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Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9

História da Psiquiatria

O JAPÃO E JULIANO MOREIRA

Walmor J. Piccinini

Introdução.

Fugindo dos mitos oficiais em que o Brasil é colocado como terra de oportunidades e que todos que aqui chegaram foram e eram bem recebidos, constatamos que os imigrantes em geral sofreram e muito na sua luta para construir uma nova vida no Brasil. Os negros escravos, migrantes forçados são a face mais sombria dos maus tratos, mas não foram os únicos. Sofreram os italianos, os alemães, os japoneses, os judeus e muitos outros indivíduos provenientes de todas as partes do mundo.

Examinar a conduta do nosso governo, dos seus líderes políticos, de muitos dos seus cidadãos nos deixa envergonhados. Alguns autores discutem as ideias de “branqueamento” da população como um ente político por trás das correntes imigratórias. Outros fatores devem ser considerados, a religião um dos mais intolerantes. Aos judeus deveria ser impedida a entrada por não serem passíveis de conversão, os japoneses por ser uma “raça inferior” e assim por diante.

Neste artigo vamos tecer algumas considerações sobre a conduta do psiquiatra Juliano Moreira em relação à imigração japonesa, sua visita ao Japão a convite do Governo Imperial do Japão e uma manifestação dele em Nara antiga capital Imperial do Japão.

Cronologia

A Cronologia da Imigração japonesa foi publicada na Folha de São Paulo e pode ser vista em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2004200805.htm

Anos 1880
O Japão incentiva a saída de trabalhadores, por meio de contratos com outros governos.

            1888
            Brasil abole a escravidão. Produção cafeeira sofre escassez de mão de obra.

            1895
            Em 5 de novembro, Brasil e Japão assinam o Tratado da Amizade, Comércio e                           Navegação

           1907
           O Brasil cria Lei de Imigração e Colonização

          1908
          Em 18/6 chega a Santos o navio Kasato Maru, proveniente de Kobe, com os         primeiros imigrantes japoneses. As 781 pessoas são instaladas em fazendas de café da região, com previsão de estada de cinco anos; a maioria sai das fazendas no mesmo ano.

          1911
          Primeira compra de terra por japoneses, no interior de São Paulo.

          1914
          A população japonesa no Brasil é estimada em 10 mil pessoas. O governo de São      Paulo interrompe a contratação de imigrantes

          Década de 1920
          A Rua Conde de Sarzedas (SP) torna-se polo dos imigrantes japoneses. Mais tarde, com o crescimento da comunidade, o entorno consolida-se como bairro japonês (Liberdade).

           1941-45
           Na Segunda Guerra, milhares de imigrantes japoneses são expulsos do Brasil. Nos anos seguintes, a normalização das relações é dificultada pela atividade da Shindô-Renmei, que perseguia conterrâneos que aceitassem publicamente a derrota do país na guerra.

Além desta cronologia publicada na Folha de são Paulo acrescentaríamos:

            1946

             Assembleia Nacional Constituinte de 1946. O Senador Pelo Distrito Federal Luiz Carlos Prestes e toda bancada comunista fechou questão a favor da emenda 3.165 de autoria do médico e deputado carioca Miguel Couto Filho cujo teor era o seguinte: É proibida a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência”. (Suzuki Junior).

Rompendo silêncio de Matinas Suzuki Junior).

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2004200804.htm

 

No meio de tanta politicagem e pseudociência destaca-se a figura de Juliano Moreira.

Juliano Moreira: um psiquiatra negro frente ao racismo científico (Oda e Dalgalarrondo, RBP ano 2000 v.22, n.4.)

“Um aspecto marcante na obra de Juliano Moreira foi sua explícita discordância quanto à atribuição da degeneração do povo brasileiro à mestiçagem, especialmente a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação. A posição de Moreira era minoritária entre os médicos, na primeira década do século XX, época em que ele mais diretamente se referiu a esta divergência, polemizando com o médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). Também desafiava outro pressuposto comum à época, de que existiriam doenças mentais próprias dos climas tropicais.

