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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2014 - Vol.19 - Nº 2

Psiquiatria Forense

SAÚDE MENTAL DA MULHER PRESA

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


No final do ano passado, a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, por meio de sua Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania, por meio de um projeto em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, lançou o “Manual de Diretrizes de Atenção à Mulher Presa” 1. O Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo foi o responsável pela condução da investigação que resultou na construção das diretrizes. A pesquisa abrangeu onze unidades prisionais femininas do Estado de São Paulo, tendo sido entrevistadas mil e cem reeducandas, no período de janeiro e outubro de 2012. O objetivo desse trabalho foi identificar as necessidades da população prisional paulista e, com isso, ajudar na construção de políticas públicas balizadas e pautadas em demandas reais desse segmento. Tal tipo de trabalho é de fundamental importância, devido ao aumento da população carcerária feminina nos últimos anos em todo o país. De acordo com levantamento realizado pela Comissão de Monitoramento e Avaliação do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, no quiqüênio de 2003-2007, houve um aumento da população carcerária feminina brasileira de 37,47%, representando um crescimento anual de 11,99%. Se comparado com o aumento da população carcerária masculina, o aumento proporcional da população feminina tem sido maior nos últimos tempos.

O “Manual de Diretrizes de Atenção à Mulher Presa” abordou múltiplos e diversos aspectos da realidade das mulheres presas, sendo um deles a saúde mental, que tem sido um dos crescentes desafios para as autoridades que trabalham com políticas públicas na área prisional. A literatura científica tem descrito alta prevalência de transtornos mentais e risco de suicídio na população prisional. O aumento da freqüência de suicídio em prisões, a desinstitucionalização não planejada de doentes mentais e a carência de programas para doentes mentais que cometeram crimes são alguns dos fatores que contribuem para que o assunto ganhe cada vez mais importância dentro da realidade prisional.

Diversos estudos internacionais têm sugerido que a população carcerária possui taxas maiores de problemas mentais que a população geral 2, 3. A prevalência de transtornos mentais na comunidade gira em torno de 15%, enquanto que na população prisional essa taxa salta para cerca de 42% 4. Quando é considerada apenas a população feminina encarcerada, a prevalência de transtornos mentais é maior do que aquela observada na população masculina 5. De um a dois terços das mulheres presas necessitam de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico e cerca um quinto tem história de uso de medicação psicotrópica 6. A prevalência de abuso e dependência de substância varia de 10% a 48% entre homens presos, e de 30% a 60% nas mulheres presas 7.

Estudo realizado no Brasil, na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, mostrou também alta prevalência de sintomas depressivos e uso, abuso e dependência de drogas entre mulheres presas 8. Quase metade da amostra estudada apresentava sintomas depressivos graves, quando da avaliação realizada (48,7%). Além disso, mais da metade da amostra tinha história de uso de álcool, sendo que grande parte preenchia critérios para dependência química, representada por 38,3% das encarceradas investigadas. Estudo conduzido no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo mostrou prevalência de 31% de ideação suicida entre as presas, sendo que 9% dessa população possuía história prévia de tentativa de suicídio. Na amostra estudada, constatou-se também sintomas depressivos em 34% das mulheres e sintomas ansiosos em 39% 9. Assim, os dados da literatura brasileira estão de acordo com aqueles observados nos estudos internacionais, mostrando altas prevalências de quadros psiquiátricos na população prisional feminina.

O estudo que deu origem ao “Manual de Diretrizes de Atenção à Mulher Presa” também obteve altas prevalências de transtornos mentais na população feminina investigada: 33% das mulheres presas entrevistadas já pensaram em se matar; 58,2% das entrevistadas fazem uso de drogas lícitas (cigarros, álcool, remédio para dormir ou emagrecer); 44% das mulheres presas entrevistadas fazem uso de psicotrópicos. Tal constatação levou ao estabelecimento das seguintes orientações para assistência em saúde mental das mulheres presas: implantação de protocolos para atendimento psicossocial à mulher presa com objetivo de produzir a diminuição dos agravos do confinamento (atendimento à saúde mental, sobretudo aos transtornos mentais na situação de confinamento); atenção a situações de graves prejuízos à saúde decorrentes de uso de álcool e drogas na perspectiva da redução de danos; acompanhamento à saúde mental da mulher presa; atendimento psicológico/psiquiátrico para os casos de depressão e manifestação de tendência suicida.

Assim, o que se espera agora é que o “Manual de Diretrizes de Atenção à Mulher Presa” saia do papel, contribuindo para a implementação de práticas assistenciais em saúde mental às presas, o que, sem dúvida alguma, ajudará a aplacar o sofrimento psíquico dessas pessoas, colaborando em seu processo de ressocialização.

 

Referências Bibliográficas:

1- http://www.reintegracaosocial.sp.gov.br/db/crsc-kyu/archives/6208c81fb200c6081c054df541387c7b.pdf

2. Butler T, Allnutt S, Cain D, Owens D, Muller C. Mental disorder in the New South Wales prisoner population. Aust N Z J Psychiatry 2005; 39:407-13.

3. Gunter DT, Arndt S, Wenman G, Allen J, Loveless P, Sieleni B, et al. Frequency of mental and addictive disorders among 320 men and women entering the Iowa prison system: use of the MINI-Plus. J Am Acad Psychiatry Law 2008; 36:27-34.

4. Australian Bureau of Statistics. Mental health and wellbeing profile of adults. Canberra: Australian Bureau of Statistics; 1997.

5. Blaauw E, Roesch R, Kerkhof A. Mental disorders in European prison systems: arrangements for mentally disordered prisoners in the prison systems of 13 European coutries. Int J Law Psychiatry 2000; 23:649-63.

6. Trestman RL, Ford J, Zhang W, Wiesbrock V. Current and lifetime psychiatric illness among inmates not identified as acutely mentally ill at intake in Connecticut's jails. J Am Acad Psychiatry Law 2007; 35:490-500.

7-. Lewis C. Treating incarcerated women: gender matters. Psychiatr Clin North Am 2006; 29:773-89.

8- Canazaro D, Argimon IIL. Características, sintomas depressivos e fatores associados em mulheres encarceradas no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2010 Jul;26(7):1323-33.

9- Ratto LRC, Cordeiro Q, Marafanti I, Pinheiro MCP, Riva RRV. Ideation and Attempted Suicide among Women Inmates of the Penitentiary Hospital of Sao Paulo. Book of abstracts of the XXXIIIrd International Congress on Law and Mental Health, 2013.


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