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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Agosto de 2014 - Vol.19 - Nº 8

Psiquiatria Forense

MÉDICOS DEVEM FORNECER PRONTUÁRIOS DE PACIENTES MORTOS A SEUS FAMILIARES

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo


            No final de março do presente ano de 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou recomendação aos médicos acerca do fornecimento de prontuários de pacientes mortos a seus familiares (Recomendação CFM No. 3/14). A referida publicação tem o seguinte texto: “Recomenda-se: Art. 1º - Que os médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar: a) forneçam, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido: desde que documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária, e b) informem os pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte”.

            No entanto, juntamente com a Recomendação supra-citada, o CFM publicou texto fundamentando e explicando o teor de tal decisão. Isso porque, em publicações anteriores, o CFM sempre orientou que os médicos não deveriam fornecer prontuário de pacientes mortos a seus familiares. Tal posicionamento decorre do entendimento do CFM de que o sigilo e a intimidade do paciente devem ser preservados mesmo após seu falecimento. Assim, no Parecer CFM No. 6/10, publicado em fevereiro de 2010, o Conselho orientava os médicos do seguinte modo: “o prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado diretamente aos parentes do “de cujus”, sucessores ou não. A liberação apenas deve ocorrer: 1) Por ordem judicial, para análise do perito nomeado em juízo; 2) Por requisição do CFM ou de CRM, conforme expresso no artigo 6° da Resolução CFM n° 1.605/00”. Seguindo essa mesma linha, o CFM publicou no ano de 2012 a Nota Técnica do Setor Jurídico No. 2/12, que também orientava os médicos a não fornecerem prontuários de pacientes mortos a seus familiares. A conclusão da referida Nota Técnica foi a seguinte: “i) o conteúdo dos prontuários médicos não pode ser revelado sem que haja autorização do paciente ou com a anuência do Conselho Regional de Medicina, nos exatos termos da Resolução CFM n.º 1605/2000; ii) no caso de investigação criminal os prontuários serão colocados à disposição da Justiça para perícia, conforme precedentes do STF; iii) nos casos em que não houver a autorização do paciente, caberá ao Conselho Regional Medicina da jurisdição julgar a conveniência e a oportunidade de encaminhar ou não os prontuários solicitados, posto que a apuração de delitos éticos cabe àquele Conselho; iv) não existe ilegalidade no parecer CFM n.º 06/2010, pois o CFM busca preservar o sigilo médico e a intimidade do paciente, inclusive do morto, pois não há dúvidas de que a intimidade possui caráter personalíssimo e instransponível”.

Contudo, em que pese o posicionamento claro do CFM sobre o tema, suas decisões estão sendo objeto de discussão judicial, o que acarretou a concessão parcial de tutela antecipada nos seguintes moldes: “… defiro em parte medida antecipatória, para determinar ao Conselho Federal de Medicina que, no prazo de 10 (dez) dias, adote as devidas providências de orientação aos profissionais médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar no sentido de: a) fornecerem, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido: desde que- documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária; b) informarem aos pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte. Fixo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a multa diária para o caso de descumprimento da presente medida, sem prejuízo das sanções penais e administrativas aplicáveis ao presidente da entidade em caso de descumprimento, inclusive no que tange à configuração de ato de improbidade administrativa”.

Assim, diante da decisão judicial acima, o CFM foi forçado a publicar a Recomendação CFM No. 3/14, orientando os médicos a fornecerem, quando solicitado, prontuário de pacientes mortos a seus familiares. No entanto, ainda no texto que fundamenta sua decisão, o Conselho esclarece que defende a ideia de que o sigilo médico e a intimidade do paciente devem ser respeitados, mesmo depois do falecimento do paciente, e que o fornecimento prontuário deve ocorrer apenas em observância ao Código de Ética Médica e à Resolução CFM n.º 1605/2000. Entretanto, esclarece ainda que, visando dar imediato cumprimento à aludida decisão judicial, acabou publicando a Recomendação CFM No. 3/14 para esclarecer e orientar os médicos e as instituições hospitalares acerca do tema. Para finalizar, o CFM informa também que está buscando a reforma da decisão judicial liminar em questão junto ao egrégio TRF 1ª Região (Agravo de Instrumento nº 0015632-13.2014.4.01.0000). Porém, até decisão em contrário, vale a Recomendação CFM No. 3/14, ora publicada.


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