“Resumidamente, pode-se dizer que, de meados do século XIX até cerca de 1910, o país se definia prioritariamente pela raça, isto é, as discussões sobre o caráter nacional e o futuro da nação passavam pela solução dos problemas atribuídos à miscigenação do povo brasileiro. A partir da década de 1910, e especialmente após o fim da Primeira Guerra Mundial, o movimento pelo saneamento rural do Brasil ganhou força, e se deslocou o foco para a doença ou as doenças dos brasileiros. Um Brasil desconhecido seria revelado a partir de expedições de órgãos do governo, como as de Cândido Rondon, do Mato Grosso ao Amazonas, em 1907 e 1908, e as expedições científicas de Oswaldo Cruz. A famosíssima frase do médico Miguel Pereira, "O Brasil é um imenso hospital", dita em 1916, marcou o início deste movimento. A exprobração à mestiçagem e ao nosso clima tropical cedeu lugar à condenação ao governo por abandonar as populações interioranas; seu atraso passou a ser atribuído ao isolamento geográfico e às infestações por doenças parasitárias, especialmente ancilostomose e doença de Chagas. Ao mesmo tempo, intensas campanhas sanitárias eram coordenadas por Oswaldo Cruz, contra a febre amarela e contra a varíola, doenças que espantavam muitos visitantes e imigrantes do Brasil. A doença tornou-se a chave para a identificação do Brasil, a higienização sua possibilidade de redenção. A ciência, mais especificamente a medicina, tendeu, então, a se auto-representar como norteadora do processo de definição da nacionalidade e da modernização do país.”

Num momento em que boa parte do “stablishment” médico do Rio de Janeiro e São Paulo liderava a oposição à vinda de imigrantes japoneses, uma voz se levantava contra o “racismo científico” e contra a discriminação aos cidadãos japoneses. Era a voz e a autoridade de um ilustre cidadão e psiquiatra brasileiro, Juliano Moreira. Em reconhecimento o governo japonês convidou-o a visitar o Japão. Neste artigo vamos divulgar relatórios do próprio Juliano Moreira sobre sua visita ao Brasil. (O material foi colhido pela infatigável historiadora da psiquiatria, a Dra. Ana Galdini Raimundo Oda).

Em julho de 2002, numa biografia publicada na Psiquiatria Online Brasil nos referíamos a esta viagem (http://www.polbr.med.br/ano02/wal0702.php)

“Em 1928, foi convidado pelas Universidades de Tóquio, Kyoto, Sendai, Hokaido, Fukuoka, Osaka, etc. no Japão, para fazer conferências sobre assuntos de sua especialidade. Em julho, seguiu ele para aquele país, para dar cumprimento à incumbência. Ali, foi recebido com especial deferência pelos médicos japoneses. As Sociedades Japonesas de Neurologia e Psiquiatria elegeram-no membro Honorário. Antes de partir, fez ainda na Universidade Feminina de Tóquio e no anfiteatro do grande diário "Nichi-Nichi" e na Rádio Sociedade, conferências de despedidas sobre o Brasil e os brasileiros e impressões sobre o Japão. O Imperador conferiu-lhe a Ordem do Tesouro Sagrado. Depois de cerca de quatro meses de permanência naquele país, visitou as cidades de maior importância no extremo oriente, seguindo então para a Europa, a fim de efetuar, em Hamburgo e Berlim conferências para que fora convidado. As Sociedades de Neurologia e Psiquiatria de Berlim, e Hamburgo elegeram-no seu membro Honorário. Assim como a Sociedade Médica de Munique e a Cruz Vermelha Alemã, a Universidade de Hamburgo conferiu-lhe a Medalha de Ouro, que é a maior honra que lhe é dado conferir a um professor estrangeiro.

Juliano Moreira foi o primeiro psiquiatra brasileiro a receber reconhecimento internacional e não é exagero dizer que nenhum outro depois dele conseguiu alcançar sua proeminência e aceitação internacional.

Notícias Publicadas sobre a viagem de Juliano Moreira

Ao Japão

http://www.saude.ba.gov.br/hjm/index.php?option=com_content&id=254&Itemid=194

BRAZILIAN scholar arrives in Japan: famous scientist to study progress of medicine in Nippon. J times, 15 set. 1928.

CONVEM ao Brasil a imigração Japonesa? a palpitante enquête do "Diário de Medicina". Localiza um dos mais altos problemas sociais da atualidade nacional Como pensa, a respeito, o prof. Juliano Moreira. Diário de Medicina, p. 24-25, 25 out. 1926.

