Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Julho de 2015 - Vol.20 - Nº 7 COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA OS ANTIDEPRESSIVOS FUNCIONAM? Jordano Copetti, Médico psiquiatra, RS Os
antidepressivos reinaram absolutos nas últimas décadas, subiram ao topo entre
as drogas mais prescritas no mundo e foram indicados não só para a depressão,
mas vários outros transtornos psiquiátricos e “não psiquiátricos”, como fibromialgia, TPM e enxaqueca. Ultimamente
tem se acirrado o debate, inclusive em congressos ao redor do mundo, como o da
APA, sobre a real eficácia dos antidepressivos na depressão. Os que defendem a
ineficácia destas drogas dizem que estudos que os aprovaram
foram patrocinados pela indústria farmacêutica, os estudos que mostram a
ineficácia não foram publicados propositadamente e que se todos os
estudos são analisados em meta-análises, os
antidepressivos não passam de caros placebos. Como a defesa dos antidepressivos
já está consolidada e nos é apresentada em congressos e em nossos consultórios
quase diariamente pela indústria, vou expor os argumentos daqueles que dizem
que os antidepressivos não só não são melhores que o placebo, mas prejudiciais
à saúde. •
Os antidepressivos não funcionam para depressões leves a
moderadas. Turner e
colaboradores (2008), acessaram os estudos publicados
e não publicados nos EUA apresentados pelas empresas farmacêuticas para obter
aprovação governamental para suas drogas. Eles descobriram que 94% dos estudos publicados mostraram uma vantagem dos
antidepressivos em relação ao placebo. Quando os 2 tipos de estudos, os
publicados e os não publicados foram
considerados em conjunto, apenas 51% mostraram uma vantagem em relação ao
placebo. Ou seja, os laboratórios tendem a omitir os estudos que
mostram que seus remédios são ineficazes ou até mesmo prejudiciais, enquanto
que divulgam com alarde quando os resultados são favoráveis, mesmo que
minimamente favoráveis. Uma
meta-análise publicada em 2010 mostra que os antidepressivos não são melhores
que o placebo em depressões leves a moderadas (Fournier
et al,
2010). Irving
Kirsch e colaboradores (2008) fizeram uma meta-análise de estudos submetidos ao
FDA Americano, publicados e não publicados, do efeito dos antidepressivos na
depressão e concluíram que as medicações só são mais eficazes que o placebo nas
depressões graves e ainda assim por uma menor resposta ao placebo e não por um
aumento da eficácia dos antidepressivos. •
Os antidepressivos tornam a depressão crônica e aumentam o
risco de recaída? Os efeitos
de longo-prazo dos antidepressivos são pouco conhecidos. Afinal, não é nada
fácil e custa muito dinheiro fazer estudos que exijam acompanhamento de
pacientes por muitos anos, até mesmo décadas. Entretanto, em países
organizados, onde o uso de medicação e os históricos dos pacientes ficam
registrados, é possível tirar algumas conclusões. Em um
estudo holandês 222 pacientes que tiveram o 1o
episódio na vida de depressão foram acompanhados por 10 anos. O que eles
acharam é intrigante: aqueles que usaram antidepressivos neste 1o
episódio tinham mais chances de virem a desenvolver um quadro recorrente quando
comparados aqueles que não usaram antidepressivos neste 1o episódio. Dos pacientes que recaíram em
depressão, 72% haviam usado antidepressivos no 1o episódio. Ou seja,
o uso dos antidepressivos poderia fazer com que a doença se torne crônica (van Weel-Baumgarten et al, 2000). Um estudo
de meta-análise mais recente comparou os índices de recaídas em pacientes tratados
para depressão que melhoraram com o placebo e permaneceram usando placebo com
aqueles que melhoraram ao usar o antidepressivo e, posteriormente, passaram a
usar placebo (sem saberem, obviamente). Como ambos
grupos haviam melhorado e ambos passaram a tomar uma falsa medicação, seria
esperado que os dois grupos tivessem taxas semelhantes de recaídas. Mas não foi
o que ocorreu. Dos pacientes que usaram antidepressivos no inicio do tratamento
44,6% recaíram, contra 24,7% dos pacientes que sempre usaram placebo. Isto é
