Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Julho de 2015 - Vol.20 - Nº 7 Artigo do mês
SONHOS EM PSIQUIATRIA E EM PSICOTERAPIA – PARTE 16
Carlos Alberto Crespo de Souza Nota: No início de março/2015 comecei a
escrever este artigo, correspondente a parte 16 do tema “Sonhos em Psiquiatria
e em Psicoterapia”, com a intenção de vê-lo publicado na POLB no mês de abril,
dando sequência a artigos da série já publicados. Porém, ao final de março fui
surpreendido por uma inapetência e perda gradual de peso. Os exames de
laboratório realizados mostraram significativas alterações nas funções
hepáticas, enquanto a ressonância magnética de abdome evidenciou um tumor no
pâncreas (câncer). Desde então sofri três internações, sendo duas em UTIs. No momento estou em casa e realizo sessões de quimioterapia
em regime ambulatorial. Emagreci mais de 10 quilos, porém minha cabeça voltou a
abrir-se ao mundo. Por essa razão, retomo a escrita, tentando dar continuidade
ao projeto original. Pela ruptura entre os artigos, senti o dever de explicar aos
que eventualmente os têm acompanhado a
razão de sua ausência nos últimos meses da POLB.
1. Introdução. No artigo anterior – Parte 15 – as
próprias palavras de Jung, correspondentes ao subtítulo por ele denominado de
“A Função dos Sonhos”, foram analisadas e discutidas. Possivelmente, as palavras desse
erudito psiquiatra tenham representado nesse tópico sua maior grandeza e
profundidade no tocante aos sonhos. Elas marcam, sobremaneira, seu conhecimento
sobre a alma humana, assim como sobre o comportamento do indivíduo e o
inconsciente. Sua leitura nos torna mais sábios nas possibilidades
de reconhecer os sonhos, seus significados e implicações. Eles pertencem ao
indivíduo, à sua vida individual e única; não lhes cabe interpretações
extemporâneas, guias pré-fabricadas ou sistematizadas. Aplicar tais aferições
ao ser humano é uma tolice, no dizer de Jung. Outro grande destaque desse tópico
escrito por Jung está relacionado com o fato de que a energia psíquica é
fundamental à nossa memória, à lembrança dos fatos diários e fator essencial ao
esquecimento por serem subliminares, sendo alojados no inconsciente. Para ele,
graças ao investimento de energia psíquica, para mais ou para menos, aquilo que
nos ocupamos em nossa vida será preservado em nossa consciência ou em nosso inconsciente.
E os sonhos são a expressão daquilo que nos é retido, represado ou necessitado
de interagir em nossa vida comum. 1 Finalizado o artigo sobre esse
tópico, seguiremos adiante, ainda com Jung, analisando seu outro subtítulo do
capítulo “Chegando ao Inconsciente”, denominado por ele de “A Análise dos Sonhos”. 2. Chegando ao Inconsciente (Carl Gustav Jung). 2.1
– A Análise dos Sonhos. Jung inicia o texto desse subtítulo
ao afirmar que começou este ensaio acentuando a diferença existente entre um sinal
e um símbolo. O sinal é sempre menos do que o conceito que ele representa,
enquanto o símbolo significa sempre mais do que o seu significado imediato e
óbvio. De acordo com suas palavras, “Os
símbolos, no entanto, são produtos naturais e espontâneos. Gênio algum já se
sentou com uma caneta ou um pincel na mão dizendo: Agora vou inventar um
símbolo. Ninguém pode tomar um pensamento mais ou menos racional, a que chegou
por conclusão lógica ou por intenção deliberada, e dar-lhe forma simbólica”. 2 Logo adiante, prossegue: “Não importa de que adorno extravagante se
ornamente tal ideia – ela vai manter-se apenas um
sinal associado ao pensamento consciente que significa, e nunca um símbolo a
sugerir coisas ainda desconhecidas. Nos sonhos os símbolos surgem espontaneamente,
pois sonhos acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte
principal de todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo”. Seguindo com seu texto, chama a
atenção de que os símbolos não ocorrem apenas nos sonhos; aparecem em todos os
tipos de manifestações psíquicas. Existem pensamentos e sentimentos simbólicos,
situações e atos simbólicos. Chega a afirmar que parece mesmo que, muitas
vezes, objetos inanimados cooperam com o inconsciente criando formas
simbólicas. Refere existirem numerosas histórias verdadeiras de relógios que
param no momento em que seu dono morre, como aconteceu
com o relógio de pêndulo no palácio de Frederico, o Grande, em Sans Souci, que parou no momento
da morte do rei. Outro exemplo comum é o de um espelho que se parte ou de um
quadro que cai quando alguém morre. Ou também de pequenos, mas inexplicáveis,
acidentes de objetos que se quebram numa casa onde alguém sofre uma crise
emocional. Sobre isso, eis as palavras de Jung: “Mesmo que os céticos se recusem a acreditar nessas histórias, a verdade
é que elas estão sempre acontecendo, e só isto basta como prova da sua
importância psicológica”. Para Jung, há muitos símbolos, no
entanto (e entre eles alguns de grande valor), cuja natureza e origem não são
individuais, mas, sim coletivas. Sobretudo as imagens religiosas: o crente lhes