DISTINGUISHED  Brazilian visitors. Osaka Maini & Tokyo Nichi Nichi. Osaka, 28 out.  1928.

DR.MOREIRA will leave Osaka for Kobe oct. 31: Brazilian visitor enternained by Osaka hosts. Osaka Maini & Tokyo Nichi Nichi.  Osaka, 31 out.  1928.

FAREWELL to Japan's friends. Osaka Maini & Tokyo Nichi. Osaka, 22 dez. 1928.

PLATA Maru.  Japan Times, Nota, 12 set. 1928.

REGRESSOU ontem de sua viagem ao Japão o Prof. Juliano Moreira. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 5 jun. 1929.

VIAGEM do Dr. Juliano Moreira ao Japão: o Imperador Hiroíto distinguiu-o com a Ordem do Sagrado Tesouro do Japão. O Jornal, 15 dez. 1928.

Trazemos a consideração dos nossos leitores duas manifestações de Juliano Moreira sobre o assunto da imigração japonesa. Não devem ser lidos como trabalhos científicos e sim,   como manifestações pessoais. A entrevista para o jornal Nichi-Nichi é francamente laudatória e a apreciação sobre os imigrantes apologética, mesmo assim devem ser conhecidas por todos.

1.                Convém ao Brasil a imigração japonesa?

                                      Juliano Moreira

     Dentre os povos do Oriente o que melhor se adaptou aos chamados progressos do Ocidente foi incontestavelmente o japonês. Em todas as ciências e até nas artes maiores como nas menores, são inúmeros os filhos do Japão que tem distinguido, como demonstram as reiteradas contribuições por eles publicadas, quer em revistas europeias e norte-americanas, quer em revistas japonesas escritas não só na língua daquele país, mas também em alemão, inglês, francês e ultimamente o esperanto.

    A circunstância de procurarem eles escrever em uma das chamadas línguas universais, demonstra  nem só que eles desejam dar ao mundo seu contingente de trabalho intelectual como ainda que não se esquivam a ação desnacionalizante do intercambio de ideias com outros países.

    Assim sendo, não sei por que não nos conviria a imigração japonesa?

    Não vejo inconveniente na localização dos japoneses no vale do Amazonas, sobretudo se ao Governo brasileiro ocorrer instalar nas proximidades dos colonos japoneses núcleos de gente nacional ou proveniente de outros países de origem ocidental. O essencial será o desbravamento, sem dúvida que lá afluirão elementos de outra origem, tornando dentro em pouco mais habitáveis aquelas regiões que atualmente tanto amedrontam operários e trabalhadores de toda a espécie e toda as origens.

    Os artigos de propaganda contra a emigração para aquela região existem em todas as línguas de povos que por excesso de população necessitam emigrar.

    A propósito do cruzamento do japonês com o nacional, conheço um número considerável de japoneses casados com estrangeiras, inglesas, francesas, belgas, alemães, italianas e brasileiras, etc.

    Os produtos destes casamentos são do ponto de vista ocidental, incontestavelmente mais belos que o comum do tipo japonês. A capacidade de nacionalização destes produtos ao país do progenitor não japonês é tão grande quanto à de qualquer outro povo, dependendo apenas da capacidade de assimilação deste ou aquele país.

    Temer a imigração japonesa com receio de que não a assimilação, é descrer da capacidade do brasileiro de incorporar o alienígena. E esta capacidade é, a meu ver, inconteste. Não ser, talvez, o inglês, todos os outros povos anda aí, diluidos em nossa população, às vezes até com a perda completa das características mais frisantes dos seus ascendentes, com a aquisição das qualidades e até infelizmente dos defeitos de nossa gente.

    E isso aumenta cada vez com o aumento paralelo de nossa confiança em nossa nacionalidade. Ora, se os Schmidts e os Mullers, os Wagners e Hagendorns, os Hasslocher, os Gaffrees e Guinles, os Porchat e Frontins, os Smiths e Darcys, os Dodworths e Himes, os Marchezinis e Sicilianos, etc. etc. foram nacionalizados, porque não o hão de serem os japoneses se os não isolarmos nós do convívio do resto da nacionalidade brasileira.

    Eu mesmo já conheço filhos de japoneses que não falam a língua de seus pais. Só conhecem a nossa língua. É claro que no Japão há publicistas inquietos pela perda dos elementos emigrados em favor dos países que os recebem.

