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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Março de 2015 - Vol.20 - Nº 3

Artigo do mês

SONHOS EM PSIQUIATRIA E EM PSICOTERAPIA – PARTE 15

Carlos Alberto Crespo de Souza**

                                                                      

           1. Introdução.

No artigo anterior – Parte 14 – as próprias palavras de Jung, correspondentes ao subtítulo por ele denominado de “O passado e o futuro no Inconsciente”, foram analisadas e discutidas.

Seus ensinamentos sobre o inconsciente, através de exemplos simples, mostraram o quanto ele foi capaz de corresponder aos objetivos do livro, destinado à leitura do homem comum, conforme lhe foi solicitado, segundo dados expostos anteriormente.

Ele também mostrou como o inconsciente está mais próximo de nós, bastante diferente do apregoado por Freud. O inconsciente junguiano não é uma coisa assustadora ou arcabouço de nosso lixo detestável ou de tensões intrapsíquicas, ao contrário, ele também possui características positivas a nos auxiliar em nossa vida cotidiana.  

Outro aspecto a salientar nesse artigo é a importância que Jung dá aos sonhos, sendo muito interessante constatar sua afirmativa de que eles podem expressar pensamentos novos que ainda não chegaram ao limiar da consciência.  

Finalizado o artigo sobre esse tópico, seguiremos adiante, ainda com Jung, analisando outro subtítulo do capítulo “Chegando ao Inconsciente”, denominado por ele de “A Função dos Sonhos”.

2. Chegando ao Inconsciente (Carl Gustav Jung).

2.1 – A Função dos Sonhos. 

Mais do que nunca, nesse tópico, Jung aprofunda suas ideias, ilustrando de maneira simples sua compreensão do comportamento humano e, notadamente, sobre os sonhos. Logo no início do texto refere que entrou em detalhes sobre as origens da nossa vida onírica por ser ela o solo de onde, originalmente, nasce a maioria dos símbolos.

A seguir, segundo suas palavras, “Como já disse, um sonho em nada se parece com uma história contada pela mente consciente. Na nossa vida cotidiana, refletimos sobre o que queremos dizer, escolhemos a melhor maneira de dizê-lo e tentamos dar aos nossos comentários uma coerência lógica. Uma pessoa instruída evitará, por exemplo, o emprego de metáforas complicadas a fim de não tornar confuso o seu ponto de vista. Mas os sonhos têm uma textura diferente. Neles se acumulam imagens que parecem contraditórias e ridículas, perde-se a noção de tempo, e as coisas mais banais podem se revestir de um aspecto fascinante ou aterrador”.

De maneira a preservar o valor de suas palavras, sem comentários ou observações, prosseguimos com sua leitura: “Parecerá estranho que o inconsciente disponha o seu material de modo tão diferente dos esquemas aparentemente disciplinados que imprimimos nos nossos pensamentos, quando acordados. No entanto, quem quer que se detenha na recordação de um sonho perceberá esse contraste, contraste este que é uma das principais razões para que os sonhos sejam de tão difícil compreensão para os leigos. Como não fazem sentido, nos termos da nossa experiência diurna normal, há uma tendência ou para ignorá-los ou para nos confessarmos desorientados e confusos”.     

Ele mostra que talvez esse ponto se torne mais claro se tomarmos consciência de que as ideias de que nos ocupamos na vida diurna e aparentemente disciplinada não são tão precisas como queremos crer. Ao contrário, o seu sentido e a importância emocional que têm para nós tornam-se cada vez mais vagos à medida que as examinemos de mais perto. A razão para isso, segundo suas palavras, “é que qualquer coisa que tenhamos ouvido ou experimentado pode tornar-se subliminar – isto é, passar ao inconsciente. E mesmo aquilo que retemos no nosso consciente e que podemos reproduzir à vontade adquire um meio-tom inconsciente que dá novo colorido à ideia cada vez que ela é convocada. Nossas impressões conscientes, de fato, assumem rapidamente um elemento de sentido inconsciente que tem para nós uma significação psíquica, apesar de não estarmos conscientes da existência desse fator subliminar ou da maneira pela qual ambos ampliam e perturbam o sentido convencional”.   