atribui origem divina e as considera revelações feitas
ao homem. O cético garante que tudo foi inventado. Ambos estão errados. É
verdade, como diz o cético, que símbolos e conceitos religiosos foram durante
séculos, objetos de uma elaboração cuidadosa e consciente. É também certo, como
julga o crente, que a sua origem está tão compreendida nos mistérios do passado
que parece não ter qualquer procedência humana. Mas são, efetivamente,
representações coletivas – que procedem de sonhos primitivos e de fecundas
fantasias. De acordo com as palavras de Jung, “Esse fato, como explico mais tarde, tem
relação dieta e essencial com a interpretação dos sonhos. È evidente que se
considerarmos o sonho um símbolo, vamos interpretá-lo de maneira diferente
daquele que acredita que a emoção e o pensamento energético já são conhecidos e
estão apenas disfarçados pelo sonho. Nesse último caso, não haverá sentido na
interpretação dos sonhos, pois se vai encontrar apenas aquilo que já conhecemos”. Por essa razão, sempre menciona aos
seus alunos: “Aprendam tanto quanto
puderem a respeito do simbolismo; depois, quando forem analisar um sonho, esqueçam tudo”. Jung justifica esse
conselho por sua importância prática, tanto é que fez dele uma lei para lembrar
a si próprio que jamais poderá entender suficientemente bem o sonho alheio a
ponto de interpretá-lo de modo perfeito. Afirma que estabeleceu essa regra com
o objetivo de impedir o fluxo de suas próprias associações e reações que, de
outro modo, acabariam predominando sobre as perplexidades e hesitações de seus
pacientes. Reforça essas palavras dizendo que
assim como é de enorme importância terapêutica para um analista captar o mais
exatamente possível a mensagem particular de um sonho (isto é, a contribuição
feita pelo inconsciente ao consciente), também é-lhe
essencial explorar o conteúdo do sonho com a mais criteriosa minúcia. No texto, Jung se reporta a um sonho
que tivera e o teria compartilhado com Freud, mostrando suas dificuldades em
aceitar a “intromissão” de outro analista e do seu modo diferente de
interpretá-lo. Menciona que já sofrera experiência anterior e que ficara
impressionado com o fosso intransponível existente entre os seus pontos de
vista e os de Freud sobre os sonhos. Fruto dessa experiência assinala,
com propriedade, o ponto vital na análise dos sonhos: “é menos uma técnica que
se pode aprender e aplicar de acordo com as regras do que uma permuta dialética
entre duas personalidades. Se tratarmos a análise como uma técnica mecânica,
perde-se a personalidade psíquica da pessoa que sonha e o problema terapêutico
fica reduzido a uma simples interrogação: qual das duas pessoas em jogo – o
analista ou o sonhador – dominará a outra?” Segundo Jung, foi por esse motivo
que desistiu do tratamento hipnótico, desde que não queria impor aos outros a
sua vontade. Desejava que o processo da cura nascesse da própria personalidade
do paciente e não de sugestões suas, que teriam um efeito apenas passageiro. “Meu objetivo era proteger e preservar a
dignidade e a liberdade do meu paciente para que ele vivesse a sua vida de
acordo com os seus próprios desejos. Naquela experiência com Freud foi-me
revelada, pela primeira vez, a noção de que, antes de construirmos teorias
gerais a respeito do homem e sua psique, deveríamos aprender muito mais sobre o
ser humano com quem vamos lidar”. Ao finalizar o texto, Jung sintetiza
seu pensamento: “O indivíduo é a única
realidade. Quanto mais nos afastamos dele para nos aproximarmos de ideias abstratas sobre o homo sapiens, mais probabilidades temos de
erro. Nessa época de convulsões sociais e mudanças drásticas é
importante sabermos mais a respeito do ser humano, pois muitas coisas dependem
das suas qualidades mentais e morais. Para as observarmos na sua justa
perspectiva precisamos, porém, entender tanto o passado do homem quanto o seu
presente. Daí a importância essencial de compreendermos mitos e símbolos”. 3. Comentários. Neste último texto de Jung cabe
mencionar a importância dada por ele ao simbolismo como mais um meio de chegar
ao conhecimento do ser humano. Outro aspecto que merece ser
citado é a valorização que dá ao indivíduo e a sua realidade, ao evidenciar que
devemos aprender muito mais sobre ele do que construirmos teorias a
respeito do homem e de sua psique. No artigo seguinte, Parte 17, começaremos a estudar as ideias de
Ludwig Binswanger sobre os sonhos. 4.
Referências.
1. Crespo de Souza CA. Sonhos em
Psiquiatria e em Psicoterapia – Parte 15. Psychiatry on line Brasil. Março 2015,
vol.20, nº 3. 2. Jung CG. Chegando ao
inconsciente. In: O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. *
Estudo realizado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de
Barros Falcão – Porto Alegre, RS. **
Professor e Doutor em Psiquiatria. Endereço
p/correspondência: [email protected]
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