    O mesmo, porém, incorre em relação aos outros povos que são obrigados a emigrar.

    Os remédios indicados para evitar esta ocorrência felizmente nenhum resultado tem dado.

    Os países que recebem os imigrantes vão assim aproveitando os elementos que lhes chegam tratando apenas os mais avisados de fazer a seleção individual dos ádvenas.

    Caso se verifique este cruzamento as consequências serão boas e até excelentes, se cruzarem bons elementos de um ou outro grupo, por isso que os tipos resultantes dos cruzamentos estão quase sempre em relação às qualidades dos elementos que se cruzam. Do estudo que há muito venho fazendo sobre cruzamentos em nosso país, veio-me a convicção de que não devemos tirar regras absolutas condenatórias de tais cruzamentos.

     Sob o ponto de vista biológico e social não condeno a imigração japonesa, pelas razões já alegadas, assim como porque sob o ponto de vista biológico estou certo de que o japonês da segunda geração em diante, nascido no Brasil, será um brasileiro tão afastado do tipo original como o filho e neto do português, do espanhol, italiano, alemão, etc. nascido no Brasil que não se julgam mais ligados, senão excepcionalmente, à pátria de seus pais e avós. Do ponto de vista social não vejo perigo daquela imigração, porque se em seu país de origem são os japoneses da máxima tolerância para as crianças um dos outros, quanto mais os seus filhos nascidos em terras em que esta tolerância também existe.

    Muitos supõem que no Japão só há budistas, xintoístas. É certo que assim não é por isso que a propaganda cristã ali iniciada por São Francisco Xavier deixou vestígios inapagáveis e atualmente ninguém irá fazer desaparecer do solo japonês as religiões cristãs.

    Grande injustiça faz ao Brasil quem dos fatos ocorridos na Coréia tira conclusões a nós desfavoráveis. Em primeiro lugar a proximidade entre o território japonês e o coreano, torna incomparáveis os dois casos. Em segundo lugar aquele recanto da Ásia, cujo atraso era enorme não tem senão tirado lucros inestimáveis do interesse japonês pela sorte daquela região. Além disto é sabido que desta mesma região provieram muitos elementos constituintes do japonês da atualidade. Circunstâncias estratégicas, defesa do próprio Japão, explica de sobra a necessidade de interessar-se esse país pela sorte da Coréia.

    Eis aí o que sinceramente penso destas questões, de acordo com as convicções que cheguei a ter sobre o assunto.

Impressões de uma viagem ao Japão em 1928. (Moreira, Juliano)

Rio de Janeiro, Oficinas Reginaldo Neustadt, 1935.

 

(Impressões do Japão (Conferência feita no Jornal Nichi-Nichi em 28 de novembro de 1928).

 

     Depois de percorrer o Império Nipponico de Norte a Sul, eu sentiria um imenso prazer em externar com minúcias algumas de minhas impressões recebidas durante tão útil travessia. Infelizmente o tempo de que posso dispor na presente palestra sem fatigar o auditório do Tókio Nichi-Nichi não me permitira demorar-me demasiado na tribuna sem abusar de vossa mui benévola attenção.

     Minha vinda ao Japão teve dois principaes intuitos: 1º. Conhecendo por leituras múltiplas a intensa atividade intellectual dos japonezes no seu firme propósito de assimilar tudo o que houver de bom nos outros centros de civilização do mundo inteiro, eu desejava de há muito ver de perto essa actividade, por isso que a considero um exemplo digno de ser seguido por todos os povos que nutrem um justo desejo de concorrer para a maior aproximação das varias nações da terra. 2º. Corresponder à extrema gentileza das varias Universidades do Império Nipponico, assim como de varias associações medicas do Paiz que entenderam convida-me para efetuar conferencias sobre cousas relativas à minha especialidade e seus progressos no Brasil.

     Ao lado desses dous intuitos tinha eu, o propósito de averiguar “de visu” até onde iam as affinidades  ethnicas  do povo japonez com o povo de meu paiz, onde uma grande reserva de ente descendente dos nossos aborígenes torna mais sympathica a vinda ao Japão.