Jung refere que esses meios-tons psíquicos diferem de pessoa para pessoa. Cada um de nós recebe noções gerais ou abstratas no contexto particular de nossa mente e, portanto, entende e aplica tais noções também de maneira particular e individual. Quando, numa conversa, uso palavras como “estado”, “dinheiro”, “saúde” ou “sociedade” parto do pressuposto de que os que me escutam dão a esses termos mais ou menos a mesma significação que eu. Porém, segundo ele “A expressão mais ou menos é o que importa aqui. Cada palavra tem um sentido ligeiramente diferente para cada pessoa, mesmo para os de um mesmo nível cultural. O motivo dessas variações é que uma noção geral é recebida num contexto individual, particular e, portanto, também compreendida e aplicada de um modo individual, particular. As diferenças de sentido são naturalmente maiores quando as pessoas têm experiências sociais, políticas, religiosas ou psicológicas de níveis diferentes”.      

No entendimento de Jung, sempre que os conceitos são idênticos às palavras a variação é quase imperceptível e não tem qualquer função prática. Mas quando se faz necessária uma definição exata ou uma explicação mais cuidadosa, podemos descobrir as variações mais extraordinárias, não só na compreensão puramente intelectual do termo, mas particularmente no seu tom emocional e na sua aplicação. Essas variações são sempre subliminares e, portanto, as pessoas não as percebem.    

Ao mesmo tempo, afirma que podemos rejeitar tais diferenças, considerando-as supérfluas ou simples nuances dispensáveis por serem de pouca aplicação prática às nossas necessidades cotidianas. Mas o fato de existirem mostra que até os conteúdos mais banais da consciência têm a sua volta uma orla de penumbra e de incerteza. Em suma, todo conceito da nossa consciência tem suas associações psíquicas próprias. Quando tais associações variam de intensidade, segundo a importância relativa desse conceito em relação à nossa personalidade total ou à natureza de outras ideias e mesmo complexos com os quais esteja associado no nosso inconsciente, elas são capazes de mudar o caráter “normal” daquele conceito. Este pode mesmo tornar-se uma coisa totalmente diferente à medida que é impulsionado abaixo do nível da consciência.

A isso considerando, Jung adverte que esses aspectos subliminares de tudo o que nos acontece parecem ter pouca importância em nossa vida diária. Mas na análise dos sonhos, onde os psicólogos se ocupam das expressões do inconsciente, são aspectos relevantes, pois se constituem nas raízes quase invisíveis dos nossos pensamentos conscientes. É por isso que objetos ou ideias comuns podem adquirir uma significação psíquica tão poderosa que acordamos seriamente perturbados, apesar de termos sonhado coisas absolutamente banais – como uma porta fechada ou um trem que se perdeu.   

Consoante com esse considerando, eis o que afirma Jung: “As imagens produzidas nos sonhos são muito mais vigorosas e pitorescas do que os conceitos e experiências congêneres de quando estamos acordados. E um dos motivos é que, no sonho, tais conceitos podem expressar o seu sentido inconsciente. Nos nossos pensamentos conscientes restringimo-nos aos limites das afirmações racionais – afirmações bem menos coloridas, uma vez que as despojamos de quase todas as suas associações psíquicas”.

Nos parágrafos seguintes, Jung se reporta a um sonho que teve e como chegou ao seu entendimento depois de algum tempo, após constatar que o material era metafórico. Analisa, também, as diferenças entre os povos primitivos e os da modernidade no tocante ao imaginário. Na vida cotidiana precisamos expor nossas ideias da maneira mais exata possível e aprendemos a rejeitar os adornos da fantasia tanto na linguagem como nos pensamentos, perdendo, assim, uma qualidade ainda característica da mentalidade primitiva. Sobre isso, nas palavras de Jung: “A maioria de nós transfere para o inconsciente todas as fantásticas associações psíquicas inerentes a todo objeto e a toda ideia. Já os povos primitivos ainda conservam essas propriedades psíquicas, atribuindo a animais, plantas e pedras poderes que julgamos estranhos e inaceitáveis (...). Mas é exatamente este halo de associações inconscientes que dá ao mundo primitivo aspecto tão colorido e fantástico; e perdemos contato com ele a tal ponto que se o reencontrarmos nem o reconhecemos. Conosco, esses fenômenos situam-se abaixo do limite da consciência e quando, ocasionalmente, reaparecem, insistimos em dizer que algo de errado está ocorrendo”. 

