DIÁRIO (2)

1)DIÁRIO

Doutor Eliezer de Hollanda Cordeiro

SETEMBRO de 1999

Com amigos num restaurante orleanês. Horas a fio a comer e a beber, a ouvir a minuciosa descricão do feitio de cada prato, das origens de cada vinho, por um cozinheiro-chefe palrador.Saí com indigestão. Sem dúvida mais provocada pelo dilúvio de palavras ouvidas do que pelos minguados quitutes que a retórica asfixiante não conseguiu dissimular.

MAIO de 2001

Escrevi uma carta para o Estadão, o Diário de Pernambuco e o Jornal do Brasil. Só o jornal de meu estado natal (o Diário), não a publicou.

JULHO de /2001

Li vários artigos em « La Culture Générale », um livro que vale a pena ler todos os dias, guardá-lo na cabeceira da cama, consultá-lo antes de tentar dizer alguma coisa, escrever, refletir, falar, opinar. Um supermercado de primeira qualidade, especializado em produtos finos e indispensáveis à nutrição do espírito.

Os artigos que li ôntem foram sobre A Reforma Protestante, a Contra-Reforma, Aristóteles e a noção de Crise. Uma maneira de diminuir um pouco a imensidão de minha ignorância.

FEVEREIRO de 2001

Um prazer enorme ao ouvir Michel Schneider e Daniel Melguish na emissão matinal da rádio France Culture, emissão apresentada por Pierre Assouline. Dois intelectuais de uma erudição extraordinária e que só a França, com a sedimentação de uma cultura multissecular, pode oferecer ao mundo. Fiquei pasmado diante do encadeamento vertiginoso das idéias constitutivas desse saber.
Um dos convidados, Michel Schneider, foi convidado por haver escrito dois livros sobre a Ópera, onde ele mostra as inúmeras relações entre este gênero musical e a psicanálise. A escritura mesma, os cenários, os papéis, a definição das regras, a relação entre os cantores são cheios de sexualidade e de erotismo, donde o interesse do psicanalista pela Ópera. A Ópera suscita a verdade dos sentimentos, das emoções. E ele cita Bernard Schow: “ A Ópera é uma peça em que o barítono passa seu tempo a tentar impedir que o tenor durma com o soprano.

O que a Ópera conta é estranho, é como o inconsciente onde as paixões não podem ser controladas. As diversas figuras edipianas estão presentes: a mãe simbolicamente representada com um pênis, seria o contralto. Mulher terrivel, poderosa, contundente e que a psicanálise considera como geradora da maior parte do inconsciente humano’’.

Daniel Melghish fala da obra de Jean Racine, intitulada Ester. ‘’Fazendo-se passar pou uma árabe, ela vai esposar o rei árabe Aman. Mais tarde ela revelará que é judia.

Deus, diz um profeta, é aquele que sabe o que faz. Melghish diz que Deus é aquele que sabe que não sabe o que faz’’.
Melghish questiona ainda as relações entre o passado e o presente, tanto nas obras clássicas quanto na história dos indivíduos.

Ele pensa que duas atitudes são possiveis diante de uma obra como Ester : “a obra foi escrita no século XVI, o ponto de partida é pois o contexto em que o autor escreveu a obra, ela deve ser adaptada em consequência disto. Sua adaptação deve representá-la neste contexto.”
Outro ponto de vista : ‘’é preciso adaptar a obra ao presente, este presente em movimento continuo’’. Melghish prefere ‘’misturar passado e presente, passar de um a outro, sem desprezar nem o passado nem o presente, num vai-vem contínuo. Ele pensa mesmo que o século XVII foi talvez mais importante do que o atual’’. É verdade que Racine não leu Freud, este leu entretanto Sófocles, como Racine leu Sófocles.

NOVEMBRO DE 2002

Pierre Fédida morreu e eu não me detive um instante siquer para pensar na influência que ele teve em minha vida, tanto no dominio intelectual como no dominio psicológico e afetivo. Como explicar minha reação de indiferença afetiva diante da morte de uma pessoa com quem fiz uma psicoterapia durante alguns anos e que também foi um dos meus supervisores de psicanálise? Será que PF não me transmitiu nada do ponto de vista da teoria e da prática psicanaliticas?Ao contrário, ele representou para mim o papel de um pai idealisado e ao mesmo tempo exigente, forte e tranquilo, capaz de me transmitir os elementos simbólicos de que eu necessito para afirmar minha identitade sexual.

Questão direta:será que a morte de PF deixou-me sentido, triste, com pena, com saudade, deprimido, aliviado, contente? Quais os sentimentos que ressenti ao saber-lhe morto?

Minha primeira resposta é que eu não quis pensar na morte de PF para não pensar na minha. Lembro-me haver dito a Jean Laplanche, num dia em que ele me recebeu em sua casa, afim de avaliar minha demanda de formação psicanalítica na APF(Association Psychanalytique de France

) “ajude-me a aprender a morrer”. Ou algo como: “aprenda-me a morrer”... Eu estava convicto, como ainda hoje, que a angústia é sempre de morte, donde resulta a idéia angustiante de morrer. Pierre Fedida , uma vez, interpretou esta formulação, dizendo-me que se tratava de uma angústia de castração.

Em todo o caso, agora percebo que eu não consegui sobrepujar a denegação da morte, que me parece o mecanismo de defesa radical contra a angústia. Nem a psicoterapia analítica, nem a supervisão podem exercer um efeito de sedação duradora da angústia, cuja tendência é de se fixar, pelo afastamento, em outras representações obsedantes e fóbicas, que vão lmitar a carreira profissional, a vida social, relacional, afetiva e sexual da pessoa..

Pierre Fédida teria morrido sem perder sua lucidez extraordinária, a serenidade que sempre me mostrou nas dezenas de vezes que o encontrei? Quantas vezes, precisamente?

Faço os cálculos: tres anos de psicoterapia, uma sessão por semana durante dez meses, ou seja um total de 120 sessões. Ajunto dois anos de supervisão ,cerca de 50 sessões, e obtenho o total geral de 170 encontros de 45 minutos com PF!!! Em Paris, rue du Regard. Isto dá para marcar qualquer homem, isto me marcou com certeza e me serviu de amparo.

Pierre Fédida gostava muito do Brasil. Mas ele nunca me falou detalhadamente de suas atividades em São Paulo, onde ia regularmente para dar cursos e fazer supervisões.

Quando morreu, ele recebeu uma homenagem merecida de Manoel Tosta Berlinck, psicanalista renomado que reside e trabalha em São Paulo.

2) LIVROS RECENTES

* La plus belle histoire de la philosophie

FERRY Luc, CAPELIER Claude

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À l’école des anciens : portraits et préférences

JERPHAGNON Lucien

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