     A quem vive no Brasil uma vinda ao Japão dá a frequente impressão deestar a cada passo encontrando homens seus conhecidos, sobretudo no norte do meu paiz. E isto ocorre não somente pelo aspecto puramente anthropologico como ainda pela frequência de certos gestos e attitudes nos actos da vida quotidiana. Analoga impressão tem tido vários japonezes ao atravessarem sertões de nossos Estados brasileiros sobretudo no norte do paiz.

     Destas e outras circunstancias vae por certo resultar muito efficaz para amb os os povos a corente emigratória japoneza para o Brasil.

     Graças a extrema gentileza das autoridades do Imperio, dos professores das universidades, dos collegas médicos de todas as cidades por onde passei e de varias personalidades de destaque social, consegui ver tudo, ou quase tudo que há digno de ser visitado atravez do Imperio nipponico.

     Bem natural seria por certo que eu me interessasse sobretudo pelos progressos scientíficos do paiz e então minhas visitas às Universidades. Faculdades Médicas, laboratórios, prestassem mais attenção à actividade do trabalho scientífico dos scientistas japonezes. Por toda a parte verifiquei desvanecido que essa actividade tem as proporções que eu previra. Por vezes os edifícios estão abaixo do apparelhamento eficaz nelles contido e do alto merecimento e inexcedível competência dos que lá dentro trabalham. Mas isto é bem melhor do que possuir esplendidos edifícios, sem bom apparelhamento e sem bons técnicos. Aos collegas japo0nezes que chamavam minha atenção para a pobreza de certos edifícios em que continuavam a trabalhar com devotamento, lembrando-me que o grande terremoto ultimo, destruira muita instalação excelente, alegrava-me eu em repetir o que há pouco vos disse. Muito melhor que uma instalação luxuosa sem técnico competente do que um technico perfeito numa instalação medíocre.E bem digno de nota é aliás que a maior parte das grandes descobertas scientíficass foram efetuados em laboratórios muito modestos. Claude Bernard por exemplo, o grande physiologista francez, fez em modestíssimo laboratório uma grande parte das pesquizas fundamentaes da physiologia moderna. Nutro a convicção de que os pesquizadores japonezes, mesmo os que não dispõem de grandes institutos, continuarão a supreender o mundo com as suas pesquizas tão cuidadosas quanto valiosas. O National Research Counsil, organizado em 1920 é uma organização do trabalho científico digno dos maiores applausos e do maior apoio não só dos poderes públicos como ainda dos homens ricos do paiz que devem continuar a mostrar sempre seu patriotismo digno dos maiores louvores, dando aquelle Instituto lementos cada vez mais amplos para maior desenvolvimento das pesquizas scientíficas tão úteis não somente ao Japão como ainda o resto da humanidade.

     Concorrerá assim o Japão com seu valioso contingente moral para a maior approximação e effetivo congraçamento dos povos da terra.

     Não mencionarei em especial os nomes de muitos pesquizadores japonezes que tive a feliz opportunidade de ver em actividade nos seus laboratórios, pois que receio esquecer alguns e prolongaria demasiadamente a presente palestra. De um deles porém seja-me permitido declinar o nome porque representa o typo de pesquisador tão concentrado no seu trabalho que a muitos se afigura por modéstia arredio do convívio do resto dos homens, como se receasse o contacto danninho de gente de preocupações fúteis. Refiro-me ao Professor Honda da Universidade de Sendai a quem parece o jury da Universidade de Oslo vae conferir um dos prêmios Nobel do anno corrente. Cito de preferência Honda e não um dos pesquisadores dos vários ramos da medicina para que não pareça que as affinidades de classe inspiraram minha preferência e, citar um nome entre os grandes trabalhadores do Imperio Nipponico.

     Um outro lado muito sympathico do Japão moderno é seu carinho mui accentuado pela instrucção publica. Visitei escolas desde o Jardim de Infancia até as escolas medias e em todas recebi a maiss agradável das impressões sobre methodos pedagógicos que vão sendo adoptados. Louvabilissima é também a preocupação de cuidar o mais possívelde melhorar cada vez mais o cabedal de saúde das creanças e rapazes. Os gabinetes dentários installados nas escolas novas, com a assistência sistemática aos dentes dos alunos merecem especial louvor. Por toda a parte o velho preceito “mens sana in corpore sano” vae sendo aplicada com o possível vigor de modo a melhorar de mais em mais a vitalidade sadia do povo japonez, que só tem a lucrar e,m valer não somente pelo numero mas ainda pela quantidade de cada um.

