Por ocasião do início
da Residência em Psiquiatria no Hospital Nina Rodrigues de São Luís, Maranhão.
O Dr. Hamilton Raposo Filho fez um resumo da História da Psiquiatria no seu
Estado. Como falava para jovens iniciantes na psiquiatria, fez um resumo rápido
de 200 anos da história e discorre sobre os maranhenses envolvidos. A
Associação Maranhense de Psiquiatria é Federada da ABP e sua atual presidente é
a Dra. Maria da Graça Guimarães Souto
Introdução
A história da Psiquiatria no Maranhão coincide com a história da Psiquiatria no Brasil e
por dizer, com a própria história do Brasil. Existe um marco inicial que é a invasão das
tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte a Portugal. Em janeiro de 1808
o Príncipe Regente D. João decide transferir a capital do reino português para a melhor
colônia dos domínios lusitanos: o Brasil.
Em março de 1808 chegam ao Brasil 14 navios, alguns, em virtudes de fortes
tempestades, se desviaram da rota e atracaram em Salvador, a maioria desembarcou
no porto do Rio de Janeiro. Chegaram ao Brasil a família real, funcionários da coroa,
criados, assessores, pessoas ligadas a corte, documentos, livros, obras de arte, bens
pessoais, dinheiro e cultura.
Em 1818 morre a Rainha Mãe Dona Maria I, chamada por alguns de a rainha louca.
Dom João assume o trono na condição de Rei do Reino Unido de Portugal e Algarves.
Obras construídas no Brasil no período de estadia da Monarquia Portuguesa:
abertura dos portos, construção de estradas e industrias, criação do Banco do Brasil,
instalação da Junta do Comércio, criação do Museu Nacional, da Biblioteca Real,
Escola Real de Artes e o Observatório Astronômico, além da criação de diversos cursos
(agricultura, cirurgia, desenho técnico e pintura).
Em abril de 1821 Dom João VI atendendo apelos dos portugueses de Portugal, abdica
do cargo ao seu filho Dom Pedro I e retorna como Rei de Portugal e Algarves. O
Príncipe Regente do Reino e Soberano do Brasil enfrentou diversas dificuldades
políticas e militares. Pressionado por Portugal que queria tirar a autonomia do Brasil.
Dom Pedro I declara em 07 de setembro de 1822 a independência do Brasil de Portugal
e em 12 de outubro de 1822 é aclamado Imperador do Brasil. Inúmeros problemas
políticos, militares e familiares enfrentados por Dom Pedro I, levaram a abdicar do
trono em favor do seu filho Dom Pedro II. Retorna para Portugal em meio a grandes
conflitos no país e morre em 24 de setembro de 1834 em decorrência de tuberculose
pulmonar.
A Chegada da família real ao Brasil trouxe, além de problemas, diversas possibilidades
de melhoria no sistema médico e sanitário no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro.
Não havia nenhum tipo de acolhimento aos enfermos mentais, os doentes mais calmos
perambulavam pelas ruas e os mais agitados eram contidos em quartos fortes da
Santa Casa de Misericórdia, gerando desconforto e mal-estar aos outros pacientes do
nosocômio. Em 1841 o provedor da Santa Casa de Misericórdia, José Clemente Pereira,
lança uma campanha para construção de um hospício de alienados e em 24 de agosto de
1841 é assinado o decreto imperial. A obra é custeada pelo imperador e pela população
através de doações.
A construção do hospício dos alienados aconteceu entre 1842 e 1852. O projeto de
construção e administração da obra foi dos arquitetos: José Domingos Monteiro,
Joaquim Candido Guilhobel e José Maria Jacinto Ribeiro.
Os egressos da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro foram os primeiros
pacientes do Hospital de Alienados. Sem nenhum tratamento específico, os alienados
mais calmos eram inseridos em oficinas de manufatura de calçados, artesanato,
alfaiataria, aprendizado em carpintaria e marcenaria, tipografia e pintura. Os agitados
eram contidos em quartos fortes, camisas de força ou amarrados em seu leito.
A atenção aos doentes mentais no Maranhão.
