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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Julho de 2014 - Vol.19 - Nº 7

Psiquiatria na Prática Médica

ASPECTOS PSICOSSOCIAIS COMO FATORES DE RISCO E DE MAU PROGNÓSTICO DE DOENÇA CARDIOVASCULAR

Túlio de Oliveira César*
Prof. Dra. Márcia Gonçalves**


INTRODUÇÃO

          Dados mundiais revelam que, nas últimas décadas, as DCV foram responsáveis por aproximadamente um terço dos óbitos. .1-11 Estima-se que, até 2020, as DCV aumentarão os anos de vida perdidos ajustados por inacapacidade (DALYs) de 85 milhões de pacientes para 150 milhões, no planeta. 11

          Essa elevada prevalência de DCV gera grande impacto sócio-econômico pelos custos diretos e indiretos das doenças, incluindo absenteísmo, diminuição da produtividade e mortalidade precoce. 7, 11 No Brasil, elas correspondem a cerca de 16,2% dos gastos do Sistema Único de Saúde. 6 

          Os principais e tradicionais fatores de risco para essas doenças são: idade, gênero masculino, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo crônico, dislipidemia e diabetes mellitus. 1, 3-12 . Não obstante, 10 a 20% dos eventos cardiocirculatórios não são acompanhados de fatores de risco conhecidos e 60% destes, ocorrem na presença de apenas pouco mais do que dois dos principais fatores de risco. Isso estimula a busca de novos fatores de risco para diagnose e para profilaxia de DCV. 10

          Como resultado dessa busca de novos fatores de risco cardiocirculatórios, ao longo das últimas décadas, vários aspectos psicossociais foram caracterizados como fatores de risco e de mau prognóstico de DCV.3,4,6,11,13-23

            Baixa condição sócio-econômica, falta de apoio social, isolamento social, baixo nível de escolaridade, estresse emocional crônico, depressão, ansiedade, hostilidade, raiva, raiva suprimida e personalidade tipo D ( “angustiado” ) são fatores de risco psicossociais para as DCV. 3, 4, 6, 11, 19

             Essas características psicossociais podem coexistir num mesmo indivíduo e atuar sinergicamente aumentado o risco e piorando o prognóstico cardiocirculatório. Por outro lado, as DCV podem afetar psicologicamente o paciente e desencadear distúrbios como ansiedade e depressão, e estes, por sua vez, pioram os desfechos cardiocirculatórios. 11, 12, 24

             O mecanismo fisiopatológico pelo qual os fatores psicossociais elevam o risco e pioram a prognose de DCV não está completamente claro. No entanto, propõem-se meios comportamentais (como baixa adesão ao tratamento), biológicos (como estímulo à aterogênese e disautonomia) e de dificuldade de acesso a atendimento em saúde para esta fisiopatologia. 3, 4, 6, 11, 16  

          Entre os fatores de risco cardiocirculatórios sociais, destacam-se: nível sócio-econômico baixo, pouca escolaridade, baixa renda, emprego de pouco status, falta de apoio social, isolamento social e residência em área penuriosa. O estudo AFIRMAR (Avaliação dos Fatores de Risco Associados com Infarto Agudo do Miocárdio no Brasil) informa que renda elevada e escolaridade universitária são fatores de proteção cardiovascular. 6, 4, 11, 19, 21, 22

             Baixo status sócio-econômico correlaciona-se com: maior presença de fatores de risco cardiovasculares convencionais, intervenções profiláticas subótimas e barreiras ao acesso à assistência à saúde. Deste modo, ele aumenta o risco cardiovascular. 4, 11, 21, 22

             No estudo FemCorRisk (Stockholm Female Coronary Risk Study), a presença de dois ou mais sintomas depressivos e a falta de integração social predizeram independentemente eventos cardíacos recorrentes em mulheres coronariopatas. 14

             Depressão possui prevalência maior em pacientes cardiopatas do que na população em geral. Depressão maior e sintomas depressivos elevados associam-se com pior prognóstico de coronariopatias. Além disso, a maioria dos estudos revelam que a relação entre severidade da depressão e  eventos cardíacos é dose-dependente, isto é, quadros depressivos mais graves associam-se a eventos cardíacos mais precoces e severos.3, 11, 14, 16, 18, 23, 24

             Em comparação com indivíduos não deprimidos, vários estudos em pacientes deprimidos com coronariopatia relataram: variabilidade da frequência cardíaca reduzida (sugerindo hiperativação simpática e/ou hipoatividade vagal), disfunção do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, ativação plaquetária aumentada, função vascular prejudicada, resposta inflamatória inata exacerbada e estímulo à aterogênese. Somado a isso, pacientes deprimidos aderem menos ao tratamento farcológico e não farmacológico de DCV. Tudo isso, corroborando para o efeito deletério cardiovascular da depressão. 3,16, 18, 23

             A American Heart Association recomenda o rastreamento de depressão em pacientes cardíacos com o Patient Health Questionnarie (PHQ)-2 e, se um ou ambos os itens deste questionário forem positivos, com o PHQ-9. As opções terapêuticas para o cardiopata deprimido são: drogas antidepressivas (sertralina e citalopram são de 1ª escolha em coronariopatas), terapia cognitivo-comportamental e atividade física (como exercício aeróbico e reabilitação cardíaca). 16, 23

             Estresse emocional pode elevar o risco (por acelerar a progressão da aterosclerose e por disautonomia) e piorar prognóstico de coronariopatia em mulheres. Programas de combate ao estresse melhoram o bem-estar, fatores de risco e desfechos cardiovasculares. 3, 6, 11, 13, 19

             No ensaio clínico SWITCHD (Stockholm Women’s Intervention Trial for Coronary Heart Disease) , um programa de intervenção grupal focado na redução do estresse emocional para mulheres coronariopatas prolongou a vida destas independentemente de outros fatores prognósticos. Ensaios clínicos anteriores usando intervenções grupais encontraram estes efeitos outrossim em homens.13

             No projeto SUPRIM (Secondary Prevention in Uppsala Primary Health Care Project), o grupo de coronariopatas exposto a um ano de um programa de terapia cognitivo-comportamental focado no manejo do estresse psicológico obteve redução do risco de recorrência de infarto agudo do miocárdio e de DCV em geral em comparação ao grupo-controle durante 94 meses de seguimento. 19

             Transtorno de pânico aumenta a incidência de DCV, enquanto este, ansiedade e fobia generalizada podem piorar a evolução de DCV já estabelecida. 11

             O estudo ESCAPE (Epidemiological Study of Acute Coronary Syndromes and the Pathophysiology of Emotions) concluiu que ansiedade e depressão predizem o risco dos principais eventos cardíacos adversos em coronariopatia estável. 23     

             Hostilidade e raiva são fatores de risco e de mau prognose de DCV. Recente estudo europeu mostrou que coronariopatas os quais reprimem sua raiva estão sob risco aumentado de eventos cardíacos adversos. 11, 15  

                     Apesar de não ser unanimamente aceito, há evidências de que os fatores psicossociais revisados neste estudo sejam fatores de risco e de mau prognóstico cardiovascular. Portanto, é recomendável que estes fatores sejam levados em consideração e/ou rastreados, diagnosticados e tratados no manejo de pacientes cardiológicos.

REFERÊNCIAS

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·        *Interno do Dep. De Medicina de 2014

·        ** Prof. de Psiquiatria da Universidade de Taubaté

·        Email para contato: [email protected]


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