Dentro do contexto, Jung assinala que estamos de tal modo habituados à natureza aparentemente racional do nosso mundo que dificilmente podemos imaginar que nos aconteça alguma coisa impossível de ser explicada pelo senso comum. O homem primitivo, ao se defrontar com esse tipo de conflito, não duvidaria da sua sanidade – pensaria em fetiches, espíritos ou em deuses. Porém, argumenta Jung, as emoções que nos afetam são exatamente as mesmas. Os receios que nascem de nossa elaborada civilização podem ser muito mais ameaçadores do que os atribuídos pelos povos primitivos aos demônios.

Prolongando-se em seus considerandos sobre esse contexto, Jung relata que fez várias comparações entre o homem moderno e o primitivo. Segundo suas palavras, são essenciais para compreendermos a tendência do homem moderno de construir símbolos e a participação dos sonhos em expressá-los. Assim, diz ele: “Pois vamos descobrir que muitos sonhos apresentam imagens e associações análogas a ideias, mitos e ritos primitivos. Essas imagens oníricas eram chamadas por Freud de resíduos arcaicos. A expressão sugere que tais resíduos são elementos psíquicos que sobrevivem na mente humana desde tempos imemoriais. É um ponto de vista característico dos que consideram o inconsciente um simples apêndice do consciente, ou, numa linguagem mais pitoresca, como uma lata de lixo que guarda todo o resíduo do consciente”.  

De acordo com o pensamento de Jung, pesquisas posteriores levaram-no a crer que essa é uma atitude insustentável e que deve ser desprezada. “Constatei que associações e imagens como as assinalei são parte integrante do inconsciente, e podem ser observadas por toda parte – seja no sonhador instruído ou analfabeto, inteligente ou obtuso. Não são, de modo algum, resíduos sem vida ou significado. Têm, ao contrário, uma função e são sobretudo valiosos devido ao seu caráter histórico. Constituem uma ponte entre a maneira pela qual transmitimos conscientemente os nossos pensamentos e uma forma de expressão mais primitiva, colorida e pictórica. E é essa forma, também, que apela diretamente à nossa sensibilidade e à nossa emoção. Essas associações históricas são o elo entre o mundo racional da consciência e o mundo do instinto.

Persistindo no tema, Jung evidencia o contraste existente entre os pensamentos “controlados” que temos quando acordados e a riqueza das imagens produzidas pelos sonhos. Segundo ele, podemos constatar agora outra razão para essa diferença: na nossa vida civilizada despojamos tanto as ideias da sua energia emocional que já não reagimos mais a elas. Usamos essas ideias nos nossos discursos, reagimos convencionalmente quando os outros também as utilizam, mas elas não nos causam uma impressão mais profunda. É necessário haver alguma coisa mais eficaz para que mudemos de atitudes e de comportamentos.

Nas palavras do autor, “E é isso que a linguagem do sonho faz: o seu simbolismo tem tanta energia psíquica que somos obrigados a dar-lhe atenção”. Sobre as mensagens enviadas pelo inconsciente através dos sonhos, Jung enfatiza que possuem uma importância bem maior do que se pensa. Eis o que afirmou: “Na nossa vida consciente estamos expostos a todos os tipos de influência. As pessoas nos estimulam ou nos deprimem, ocorrências na vida profissional ou social desviam a nossa atenção. Todas as essas influências podem levar-nos a caminhos opostos à nossa individualidade; e quer percebamos ou não o seu efeito, nossa consciência é perturbada e exposta, quase sem defesas, a esses incidentes. Isso ocorre em especial com pessoas de atitude mental extrovertida, que dão toda a importância a objetos exteriores, ou com as que abrigam sentimentos de inferioridade e de dúvida envolvendo o mais íntimo de sua personalidade”.   

Logo adiante, prossegue dizendo “Quanto mais a consciência for influenciada por preconceitos, erros, fantasias e anseios infantis, mais se dilata a fenda já existente, até chegar-se a uma dissociação neurótica e a uma vida mais ou menos artificial, em tudo distanciada dos instintos normais, da natureza e da verdade.  

No entendimento de Jung a função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira geral, o equilíbrio psíquico total. Segundo suas palavras, “É o que chamo de função complementar (ou compensatória) dos sonhos na nossa constituição psíquica. Explica por que pessoas com ideias pouco realísticas, ou que têm um alto conceito de si mesmas, ou ainda que construam planos grandiosos em desacordo com sua verdadeira capacidade, sonham que voam ou que caem. O sonho compensa as deficiências de suas personalidades e, ao mesmo tempo, previne-as dos perigos dos seus rumos atuais. Se os avisos do sonho são rejeitados, podem ocorrer acidentes reais. A pessoa pode cair de uma escada ou sofrer um acidente de carro.   