No Maranhão foram encontrados registros do médico, Dr. José Mario Barreto, de
que a partir de 1853 os alienados eram admitidos na Santa Casa de Misericórdia e
destes documentos, a Irmandade adquiriu a Quinta da Boa Hora, onde seria construído
o primeiro hospício do Maranhão. O presidente da Irmandade, Eduardo Olímpio
Machado, considerava que o hospital da Santa Casa não tinha condições de receber
alienados mentais e propôs baseado no relatório do médico, Dr. Jose Maria Barreto, a
consignação de verbas para a remessa dos alienados para a cidade do Rio de Janeiro, a
fim de receberem tratamento no Hospital Pedro II.
Em 1882 o mordomo dos hospitais da Irmandade, Capitão Manoel Duarte Godinho,
manifesta-se contrário a presença dos alienados na Santa Casa e reforça a construção do
Hospital de Alienados.
Em 1883 é adquirido a Quinta da Boa Hora e o presidente da Irmandade, João
Capistrano Bandeira de Melo, em análise financeira da instituição, considerava inviável
a construção do hospital e propôs à província a responsabilidade do empreendimento.
Devido uma série de impasses entre a Santa Casa e o Governo da Província, o Hospital
de Alienados não foi construído. Os doentes mentais ficaram perambulando pelas ruas e
os mais agitados sofrendo todo tipo de açoites e perseguições.
No dia 15 de novembro de 1889 um levante político e militar desperta a cidade do Rio
de Janeiro e destitui o imperador Dom Pedro II. É proclamada a República Federativa
do Brasil. Desgastado politicamente, porém com apoio popular, o imperador teve que
pacificamente ceder aos militares e políticos o destino administrativo do Brasil. Foram
as principais causas do levante: crise com a igreja católica (demora na libertação dos
escravos), perda de apoio dos fazendeiros (abolição da escravatura), altos índices de
analfabetismo, altos índices de miséria, péssimas condições sanitárias do país em
particular o Rio de Janeiro, grave crise econômica decorrente da guerra do Paraguai,
falta de herdeiros (o imperador tinha filhas e uma delas era a Princesa Isabel), presença
do Conde D’Eu marido de Princesa Isabel possuidor de diversos cortiços na cidade e
tido como explorador da miséria.
O governo republicano era constituído por: Marechal Deodoro da Fonseca (Presidente),
Marechal Floriano Peixoto (Vice-Presidente) e o Gabinete Ministerial por Benjamim
Constant, Rui Barbosa, Campos Sales, Aristides Lobo, Demétrio Ribeiro e o almirante
Eduardo Wandenkolk.
A instauração da República provoca algumas melhorias no hospital que se passa
a chamar de Hospital Nacional de Alienados. Em 1893 foi criado o Pavilhão de
Observação, local destinado para as aulas do curso de medicina. Em 1927 o Pavilhão
de Neurossífilis se transforma por decreto oficial em Instituto de Neurossífilis, hoje
Instituto Philippe Pinel. Nas décadas de 1930 e 1940 os pacientes são transferidos
para a Colônia Juliano Moreira e para o Hospital de Engenho de Dentro. Em 1944 o
hospital é desativado e entregue a Universidade do Brasil. O Hospital de Engenho de
Dentro passou a se chamar de Hospital Pedro II e novamente rebatizado como Centro
Psiquiátrico Pedro II, local onde funciona o Instituto Municipal Nise da Silveira.
No Maranhão a Proclamação da República pouco efeito benéfico causou, os pacientes
continuavam desassistidos e nenhuma medida pública se fazia. O clamor da sociedade,
que temia a presença dos loucos pelas ruas da cidade, exigiu do governo do estado,
exercido pelo Dr. Urbano Santos e posteriormente pelo Dr. Godofredo Viana, a
detenção imediata dos doentes mentais que estivessem pelas ruas da cidade para
Cadeia Pública do Jenipapeiro. A desativação da Cadeia do Jenipapeiro possibilitou
a transferência dos doentes mentais para o Hospital do Lira, um enorme dispensário
que admitia tuberculosos, hansenianos, doentes mentas, bêbados, mendigos e todos os
problemas sociais da cidade.
Paulo Martins Ramos funcionário público do Tesouro Nacional ocupou o Governo do
Estado do Maranhão no período de 1937 a 1945. Em 1936 assumiu interinamente o
governo, depois que a Assembleia Legislativa do Estado por voto indireto, o elegeu,
após cassação do Governador Dr. Aquiles Lisboa.