     Como membro que sou da Sociedade Internacional de Hygiene Mental e Presidente de honra da Sociedade brasileira de igual título, não poderia eu deixar de ver com muita sympatia todas as manifestações japonezas em prol da hygiene mental. E por isso desde que cheguei ao Japão não tenho perdido opportunidade de visitar escolas e instituições tendentes a melhorar o padrão de saúde do excelente povo que habita o Imperio.

     Há poucos dias fui ver a exposição permanente de hygiene mental feita no palácio da Cruz Vermelha onde, aliás, já existe uma outra exibição permanente de hygiene geral. A de hygiene mental agora posta à vista do público merecia evidentemente, tão bem organizada está, tornar-se permanente para maior aproveitamento dos japonezes que devem ser instigados pela imprensa de Tokio a lá irem e meditarem sobre tão instructiva lição de cousas.

     A benemerente Cruz Vermelha  japponeza por esses e outros serviços que mantem, merece os mais calorosos applausos de todos nós. Das visitas que fiz às suas diversas dependências em especial à escola de enfermeiras, o hospital, a maternidade, levo a mais agradável impressão.

     A direção da Sociedade, representada por sua  Excelência  o Barão Hirayama, o Marquez Tokugawa e as damas protectoras, em nome da Cruz Vermelha brasileira e no meu próprio dirijo daqui minhas mais sinceras felicitações por tudo que já tem obtido fazendo votos para que realizem tudo que projectam realizar para maior gloria de tão benemérita instituição.

     Entre os thesouros do Japão actual há um que merece ser mais conhecido do que é dos forasteiros que aqui aportam. Refiro-me à Bibliotheca Oriental Morison Iwasaki. Denominou-a assim porque o Barão Iwasaki a isto fez jus, adquirindo a magnífica coleção de livros e gravuras sobre a China e toda a Asia, feita em Pekim, pelo Dr. Morison, antigo correspondente do “Times”, acrescentando-lhe novas acquisições que tornam a bibliotheca referida uma das mais ricas fontes de estudo das cousas do Oriente. Com essa acquisição, hoje installada em tão bom e valioso edifício, prestou o Barão Iwasaki à capital do Imperio, um inestimável serviço que lhe deve conferir sem nenhum favor o título de benemérito da cidade.

     Nos últimos dias de minha estadia no Japão, um dos factos que mais me alegraram foi uma visita à nova  Bibliotheca da Universidade Imperial . Pode agora o Japão orgulhar-se de possuir uma das mais bem installadas bibliothecas do mundo. É  a certeza de uqe o thesouro bibliographico que alli vae ser guardado estará preservado de uqalquer destruição por meio de incêndio, causa a todos os amigos do Japão, o mais intenso jubilo ficou ainda mais assignalado Mem minha retentiva por uma circunstancia digna de nota. Apoz três meses de estadia no Japão ainda não havia conseguido ver nitidamente o monte sagrado “Fujiyama”. Do alto da Bibliotheca, de repente divisei no horizonte sem nuvens de um dia glorioso, o olympico Fuji, coroado de neve, nítido e fulgurante sob um céu transparente e límpido na suavidade do seu azul incofumdivel. 

     Entre as cousas dignas de serem exaltadas no Japão, está sem duvida a cultura de perolas. /visitei com extrema satisfação o lugar principal em que se effectua tal cultura. Ao Professor Miyajima que providenciou para que me fosse facilitada tal visita, agradeço-lhe de público tamanha gentileza. Todos vos sabeis o que é a empresa Mikimoto e os extraordinários serviços por Ella prestados aos lugares em que estão as estações de cultura de perolas assim como ao Japão inteiro que tamanho proveito econômico tira dessa cultura. A memória do sábio Kakishi Mitsukuri aos conselhos de Kishinoye e Sasaki assim como a tenacidade patriótica de Kokishi  Mikimoto tenho o prazer de render aqui a mais sincera homenagem.

     Entre as grandes empresas industriaes  do Japão merecem especial  atenção, ao lado das duas grandes Companhias de navegação ultramarina Osaka Shosen Kaisha e a Nippon Yusen Kaisha devo assignalar os estaleiros do Consortium Mitsubishi e as minas de carvão Mike do Barão Mitsui, como dignos de nossa admiração sincera.

