Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Agosto de 2014 - Vol.19 - Nº 8 História da Psiquiatria CONTRADIÇÕES NAS LEIS DE ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL Walmor J.Piccinini Este artigo está assim organizado 1. Introdução 2. Lei 10.216 - Lei Federal de 6 de abril de 2001. 3. Lei 9.716 – Lei Estadual (RS) de 07 de agosto de 1992. 4. Considerações. I - Introdução Em julho de 1963, um grupo de estudantes universitários brasileiros participava de um Curso de Verão na Harvard University. No grupo estavam Maria Cristina Martins e Fernando Rocha de Pernambuco, Hugo Cañete, Valter Daudt e eu do Rio Grande do Sul, estudantes de medicina que mais tarde viriam a ser psiquiatras. Solicitamos uma visita ao Massachusetts Mental Health Center e fomos atendidos. O que nos surpreendeu foi termos sido recebidos para um chá pelo Dr. Jack Ewaldt, presidente da Joint Comition for Mental Health que elaborou o plano de saúde mental do presidente John Kennedy. Este plano, entregue em 1960 foi lançado sob o nome de Action for Mental Health e na sua essência propunha a criação de Centros de Saúde Mental como alternativa aos hospitais psiquiátricos que tinham se tornado centros de contenção de pacientes, com resultados terapêuticos pouco significativos. Nessa mesma viagem tive oportunidade de visitar o “The Austen Riggs Center in Stockbridge, Mass.” que era um sonho, era uma proposta terapêutica inovadora que Emilio Rodrigué descreveu em seu livro Biografia de uma Comunidade Terapêutica. Em Porto Alegre eu trabalhava na Clínica Pinel, criada nos moldes da Menninger Clinic de Topeka, Kansas (ela agora se situa em Houston, Texas) e no mesmo estilo de Austen Riggs. Uso de técnicas socioambientais, a ambiento terapia, menor uso de medicação e mais psicoterapia de orientação psicodinâmica. O programa americano deu início ao processo de mudança do enfoque da hospitalização para o tratamento comunitário. Esta ideia recebeu uma ajuda inestimável dos novos medicamentos psicotrópicos, difundiu-se o uso da clorpromazina e de uma série de famílias de medicamentos dela derivados ou de efeitos similares. No Brasil estas ideias demoraram a chegar, mesmo assim surgiram experiências de psiquiatria de comunidade como a Da Vila São José do Murialdo em Porto Alegre, sob a direção do Professor Ellis Busnello. Nos congressos da ABP começam, a surgir grupos interessados em psiquiatria de comunidade, alguns, sob influência das ideias americanas e outros com a chegada das teorias de Foucault em nosso meio. Para confirmar uma impressão que tinha na época, as novas teorias chegam ao país vinte anos depois de terem sido lançadas. Quando já começam a ficar obsoletas, são descobertas por alguns brasileiros. A Associação Brasileira de Psiquiatria defendia a prática ambulatorial da psiquiatria e combatia os grandes hospitais. Um dos ministros da saúde da época era dono de grande hospital psiquiátrico. Podemos argumentar que a ABP nunca esteve afinada com o Ministério da Saúde, primeiro quando o mesmo defendia o grande hospital e agora quando o Ministério da saúde tenta destruir a prática da psiquiatria em qualquer hospital psiquiátrico. A nova fase de luta iniciou quando o então Ministro da Saúde José Serra levou para o Ministério da Saúde um grupo de profissionais com uma ideia fixa, acabar com a prática psiquiátrica hospitalar. Primeiro combatendo o macro-hospital que foi chamado de manicômio e depois qualquer prática hospitalar psiquiátrica. Este modelo está presente na Lei Estadual do Rio Grande do Sul que serviu de modelo para leis similares em vários outros estados brasileiros. O Ministro Serra introduziu no Brasil alguns instrumentos criados pelas Seguradoras americanas, o managed care e o capitation. O primeiro formula políticas de gerenciamento da atividade médica com vistas à redução de custos e o segundo estabelece metas de gasto per capita, isto é, estabelece-se uma meta de gastos por cabeça e tudo deve girar para atingir esta finalidade. Prática neoliberal adotada entusiasticamente pela esquerda brasileira e pelo Partido dos Trabalhadores. II – Lei 10.216. Lei Federal de 6 de abril de 2001
LEI
No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001.