Em 1937 após o golpe de estado liderado por Getúlio Vargas, impondo no país um
regime ditatorial, o estado novo, Paulo Martins Ramos passou a exercer o Governo
do Estado como Interventor Federal. Neste período (1937 a 1945), o Maranhão,
experimentou um processo de modernização e de grandes conquistas em diversas áreas
sociais.
Foram obras de Paulo Martins Ramos: Instalação do Banco do Estado do Maranhão,
Departamento de Estradas de Rodagem (DER), modernização do sistema educacional,
fundação da Rádio Timbira, construção dos hospitais Nina Rodrigues, Getúlio Vargas e
Colônia do Bonfim.
Em 1939 o Governo do Estado adquire do Sr. Tito Carlos de Almeida, pela quantia de
30.000$000 (trinta mil contos de reis) a Quinta Dois Leões, para construção do Hospital
Nina Rodrigues. Coube a Construtora Leão, Ribeiro e Companhia Ltda, sediada no Rio
de Janeiro, a responsabilidade da construção do hospital. A dimensão, importância e
alcance social do projeto, fez com que o Estado adquirisse o terreno vizinho à obra, a
Chácara Carmem. O custo inicial da construção ficou em 767.000$000, havendo um
aditivo de 300.000$000.
No dia 25 de março de 1941 o Interventor Federal no Maranhão Paulo Martins Ramos
e o Diretor do Departamento de Saúde Dr. Barros Barreto inauguraram o Hospital
Colônia dos Psicopatas, mais tarde transformado em Hospital Colônia Nina Rodrigues.
Foi seu primeiro Diretor o Dr. Benedito Metre.
O nome Nina Rodrigues seria uma justa homenagem a um dos maiores maranhense e
brasileiro de todos os tempos. Raimundo Nina Rodrigues era filho do Coronel Francisco
Telmo Rodrigues e de dona Luísa Rosa Nina Rodrigues. Estudou no Colégio São
Paulo e no Convento das Mercês em São Luís. Estudou Medicina na Bahia e no Rio de
Janeiro. Formado retorna a São Luís onde não é aceito pela imprensa, classe política
e sociedade. Retorna para a Bahia e se destaca como médico pesquisador na medicina
legal, antropologia, religião, psiquiatria e psiquiatria legal.
Estabelecido o hospital como referência no tratamento das doenças psiquiátricas e
ainda no final da década de 1940, o Dr. Adauto Botelho, Diretor do Departamento de
Assistência aos Psicopatas, cria o Serviço de Higiene Mental e determina que o Dr.
Odilon Resende, assumisse o serviço e que também acumulasse a função de Diretor
do Hospital em virtude da transferência do Dr. Benedito Metre para a cidade do Rio de
Janeiro.
Neste mesmo período, entre 1944 e 1945, foi edificado o primeiro ambulatório de saúde
mental, vindo a funcionar no recém-inaugurado Hospital dos Comerciários.
A década de 1950 chega com mudanças para a psiquiatria do Maranhão. Dr. Edson
Teixeira assume a direção do Hospital Nina Rodrigues e Dr. José Carlos Ribeiro assume
a chefia do ambulatório de saúde mental, todos em substituição ao Dr. Odilon Resende
que foi transferido para a cidade de Belém do Pará. Neste período o Dr. Hamilton
Raposo é admitido como médico da instituição.
É do final da década de 1950 o início das atividades da primeira clínica privada de
psiquiatria da cidade. O proprietário era o médico e politico Dr. Ivaldo Perdigão.
Chamava-se Clínica São José e funcionou até o final da década de 1960. A clínica
dispunha de eletroconvulsoterapia.
Na década de 1960 chegaram ao Maranhão os psiquiatras que trabalhariam no Hospital
Nina Rodrigues e no ensino médico: Edson Fontenele, Beectovem Matos Chagas,
Maria Olímpia Mochel, Alfredo Luís Bacelar Viana, José Carlos Rodrigues e Raimundo
Medeiros.
A década de 1970 foi riquíssima para a psiquiatria. Chegaram após conclusão dos
seus cursos de pós-graduação os psiquiatras Júlio Salgueiro, José Agnaldo, Ana Lúcia
Barata, Amarílis Toledo e Fátima Gonçalves que logo foram incorporados ao corpo
funcional do Hospital. No final da década de 1970 é fundada a Associação Maranhense
de Psiquiatria e seu primeiro presidente foi Dr. Alfredo Luís Bacelar Viana. Neste
período foi criado por um grupo de psiquiatras liderados por Dr. Heraldo Gomes Maciel
a Clínica La Ravardière conveniada com o antigo INPS. Registra-se também a criação
da Clínica São Lucas, voltada exclusivamente para o atendimento privado.