     Para o fim deixei muito propositalmente uma palavra ainda que poucas sobre a imprensa do Japão. Todos vós sabeis como se desenvolveu aqui  esta força extraordinária que é a imprensa. O paiz que possue duas empresas como o Nichi-Nichi e o Asahi é positivamente um alto centro de cultura intellectual a que o resto do mundo não pode deixar de prestar o mais sincero preito da mais profunda admiração e estima.

     A cada momento indagam os amigos japonezes qual a cidade do Japão que mais me agradara. Bem se vê a dificuldade de responder a tal pergunta. Nunca devemos olhar as cidades varias que visitamos, com um só prisma. As do Japão ainda mais que as do Occidente porque aqui ainda se não deu a uniformização que no Occidente é cada vez mais. Nara e Nikko pro exemplo, conservam todo o encanto de um cunho japonez puro. Tokio e Osaka se occidentalizaram mui rapidamente e acentuadamente. Kyoto, maravilhoso centro de arte nipponicas porque ellas não precisam da minha vinda aqui para serem julgadas. São lindas no juízo do mundo inteiro. Seria um sacrilegio opinar sobre a obra do creador da natureza.

     Permita-me a Direção do Grande jornal de Tokio, Nichi-Nichi, que eu aproveite a presente opportunidade para agradecer de publico a extrema amabilidade com que fomos recebidos, Madame Moreira e eu nesse maravilhoso paiz. Nós viemos do outro lado do mundo certos do vosso bondoso acolhimento. Tendes porém sabido exceder à nossa expectativa. Às várias Universidades e Faculdades do Japão em que tive a grande fortuna e não menor honra de fazer preleções sobre assumptos de minha especialidade. A Sociedade de medicina, a de psychiatria, à de neurologia de Tokio, ás sociedades medicas de todas as outras cidades do Imperio, sou muito grato pelo carinho cordial com que me receberam.

     A hora em que vos fallo, meus compatriotas mal despertam do somno reparador das fadigas cotidianas. Enquanto elles repousamé preciso que os que estão longe da Patria trabalhem pelos  ideaes  communs. Entre ellles está sem dúvida a confraternização sincera dos povos do mundo inteiro. Partidario convicto deste ideal estou sempre ao serviço de qualquer forasteiro que vive entre nós. Se o forasteiro vem deste Oriente radioso donde veio outrora a mais intensa luz, eu recebo como um emissário de um passado glorioso. Se desse Oriente provem elle do Japão minha alegria pé ainda maior, pois que que vós outros daes ao mundo um exemplo de uma inesgotável força de vontade e de uma extrema confiança no trabalho contínuo e methodico. Tendo eu no momento de ser o Presidente da Academia Brasileira de Sciencias e Vice-Presidente da Academia Brasileira de Medicina, peço-vos permissão para considerar como endereçadas a minha pátria e as sociedades sabias de lá, as amabilidades que me tem sido dispensadas pois que não sou mais do que uma parcella mui insignificante do Brasil, ao qual levarei as boas palavras que aqui me têm sido dirigidas. (Foi mantida a grafia original).

    Uma das manifestações de Juliano Moreira pode ser encontrada na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental ( Rev. Latinoam. Psicopat. Fund. 2005, VIII, 2, 364-369)

A seleção individual de imigrantes no programa da higiene mental

 

http://pt.fundamentalpsychopathology.org/uploads/files/revistas/volume08/n2/a_selecao_individual_de_imigrantes_no_programa_de_higiene_mental.pdf

É uma reprodução do artigo com o mesmo nome publicado nos Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, anno I, p. 109-115, março de 1925.

No artigo era examinada a questão dos imigrantes doentes e era m sugeridas medidas semelhantes às dos Americanos do Norte que estavam alarmados com o número de imigrantes  doentes. Num trecho ele cita:

“Em uma estatística de dez anos (1905-1914) de pacientes admitidos no Hospital Nacional para tratamento de doenças mentais, verificamos que em 7.212 alienados homens, 2.258, isto é, mais de 31% eram estrangeiros. Depois daquela data, a proporção tendendo a aumentar de modo assustador, achei de bom alvitre ampliar o serviço de assistência externa aos pacientes que pudessem ser tratados em domicílio, vindo apenas à consulta no ambulatório do Hospital.”

