir de uma gramática neurocodificada que força o falante a juntar conceitos para tornar mais fácil a compreensão. Futrel e colaboradores analisaram 37 linguagens diferentes espalhadas no mundo com relação aos seus graus de DLM e compararam os resultados à sua linha basal. Eles encontraram que a distribuição dos graus de DLM foi significativamente mais próxima do que seria esperado se fosse devido ao acaso. Todas as linguagens tinham DLMs médias bem menores que a linha basal aleatória. A linguagem seria, portanto, auto-organizada.

Os proponentes da tese de Chomsky argumentam que isto é uma evidência da existência de um módulo neural de organização da linguagem.

As linguagens teriam sua origem comum na África?

Uma segunda importante questão em pauta atualmente é a evidência de que as linguagens modernas não mostram traço de nossa suposta origem africana, teoria, aliás, atualmente questionada por alguns (Câmara, 2015)

A evolução da cultura humana é frequentemente comparada à evolução biológica: ambas envolvem variações dentro de uma população, transmissão de dados de uma geração a outra e fatores que asseguram a sobrevivência de alguns em detrimento da extinção de outros. À semelhança das bactérias, a evolução da cultura também pode se dar “horizontalmente”, transmitindo-se entre indivíduos de uma mesma geração. Entretanto, não se sabe ainda se o padrão de transmissão da linguagem leva à uma diversidade semelhante à biodiversidade geneticamente modulada pelos genes. Diversidades genética e linguística são usadas para se obter conclusões sobre a história do homem na terra, mas para que nossa compreensão seja confiável é necessário esclarecer se ambos os tipos de dados seguem modelos semelhantes. Creanza e colaboradores (2015) conduziram uma pesquisa global em grande escala sobre dados genéticos e linguísticos e encontraram que as linguagens se comportam de forma bem diferente da genética. Eles concluíram de suas análises que as linguagens isoladas têm mais, e não menos, diversidade, e as linguagens atuais não conservam o eco de uma suposta migração africana, ao contrário do que ocorre com os nossos genomas (isso atualmente tem sido em parte contestado, ver Câmara, 2015).

Esses pesquisadores basearam-se na estrutura dos fonemas das linguagens e sua ocorrência global. A comparação entre fonemas e caracteres genéticos no plano global mostrou alguns resultados intuitivos como, p. ex., populações separadas por maiores distâncias entre elas tinham igualmente maiores diferenças tanto genéticas quanto linguísticas. Por outro lado, linguagens da mesma família, como, p. ex., o francês e o italiano, que seria de esperar terem semelhantes inventários de fonemas, mostraram serem linguagens historicamente não relacionadas embora geograficamente próximas. Outros resultados, contudo, não foram intuitivos, p. ex., quando populações migram, sua variabilidade genética se reduz, pois somente uma fração do pool genético está presente na fração de migrantes, e se elas não tem chance de se misturar com outras, sua variabilidade se conserva baixa. As linguagens, contudo, mostram um padrão inverso, isto é, linguagens com muitos vizinhos próximos parecem ser influenciadas por estes, levando à uma menor diversidade fonêmica com o tempo. Já as linguagens isoladas seguem na direção oposta mudando a cada geração para aumentar a sua diversidade.

O achado mais surpreendente de Creanza e colaboradores (2015) foi que não existe nenhum dado linguístico que sugira que os humanos migraram a partir da África para povoar a terra. Esses resultados contrariam a teoria de Atkinson (2011), que sugeriu que como a genética, a diversidade de linguagens declina com a distância da África como resultado da divisão das populações e distanciamento cada vez maior. Os resultados de Creanza e col. mostram que não há bases para atribuir às linguagens atuais uma origem africana, segundo eles talvez devido a mudanças bem mais rápidas na linguagem do que na genética. Entretanto, parece que eles não conhecem o trabalho de Klyosov e Rosanski (2012) que contestam a teoria “out of Africa” com resultados consistentes, o que acrescentaria aos seus dados um suporte teórico mais amplo. De qualquer forma, o trabalho de Creanza e col. mostra que os processos demográficos são uma força importante nos processos tanto linguísticos quanto genéticos.

Referências citadas:

Atkinson QD. Phonemic Diversity Supports a Serial Founder Effect Model of Language Expansion from Africa, Science 2011; 332: 346-9.

Câmara FP. Não estávamos sozinhos no paraíso, Psychiatry On-Line Brazil, vol.20 no. 5, 2015. http://www.polbr.med.br/ano15/cpc0515.php

Creanza N, Ruhlen M, Pemberton TJ, Rosenberg NA, Feldman MW, Ramachandran S.  A comparison of worldwide phonemic and genetic variation in human populations, PNAS 2015; 112: 1265-72.

Evans N, Levinson SC. The myth of language universals: Language diversity and its importance for cognitive science, Behavioral and Brain Sciences 2009; 32: 429-92.

Futrell R, Mahowald K, Gibson E. Large-scale evidence of dependency length minimization in 37 languages, PNAS 2015; 112: 10336-41.

Klyosov AA, Rozhanski IL. Re-examing the “Out of Africa” theory and the origin of Europeiods (Caucasians) in the light of DNA genealogy, Advances in Anthropology 2012; 2: 80-6.


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