quase o dobro de recaídas no grupo que usou medicação antidepressiva (Andrews et al,
2011). Estudos
como este afirmam que os antidepressivos podem tratar a depressão, mas é
possível que também possam torná-la uma doença crônica. Este achado é muito
intrigante e nos motiva a buscar outras formas de tratamento, que ajudem a
pessoa a sair de uma crise depressiva sem que se tornem reféns do próprio
tratamento. Os
antidepressivos tendem a perder a eficácia no longo-prazo, levando a uma
recaída total ou parcial. Em um estudo com 172 pacientes com depressão
recorrente, 60% dos que usavam o antidepressivo recaíram em 2 anos. Não houve
diferença com aqueles que faziam uso irregular dos remédios (aqueles que
usavam, mas sem seguir rigorosamente as recomendações médicas). O mais incrível
neste estudo foi o seguinte: daqueles pacientes que pararam de usar o
antidepressivo tão logo saiam da crise inicial e recebiam terapia cognitiva
para prevenir novas crises depressivas apenas 8% recaiam em 2 anos. Ou seja, o
uso crônico destas medicações parece estar fazendo mesmo algum mal, ou até
induzindo a cronicidade e a recorrência dos episódios de depressão (Bockting et
al, 2007). •
Os antidepressivos aumentam o risco de suicídio. Como
assim? Mas eles não deveriam justamente reduzir o risco de uma pessoa se
suicidar? Surgiu há
pouco tempo a comprovação de que os antidepressivos podem aumentar as
tentativas de suicídio em crianças e adolescentes. O número de suicídios em
crianças usando antidepressivos é até 3 vezes maior que crianças com depressão
que não usaram (Healy e Aldred,
2005). O interessante é que somente agora o FDA Americano (Food
and Drug Adminstration), que equivale a ANVISA do Brasil, colocou
esta advertência em bula. Só que em
adultos também os antidepressivos aumentam o risco de suicídio. Esta “descoberta”
que surgiu agora como uma coisa nova, é tão velha
quanto o primeiro antidepressivo fabricado, a imipramina,
no final dos anos 50. Meus antigos professores, quando eu fazia residência
médica nos anos 90, já advertiam: “Muito cuidado com o uso de antidepressivos
em pacientes depressivos. Antes de ocorrer melhora do humor e da ideação
suicida, pode haver uma ativação psicomotora e o paciente levar a cabo o seu
plano e acabar se matando”. Hoje
sabemos mais. Muitos pacientes são mal diagnosticados. Não apresentam depressão
unicamente, mas sim transtorno bipolar, onde a ativação excessiva com
antidepressivos é muito comum. Esta ativação é confundida com ansiedade ou até
melhora do quadro, mas o paciente acaba
cometendo suicídio. Podemos concluir que, embora haja controvérsias e os debates
prossigam, é provável que os antidepressivos não sejam tão benéficos e muito
mais cautela é necessária na sua prescrição. Referências Andrews PW, Kornstein
SG, Halberstadt
LJ, Gardner CO, Neale MC. Blue again: perturbational effects of antidepressants
suggest monoaminergic homeostasis in major depression, Front Psychol. 2011;
2:159 (pub. on-line). Bockting CL, Doesschate MC, Spijker
J, Spinhoven P, Koeter MW, Schene AH; DELTA study group. Continuation and maintenance use of antidepressants in recurrent
depression, Psychother Psychosom.
2008; 77: 17-26. Fournier JC, DeRubeis
RJ, Hollon SD, Dimijian S,
Amsterdam JD, et al. Antidepressant drug effects and depression severity: a
patient-level meta-analysis JAMA 2010; 303: 47-53. Healy D, Aldred G. Antidepressant drug use & the risk of
suicide, Int Rev Psychiatry. 2005; 17: 163-72. Kirsch I, Deacon BJ, Huedo-Medina TB, Scoboria A,
Moore TJ, Johnson BT, et al.Initial Severity and
Antidepressant Benefits: A Meta-Analysis of Data Submitted to the Food and Drug
Administration, PLoS Med. 2008; 5:e45. Turner EH, Matthews AM, Linardatos E, Tell RA, Rosenthal R. Selective publication
of antidepressant trials and its influence on apparent efficacy. N. Engl. J. Med. 2008; 358: 252–60. van Weel-Baumgarten EM, van den
Bosch WJ, Hekster YA, van den Hoogen
HJ, Zitman FG. Treatment of depression related to
recurrence: 10-year follow-up in general practice J Clin
Pharm Ther. 2000; 25:61-6.
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