Sobre a possibilidade de que os avisos dos sonhos possam ser rejeitados e de ocorrerem acidentes reais com as pessoas, Jung menciona dois casos de clientes que teriam sido advertidos por ele depois desse tipo de sonho e que não acreditaram. Um desses casos terminou em morte durante uma prática de alpinismo e o outro, por sofrer agressão física, com fraturas. 

Em relação a esses fatos, Jung observa não haver nenhuma magia. Em seu entendimento, ambos procuravam, inconscientemente, solução definitiva para seus problemas; obviamente, nenhum deles esperava pagar um preço tão alto. Ao analisar tais fatos, Jung mostra que “Assim, os sonhos algumas vezes podem revelar certas situações muito antes de elas realmente acontecerem. Não é necessariamente um milagre ou uma forma de previsão. Muitas crises em nossas vidas têm uma longa história inconsciente. Caminhamos aos seus encontros passo a passo, despercebidos dos perigos que se acumulam. Mas aquilo que conscientemente deixamos de ver é, quase sempre, captado pelo nosso inconsciente, que pode transmitir a informação através dos sonhos. 

Nos parágrafos seguintes é impossível deixar de acompanhar o pensamento de Jung, tal a importância de seus conteúdos. Por isso, preservamos suas palavras: “Os sonhos muitas vezes nos advertem; mas tantas outras vezes parecem que não o fazem. Portanto, qualquer suposição de que uma mão benevolente nos pode refrear a tempo é duvidosa. Ou, para sermos mais claros, parece que uma força benéfica por vezes funciona e outras não. A mão misteriosa pode até, ao contrário, indicar um caminho de perdição – os sonhos às vezes provam ser armadilhas, ou pelo menos parece que o são. Em certas ocasiões, comportam-se como o oráculo de Delfos quando este disse ao rei Creso que, se atravessasse o rio Haly, destruiria um grande reino. Só depois de derrotado numa batalha, após ter transposto o rio, é que descobriu que o reino a que o oráculo se referia era o seu próprio.                  

Logo a seguir: “Não podemos nos permitir nenhuma ingenuidade no estudo dos sonhos. Eles têm sua origem em um espírito que não é bem humano, e sim um sopro da natureza – o espírito de uma deusa bela e generosa, mas também cruel. Se quisermos caracterizar esse espírito, vamos nos aproximar bem melhor dele na esfera das mitologias antigas e nas fábulas primitivas das florestas do que na consciência do homem moderno. Não estou querendo negar as grandes conquistas que nos trouxe a evolução da sociedade civilizada, mas tais conquistas realizaram-se à custa de enormes perdas, cuja extensão mal começamos a avaliar. As comparações que fiz entre os estados primitivo e civilizado do homem tiveram como objetivo parcial mostrar o saldo desses ganhos e perdas. 

Na sequência, “O homem primitivo era muito mais governado pelos instintos do que seu descendente, o homem racional, que aprendeu a controlar-se. Em nosso processo de civilização separamos cada vez mais a consciência das camadas instintivas mais profundas da psique humana, e mesmo das bases somáticas do fenômeno psíquico. Felizmente, não perdemos essas camadas instintivas básicas; elas se mantiveram como parte do inconsciente, apesar de só se expressarem sob a forma de imagens oníricas. Esses fenômenos instintivos – que nem sempre podem ser reconhecidos como tal, já que seu caráter é simbólico – representam um papel vital naquilo que chamei função compensadora dos sonhos.

Ao término dessas suas considerações, Jung sinaliza que “Para benefício do equilíbrio mental e mesmo da saúde fisiológica, o consciente e o inconsciente devem estar completamente interligados, a fim de que possam se mover em linhas paralelas. Caso se separem ou se dissociem, ocorrem distúrbios psicológicos. Nesse particular, os símbolos oníricos são os mensageiros indispensáveis da parte instintiva da mente humana para a sua parte racional, e a sua interpretação enriquece a pobreza da nossa consciência fazendo-a compreender, novamente, a esquecida linguagem dos instintos.    

