Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Maio de 2014 - Vol.19 - Nº 5 Psiquiatria na Prática Médica TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM PACIENTES PORTADORES DO HIV E AIDS Bruna Mitie Ikarimoto* INTRODUÇÃO Desde seu reconhecimento, no
início dos anos 80, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) se
disseminou pelo mundo tornando-se um dos maiores desafios de saúde pública das
três últimas décadas.¹ Essa doença
caracteriza-se por um transtorno da imunidade celular, resultando em uma maior
suscetibilidade a infecções oportunistas e neoplasias. ² A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima
que, no mundo, aproximadamente 33,2 milhões de pessoas estão infectadas pelo vírus
HIV ou apresentam a doença e que em 2007 ocorreram 2,1 milhões de mortes e
cerca de 2,5 milhões de novos casos. No Brasil, desde a identificação do
primeiro paciente com AIDS, em 1982, até junho de 2007, já foram identificados cerca de 474 mil casos da doença. Estima-se que
aproximadamente 593 mil pessoas vivam atualmente com HIV ou AIDS e, segundo
parâmetros da OMS, a prevalência da infecção pelo HIV é de 0,61% entre a população
de 15 a 49 anos, sendo 0,42% entre as mulheres e 0,80% entre os homens.1-3 A AIDS tem se tornado objeto de interesse por
parte de psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde mental
essencialmente por duas razões: o tropismo do HIV pelo sistema nervoso central
(SNC) e o impacto psicológico do diagnóstico e da evolução da infecção nos
indivíduos afetados. Diante disso, desenvolveram- se duas grandes áreas de
interesse. A primeira situa- se nos limites da psiquiatria e da neurologia e tem
como foco de interesse as consequências clínicas da ação do HIV e de outras
patologias associadas no cérebro. A segunda situa-se nos limites entre a
psiquiatria, a psicologia e as ciências sociais e estuda as reações
psicológicas, as complicações psiquiátricas da infecção e as repercussões sociais.4 Ao lado do sistema linfoide, o Sistema
Nervoso Central (SNC) é um importante alvo para o HIV e o vírus tem sido
frequentemente detectado no líquido cefalorraquidiano (LCR) e tecido cerebral
desde o início da infecção e em toda a sua evolução, independentemente de
apresentar sintomas neurológicos. O vírus infecta e replica-se
em macrófagos, micróglia e células multinucleadas da glia,
mas está, principalmente, livre e presente no líquido cefalorraquidiano.5 As manifestações neurológicas acometem 40% a
70% dos pacientes portadores do HIV no curso da sua infecção.6 Entre os transtornos psiquiátricos mais comumente observados em
indivíduos HIV positivos, a depressão é o mais prevalente. A depressão maior em
indivíduos infectados pelo HIV parece estar associada a fatores como estigma da
doença, efeitos diretos do vírus e infecções oportunistas no sistema nervoso
central (SNC), além do desencadeamento de episódio depressivo
em populações vulneráveis como usuários de drogas injetáveis e homossexuais. 7 As manifestações neurológicas mais comuns,
ligadas diretamente ao HIV, são o transtorno cognitivo e motor menor e a
demência associada ao HIV. No Brasil, as sequelas relacionadas às doenças oportunistas
do SNC, como neurotoxoplasmose, meningite tuberculosa e neurocriptococose,
também são importantes causas de danos cognitivos e psiquiátricos. Portanto, o
correto e precoce diagnóstico destas condições e a pronta intervenção
terapêutica podem minimizar as complicações neuropsiquiátricas. É de grande
importância quantificar o número de pacientes com danos cognitivos, uma vez que
afetam a qualidade de vida, função laborativa e aderência à terapia
antirretroviral altamente ativa (HAART). Dano cognitivo é associado com aumento
do risco de mortalidade, aumento do risco de desenvolver demência e a altas
taxas de desemprego e isto ocorre mesmo na era HAART. 8-9 O HIV atravessa a barreira hematoencefálica através de macrófagos infectados. No
cérebro, o vírus infecta células gliais que em última
instância secretam neurotoxinas que levam ao dano e morte neuronal. A extensão
deste dano é ligada ao nível do déficit neurológico clínico. Exames de
necropsia de pacientes HIV positivos mostraram a presença de vírus em
estruturas corticais e subcorticais, como lobos frontais, substância branca
subcortical e núcleos da base. Mecanismos que levam ao dano cognitivo ainda não
são totalmente conhecidos, mas neurotoxinas liberadas pela micróglia e
macrófagos periventriculares causam liberação de citocinas
e quimiocinas, que levam à modificação da arquitetura
sináptica do córtex. A apoptose ou morte celular programada
é o mecanismo mais comum que leva à perda celular. 10-11 O HIV entra no Sistema Nervoso,
invade suas células e produz lesões em todo tecido neural, derivando certos
comprometimentos cognitivos. É descrito perda neuronal sobre todo córtex
frontal, atrofia cerebral e desmielinização,
fundamentalmente nas zonas periventriculares, corpo caloso, cápsula interna,
comissura anterior e trato óptico.12-13 O HIV pode permanecer latente no
SNC por muitos anos e sua mera presença pode levar a déficits sutis no
funcionamento cognitivo, entretanto estes déficits não são achados em todos