A década de 1980 despertou com psiquiatras recém-formados e todos voltado para o
atendimento público ou privado e também para o ensino. Registra-se Geraldo Melônio,
Ruy Palhano, Lisieux Campos, Lúcia Bulcão, Raimundo Teodoro, Hamilton Raposo
Filho, Francisco Frazão e José Roberto. Nesta época foi criada a Clínica São Francisco
de Neuropsiquiatria sob a direção do Dr. José Carlos Rodrigues e no final da década
de 1980 a cidade de Bacabal recebe os psiquiatras: os Drs. Ivan e Denise Reis. É deste
período a chegada em Imperatriz dos pioneiros da psiquiatria na região tocantina:
Dr. Moisés e Dr. João Eli. Foi a partir da década de 1980 as principais jornadas e
seminários locais e regionais patrocinados pela Associação Maranhense de Psiquiatria
ou grupos de psiquiatras.
No início de 1990 São Luís recebe a primeira psiquiatra da infância e adolescência, Dra.
Ana Silvia, que presta serviço na APAE.
A década de 1990 tem como referência a aprovação e assinatura presidencial do Projeto
de Reforma da Assistência Psiquiátrica, mudando totalmente a forma de atendimento
às pessoas com sofrimento psíquico. Neste período o Hospital Nina Rodrigues passa
por uma profunda reforma física e administrativa no sentido de se adequar às novas
regulamentações para a assistência psiquiátrica. Surgem os CAPS e hospitais dia tanto
da rede pública como da rede privada e a primeira clínica privada para atendimento a
dependentes químicos a Clínica Rui Palhano. Registra-se que a implantação da Lei de
Reforma da Assistência Psiquiátrica provocou diversas reações contrárias, em particular
da rede hospitalar conveniada, que alegava grande prejuízo financeiro por conta da
redução de leitos contratados. Neste período incorporam-se a rede assistencial do
Hospital Nina Rodrigues os psiquiatra e médicos Oscarina Melônio, Nemércia, Carlos
Augusto, Afonso e Raimundo Viveiros. Registra-se também a presença das psiquiatras
Maria José Rocha, Cláudia Duarte e Carla Penha.
No período de implantação da reforma da assistência, a grande dificuldade de
adequação dos novos aparelhos de assistência à saúde mental, foi a falta de profissional
médico especializado, surgem na cidade os cursos de especialização em saúde mental,
que treinou diversos profissionais para o trabalho nesses centros de tratamento.
O século XXI começa com diversas mudanças na rede assistencial. É evidente a
ampliação do número de CAPS. O processo de interiorização é um fato e a assistência
à saúde mental se interioriza. Este processo extremamente necessário denuncia um
grave fato que vem prejudicando a implantação da reforma assistencial e desnuda
uma situação nacional: a falta de especialista no país, em particular de psiquiatras. O
Maranhão era o único estado do nordeste a não formar especialista. Surge a ideia e
a vontade política em fazer acontecer, e no dia 06 de março de 2014 fica implantada
definitivamente, com matrícula realizada, da primeira turma de médicos residentes em
psiquiatria. A história da Psiquiatria do Maranhão novamente estar sendo refeita no
Hospital Nina Rodrigues.
Foram diretores do Hospital Nina Rodrigues: Benedito Metre, Odilon Resende, Edson
Teixeira, José Carlos Ribeiro, Hamilton Raposo de Miranda, Júlio Newton dos Santos
Salgueiro, José Agnaldo Fertunes dos Reis, Geraldo Melônio do Nascimento, Maria das
Graças Guimarães, Raimundo Teodoro de Carvalho, Tereza Martins Viveiros, Cláudia
Duarte, Oscarina Melônio do Nascimento e Ruy Cruz.
No dia 06 de março de 2014, após 73 anos da data de sua fundação, o Hospital
Nina Rodrigues recebe sua primeira turma de médicos residentes. A instituição que
representa a história da Psiquiatria no Maranhão agradece a todos que possibilitaram a
realização deste grande passo da Medicina Maranhense.