Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Janeiro de 2014 - Vol.19 - Nº 1 COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA A CONJECTURA DE SIRACUSA Fernando Portela Câmara
Como médico-psiquiatra sigo a
carreira que abracei há longo tempo e como matemático estudo a rainha das
ciências ocupando cada vez mais os meus dias, e como não o faço por
profissionalismo, deleito-me em perscrutar questões filosóficas que me instigam
nessa altura da minha vida, já adiantada. Só a teoria dos números me proporciona
e me dá vislumbres sobre questões metafísicas, agora que a vaidade – a mais
perniciosa das angústias – perde sua força e seu poder tirânico sobre a minha
mente. Das conjecturas que perseguem obsessivamente muitos
matemáticos, uma das mais intrigantes é a Conjectura de Siracusa, também
conhecida como Conjectura de Collatz, Conjectura de Ulam, Problema 3n+1, Algoritmo de Hasse,
Conjectura de Kakutani e outros nomes menos
conhecidos. Agora que a conjectura mais famosa da matemática, conhecida como o “Último
Teorema de Fermat” foi demonstrada pelo matemático
britânico Andrew Wilis, em 1994, os matemáticos se
concentraram nas outras não menos famosas como as Conjectura de Goldbach (talvez a mais famosa atualmente), Conjectura de Opperman, Conjectura de Riemann, Conjectura
de Kepler e, entre outras, a Conjectura de Siracusa. Uma conjectura em matemática é uma proposição ou sentença
tida como verdade que, no entanto nunca foi provada. Quando é provada ser verdadeira ela passa a ser um Teorema. A
Conjectura de Siracusa tem o seguinte enunciado: “A partir de qualquer número
n, dividindo-o por 2 se for par, ou multiplicando por 3
e adicionando 1 se for ímpar, e fazendo assim sucessivamente, chegaremos sempre
ao número 1”. Suponha que escolhemos um número qualquer, por exemplo, 17.
Aplicando a regra do enunciado temos: 52, 26, 13, 40, 20, 10, 5, 16, 8, 4, 2,
1. Qualquer que seja o número inicial, a conclusão será inevitavelmente
…4, 2, 1. Sempre se retorna ao um, a semente dos números naturais, a mônada pitagórica. Sem entrar em detalhes das implicações filosóficas desta
conjectura, vamos remeter o leitor diretamente ao filme “Incêndios” (Incendies), uma
produção franco-canadense de 2010 dirigida por Denis Villeneuve. O argumento
deste premiadíssimo filme é inesperado e de grande impacto
emocional, e gira sobre o segredo da paternidade de dois irmãos, Jeanne
e Simon Marwan. A história é um palimpsesto que tem
como fundo oculto a conjetura de Siracusa. Não por
acaso, Jeanne é professora assistente de matemática em uma universidade do
Canadá e a busca que ela e o irmão empreendem após a morte da mãe é uma forma
romanceada dos passos da conjectura. O leitor perspicaz perceberá ali uma série
oculta de números e a cidade natal deles, a fictícia Daresh,
no Oriente Médio, é o cenário de uma tragédia primeva,
de nossa origem no plano metafísico e, no plano pessoal, dos personagens do
filme. Para ser breve: O Édipo. Talvez o diálogo mais belo, mais profundo e mais pungente que
o filme coloca é o preâmbulo que o titular da cadeira de matemática pura faz
antes de apresentar Jeanne aos seus alunos: - As matemáticas como vocês conheceram até agora,
tem por objetivo chegar a uma resposta estrita,
portanto definitiva. Hoje vocês serão introduzidos em uma aventura
completamente diferente. O tema será sobre problemas insolúveis que sempre
levam a outros problemas que acabam sendo intratáveis. As pessoas ao seu redor
dirão que eles não são necessários, e vocês não terão nenhum argumento para se
defenderem disso, porque elas são de uma complexidade extenuante. Bem vindos à
matemática pura, a terra da solidão. Com essas palavras o professor introduz o espectador na trama
do filme sem que este perceba, e então apresenta Jeanne aos alunos e esta
começa sua aula apresentando a Conjectura de Siracusa. Nesse momento a aventura
do filme começa, desenvolvendo-se a conjectura na vida do personagem levando-os
a uma experiência da mais terrível angústia. A mãe de Jeanne revelou em testamento que o pai desta e de Simon
estava vivo e que eles também tinham um irmão que não conheciam e que ambos viviam
em Daresh. Ao tomar conhecimento dessa notícia,
Jeanne comunica ao professor que iria a Daresh em
busca do pai e irmão, embora tivesse certeza que seu pai estava morto, ao que o
professor contestou dizendo: - Esta é a variante
incógnita da equação. Nunca se parte de uma variável incógnita. O professor então explica a ela que como na matemática, o
importante é examinar os dados que dispunha e encontrar um ponto de partida
para a solução do problema. Jeanne e seu irmão gêmeo partem mais pela busca do
irmão desconhecido do que pelo pai, que acreditam morto. A partir daí o filme
se aprofunda cada vez mais envolvendo o espectador até que o irmão de Jeanne,
já próximo ao final da película, numa psicótica reação de defesa do ego, reprime
um insight e balbucia, delirante: - Um mais um são dois.
Não pode ser um… Jeannie, um mais um são um? A conjectura de Siracusa foi proposta pelo matemático
germânico Lothar Collatz em 1937, que a apresentou ao
também matemático Helmut Hasse, de Göthingen. A conjectura ganhou fama quando foi apresentada
por Collatz na Universidade de Siracusa, em Nova
York. O matemático Stanislaw Ulam, imigrante húngaro
naturalizado americano se interessou pela conjectura e dedicou muito esforço na
sua investigação durante a época em que trabalhou no Projeto Manhattan. Na
década de 1960, em plena guerra fria, Shizuo Kakutani,
importante matemático da Universidade de Chicago, também dedicou boa dose de
esforço trabalhando nesta conjectura. O interesse dos matemáticos americanos
nessa época pela conjectura fez nascer a piada de que Collatz seria um agente a serviço da União Soviética com a
missão de distrair os matemáticos americanos envolvidos em pesquisas de
interesse estratégico para o governo. Collatz era um
matemático prolífico e bem conhecido, tinha uma grande vitalidade e suas palestras
eram muito concorridas. Morreu trabalhando, às vésperas de uma conferência em
um congresso. Tudo retorna ao Um. Não importa o quanto avançamos em ciência
e civilização. Somos todos cúmplices de um terrível crime, condenados à uma busca por uma vã redenção.
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