O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei: Art. 1o Os direitos e
a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei,
são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo,
orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família,
recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra. Art. 2o Nos
atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares
ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no
parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa
portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do
sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e
respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua
recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer
forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas
informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em
qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização
involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de
comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de
informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente
terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em
serviços comunitários de saúde mental. Art. 3o É
responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a
assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos
mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será
prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições
ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos
mentais. Art. 4o A internação,
em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra -hospitalares
se mostrarem insuficientes. § 1o O tratamento
visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu
meio. § 2o O tratamento em
regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral
à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de
assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. § 3o É vedada a
internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com
características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados
no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos
enumerados no parágrafo único do art. 2o. Art. 5o O paciente há
longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave
dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de
suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e
reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade
sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder
Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. Art. 6o A internação
psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que
caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os
seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que
se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela
que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela
determinada pela Justiça. Art. 7o A pessoa que
solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no
momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento. Parágrafo único. O término da
internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por
determinação do médico assistente. Art. 8o A internação
voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente
registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o
estabelecimento. § 1o A internação
psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser
comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do
estabelecimento no qual tenha ocorrido,devendo esse mesmo procedimento ser
adotado quando da respectiva alta. § 2o O término da
internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou
responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo
tratamento. Art. 9o A internação
compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz
competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento,
quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. Art. 10. Evasão, transferência,
acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela
direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante
legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo
de vinte e quatro horas da data da ocorrência. Art. 11. Pesquisas científicas para
fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o
consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a
devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho
Nacional de Saúde. Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde,
no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a
implementação desta Lei. Art. 13. Esta Lei entra em vigor na
data de sua publicação. Brasília, 6 de abril de 2001; 180o
da Independência e 113o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO III- Lei Estadual nº 9.716, de 07 de agosto de 1992 do
Estado do Rio Grande do Sul. Lei Estadual nº 9.716, de 07 de
agosto de 1992 LEI Nº
9.716 DE 07 DE AGOSTO DE 1992. IV –
Considerações A Lei estadual
utiliza a concepção de sofrimento psíquico enquanto a Lei Federal utiliza a
ideia de Transtorno Mental. A Lei
Federal propõe a racionalização dos leitos psiquiátricos enquanto a legislação
estadual Proíbe a abertura de novos leitos. Ela proíbe leitos estatais e leitos
particulares. No Rio
Grande do Sul está proibido o investimento na atenção psiquiátrica hospitalar. Existe
uma pequena brecha no artigo 4º. Onde é permitida a abertura de leitos em
hospitais gerais. Esta medida é inócua, pois não há interesse nos hospitais
gerais na abertura de leitos psiquiátricos, considerados deficitários. Lei estadual deveria ser reavaliada depois de
cinco anos, já se passaram 22 anos e não há sinal de reavaliação. Passados
os cinco anos um grupo de psiquiatras publicou na Revista de Psiquiatria do Rio
Grande do Sul artigo de avaliação desta lei. O Artigo é o seguinte: “A Reforma
Psiquiátrica no Rio Grande do Sul – História da Assistência da Saúde Mental e
situação atual”. Revista de Psiquiatria
do RGS. Ano 19, no. 1. Este trabalho foi apresentado no X Ciclo de Avanços em
Psiquiatria realizado em 11-12 de abril de 1997. Autores: Schreen,H.I. – Vernetti,C.L. – Cheffe,E. –Ferstenfeifer,G.-Faria, R. e Silva, W. Outro
artigo publicado por Fábio Gastal e colaboradores em 2007 na Revista de
Psiquiatria do RGS. Vol. 29 no. 1 “Reforma Psiquiátrica no ‘Rio Grande do Sul:
uma análise história, econômica e do impacto da legislação de 1992. Sua
conclusão final é a seguinte: ”Pessoas com distúrbios mentais, apesar do que
proclamam os antipsiquiatras, existem e não devem ser ignorados. Os hospitais
psiquiátricos são alternativas terapêuticas eficazes e necessárias em situações
de crise e devem ser remodelados, modernizados e não extintos. A ideia de que a
presença de um serviço hospitalar especializado impediria o avanço para um
modelo adequado de assistência é um ledo engano, esclarecido pela experiência
internacional e do Rio Grande do sul dos anos 70 e 80 em particular, na qual a
psiquiatria e atenção em saúde mental caminham sinergicamente com as
instituições psiquiátricas”. Historicamente a psiquiatria foi confundida
com a assistência social, toda pessoa desvalida, sem recursos familiares ou
sociais, com deficiências mentais eram acolhidas nos hospitais psiquiátricos. O
maior encaminhador de paciente era a polícia. Na medida em que forem oferecidos
recursos para estas pessoas desvalidas, os hospitais deverão atender uma
demanda específica ditada pelos avanços da ciência.
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