pacientes, fato que levou alguns autores a proporem que ativadores periféricos
possam estar envolvidos na fisiopatologia dos déficits. 11 OBJETIVO Avaliar a possível relação entre os transtornos
psiquiátricos com indivíduos portadores do vírus HIV e/ou AIDS. MATERIAIS E MÉTODO Para elaboração deste trabalho, fez-se uma revisão
da literatura de alguns artigos a respeito dos temas: transtornos psiquiátricos
e infecção pelo vírus HIV e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. DISCUSSÃO Em um dos estudos analisados, observou-se
a possível presença de transtornos psiquiátricos em usuários de drogas
injetáveis (UDI). O uso de cocaína é considerado como fator de risco para
contrair o HIV devido a algumas particularidades relacionadas ao consumo dessa
droga. A meia-vida da cocaína é curta, gerando a necessidade de uso frequente
e, consequentemente, mais chance de se expor a comportamentos de risco. Os
usuários de cocaína tendem também a ter mais parceiros de uso do que usuários
de outras drogas. Algumas particularidades do efeito da droga também merecem
destaque: a perda de controle durante os episódios de uso parece ser mais
frequente em usuários de cocaína do que em usuários de outras drogas. Outro
fator discutido na literatura é uma possível ação da cocaína como facilitadora
da infecção pelo HIV, provavelmente por uma ação no sistema imunológico. 7 Nesta pesquisa, não se observou diferença entre a prevalência de
transtornos depressivos entre os grupos positivo e negativo. Esse resultado
parece ser a regra entre os estudos similares na área. Neste mesmo estudo,
observa-se que as alterações psicopatológicas e suas complicações em UDI infectados
pelo HIV são mais frequentes quando comparadas à população geral. 7 Já em outro artigo, foi possível constatar que a prevalência dos
transtornos depressivos em homossexuais masculinos infectados pelo HIV não
difere da observada em homossexuais masculinos não infectados e que usuários de
drogas injetáveis infectados pelo HIV apresentam prevalência de transtornos depressivos maior do que homossexuais masculinos também
infectados. 14 Por fim, do ponto de vista clínico, a detecção e o tratamento adequado
da depressão podem inclusive alterar o prognóstico do paciente. Um paciente
deprimido tende a não aderir ao tratamento, a não tomar as medicações
prescritas e a não acatar às orientações médicas, além
de apresentar risco aumentado de suicídio.15 CONCLUSÃO Apesar de haver frequentemente sintomas
psiquiátricos, principalmente depressão, em pacientes portadores de HIV, é
difícil identificar se, quando colocados nas mesmas condições, pacientes soropositivos
tem maior chance de adquirir tais sintomas em relação aos pacientes
soronegativos. Entretanto, é possível afirmar que, na presença de
comorbidades psiquiátricas, o diagnóstico e tratamento precoce interferem na
evolução da infecção pelo HIV, uma vez que altera desde a adesão do paciente ao
tratamento até a sua condição física. REFERÊNCIAS 1. World
Health Organization. Aids epidemic update 2007. Geneva: Joint United 2. Bowen
DL, Lane HC, Fanci AS. Immunopathogenesis
of the acquired immunodeficiency syndrome. Ann Int Med 1985;103:704-9. 3. Ministério da Saúde. Dados de AIDS. [citado
20 fev 2009]. Disponível em: http://www.aids.gov.br 4.
Maj
M. Psychiatric aspects of HIV-1 infecton and AIDS. Psychol Med. 1990;20:547-63. 5.
Christo PP, Greco DB, Aleixo
AW, Livramento JA. HIV-1 RNA levels in cerebrospinal F uid and plasma and their correlation with opportunistic
neurological disease in a Brazilian AIDS reference Hospital. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63:907-913. 6.
Berger JR, Moskowitz
L, Fischl M, Kelley RE. Neurologic disease as the
presenting manifestation of acquired immunodeficiency syndrome. South Med J.
1987;80:683-6. 7. Malbergier A,
Andrade AG. Transtornos depressivos em usuários de drogas injetáveis infectados
pelo HIV: um estudo controlado. Rev Bras Psiquiatr, 21: 217-24, 1999. 8.
McArthur JC. HIV dementia: an evolving
disease. J Neuroimmunol.
2004; 157(1-2):3-10. 9.
Price RW, Yiannoutsos
CT, Clifford DB, Zaborski L, Tselis
A, Sidtis JJ, et al. Neurological outcomes in late
HIV infection: adverse impact of neurological impairment on survival and
protective effect of antiviral therapy. AIDS 1999;13:1677-1685. 10. Navia BA, Jordan BD,
Price RW. The AIDS dementia complex I: clinical features. Ann Neurol.1986;19:517-24. 11. Dubé
B, Benton T, Cruess DE, Evans DL. Neuropsychiatric
manifestations of HIV infection and AIDS. J Psychiatry Neurosci.
2005;30:237-46. 12. Brew
BJ, Rosenblum M, Price RW. AIDS dementia complex and primary HIV brain
infection. J Neuroimmunol. 1988;20:133-40. 13. Bell
JE An update on the neuropathology of HIV in the HAART era. Histopathology.
2004;45:549-59. 14. Malbergiera
A, Schöffelc AC. Treatment
of depression in HIV-infected individuals. Rev Bras Psiquiatr
2001;23(3):160-7 15. Fernandez F, Levy JK. Psychiatric diagnosis
and pharmacoterapy of patients with HIV infection.
In: Tasman A, Goldfinger SM, Kaufmann CA, editors.
Review of Psychiatry. Washington (DC):
American Psychiatric Press Inc.; 1990. p. 614-30. *Interna do Dep. de
Medicina da UNITAU ** Coordenadora da
Disciplina de Psiquiatria da UNITAU Email [email protected]
|