Mudando um pouco a direção de seu pensamento, Jung aborda o fato de que as pessoas, de modo geral, tendem a colocar em dúvida essa função dos sonhos, já que os seus símbolos muitas vezes passam despercebidos ou incompreendidos. Na vida normal, a compreensão dos sonhos é até, por vezes, considerada supérflua. Porém, de acordo com suas palavras, “(...) até mesmo o homem civilizado pode, por vezes, observar que um sonho (de que talvez ele nem se lembre) é capaz de piorar ou melhorar o seu humor. O sonho foi compreendido, só que de uma maneira subliminar. E é isso, aliás, que acontece habitualmente. Apenas nas raras vezes em que um sonho é particularmente impressionante, ou que passa a repetir-se a intervalos regulares, é que as pessoas buscam alguma interpretação.    

Nos parágrafos seguintes, Jung acrescenta importantes considerações sobre a análise dos sonhos. Eis o que afirmou: “Devo acrescentar aqui uma palavra de cautela a respeito da análise de sonhos feita de maneira pouco inteligente ou pouco competente. Existem pessoas cujo estado mental é de tamanho desequilíbrio que interpretar o seus sonhos pode ser extremamente arriscado. São casos em que uma consciência extremamente unilateral se encontra isolada de uma inconsciência irracional ou louca correspondente, e as não devem ser postas em contato sem precauções muito específicas.    

Um pouco adiante, menciona: “De um modo geral, é uma tolice acreditar em guias pré-fabricadas e sistematizadas para a interpretação dos sonhos, como se pudéssemos comprar um livro de consultas para nele encontrar a tradução de determinado símbolo. Nenhum símbolo onírico pode ser separado da pessoa que o sonhou, assim como não existem interpretações definidas e específicas para qualquer sonho. A maneira pela qual o inconsciente completa ou compensa o consciente varia tanto de indivíduo para indivíduo que é impossível saber até que ponto é aceitável, na verdade, haver uma classificação dos sonhos e seus símbolos.   

Avançando na leitura de Jung, chega-se ao término de seu subtítulo “A Função dos Sonhos”, registrando suas palavras finais: “É claro que existem sonhos e símbolos isolados (preferia chamá-los “motivos”) típicos, e que ocorrem com bastante frequência. Entre esses motivos estão a queda, o voo, a perseguição por animais selvagens ou por pessoas inimigas, sentir-se insuficiente ou inapropriadamente vestido em lugares públicos, estar apressado ou perdido no meio de uma multidão tumultuada, lutar com armas inúteis ou estar sem meios de defesa, correr muito sem chegar a lugar algum, etc. Um motivo infantil típico é o sonho de crescer ou diminuir infinitamente, ou passar de um extremo a outro como em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Mas devo, novamente, acentuar que são motivos a serem considerados dentro do contexto do sonho, e não cifras de um código que se explicam por si mesmas.         

Por último e não menos importante, eis o que afirmou Jung sobre os sonhos recorrentes: “O sonho recorrente é um fenômeno digno de apreciação. Há casos em que as pessoas sonham o mesmo sonho desde a infância até a idade adulta. Esse tipo de sonho é em geral uma tentativa de compensação para algum defeito particular que existe na atitude do sonhador em relação à vida; ou pode datar de um trauma que tenha deixado alguma marca. Pode também ser a antecipação de algum acontecimento importante que está para acontecer.   

3. Comentários.    

Pouco há a comentar. O texto de Jung ou de suas palavras grifadas por nós falam por si próprias. Através delas podemos reconhecer ou identificar o quanto se dedicou ao estudo dos sonhos, abrindo perspectivas ao nosso conhecimento sobre eles e de sua importância em nossa vida psíquica.      

No artigo seguinte, Parte 16, permaneceremos com Jung, ao examinar o tópico denominado por ele de “A Análise dos Sonhos” de seu capítulo “Chegando ao Inconsciente” do livro “O Homem e seus símbolos”. Com ele, pretendemos encerrar o estudo desse autor ao interpretar que seus textos foram suficientemente claros aos objetivos de nosso propósito. Entendemos que as ideias desse autor nos forneceram subsídios importantes à onirocrisia, quer seja por sua forma inédita de compreensão, por sua qualidade ou profundidade.        

4. Referências.                   

     1. Crespo de Souza CA. Sonhos em Psiquiatria e Psicoterapia – Parte 14.                  Psychiatry on line Brasil. Fevereiro 2015, vol.20, nº 2.

2. Jung CG. Chegando ao inconsciente. In: O Homem e seus Símbolos. Rio de          Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

* Estudo realizado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de Barros Falcão – Porto Alegre, RS.

** Professor e Doutor em Psiquiatria.

Endereço p/correspondência: [email protected]


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