 

Para encerrar, mesmo sendo um pouco repetitivo, transcrevo uma parte de um artigo publicado por Oda no Psiquiatria online Brasil. Dezembro de 2001 - Vol.6 - Nº 12

História da Psiquiatria: A teoria da degenerescência na fundação da psiquiatria brasileira: contraposição entre Raimundo Nina Rodrigues e Juliano Moreira .

                                                  Ana Maria Galdini Raimundo Oda

III- Juliano Moreira e as causas da degeneração do povo brasileiro

Juliano Moreira (1873-1933), nascido na Bahia, é também designado fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil (diria que, como Nina Rodrigues, ele ocupa lugar entre os "mitos de origem" da disciplina).

Alguns dados biográficos são relevantes: era mulato, de família pobre, precocemente ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, graduando-se aos 18 anos (1891). Já em 1896, era professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da mesma escola. De 1895 a 1902, freqüentou cursos sobre doenças mentais e visitou muitos asilos na Europa (PASSOS, 1975; CARVALHAL, 1997).

Dirigiu o Hospício Nacional de Alienados de 1903 a 1930 e, embora não fosse professor da Faculdade de Medicina do Rio, colaborou na formação de muitos de seus alunos. Ao seu redor reuniram-se médicos que viriam a ser organizadores de diversas especialidades: neuropsiquiatria, medicina legal, pediatria e clínica médica, tais como Afrânio Peixoto, Antonio Austregésilo, Francisco Franco da Rocha, Henrique Roxo, Fernandes Figueira e Miguel Pereira, entre outros (LEME LOPES, 1964).

Sua obra escrita é extensa: no início da carreira publicou estudos nas áreas de sifiligrafia, dermatologia e infectologia. Depois, concentrou-se na área de neuropsiquiatria, escreveu sobre modelos assistenciais e sobre a legislação referente aos alienados, discutiu a nosografia psiquiátrica, estudou as histórias da medicina e da assistência psiquiátrica no Brasil. Sua correspondência com Emil Kraepelin mostra ainda outra faceta sua, o interesse pela psiquiatria comparada (DALGALARRONDO, 1996).

Juliano Moreira também opinou sobre a questão da degeneração do povo brasileiro: porém, ele recusou-se a atribuir à mestiçagem a sua causa, especialmente no que se referia a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação. A posição de J. Moreira era minoritária entre os médicos, nas primeiras décadas do século XX, quando polemizou sobre o assunto com Nina Rodrigues (MOREIRA, 1908, 1922). Outra posição sua, divergente da de muitos alienistas, era a negação de que existissem doenças mentais próprias dos climas tropicais (MOREIRA & PEIXOTO, 1906).

Ressalte-se que a teoria da degenerescência nunca foi colocada em questão por Juliano, mas sim os seus fatores causais. Para ele, na luta contra as degenerações nervosas e mentais, os inimigos a combater seriam o alcoolismo, a sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais adversas; o trabalho de higienização mental dos povos, disse ele, não deveria ser afetado por "ridículos preconceitos de cores ou castas (...)" (MOREIRA, 1922).

Lembremos que, de meados do século XIX até cerca de 1920, o Brasil se definia pela raça, isto é, as discussões sobre o caráter nacional e o futuro da nação passavam pela solução dos problemas atribuídos à miscigenação do povo brasileiro. Já a partir das décadas de 1910/20, o foco passa gradativamente para as doenças do povo brasileiro: o isolamento geográfico, as infestações por doenças parasitárias (como ancilostomose e doença de Chagas) e a triste situação sanitária das populações interioranas explicariam seu atraso e sua apatia (LIMA & HOCHMAN, 1996).

Consoante com esta crença no papel redentor da ciência, Juliano Moreira defendeu que a função mais importante da psiquiatria era a profilaxia, a promoção da higiene mental e da eugenia (ODA & DALGALARRONDO, 2000, 2001). Sobre tal ponto, deve-se ressaltar que a eugenia defendida por J. Moreira (assim como por vários neuropsiquiatras a ele ligados) não era uma eugenia racista. Sem dúvida, seu projeto médico tinha um caráter intervencionista, mas não pode ser identificado à ideologia eugênica nazista. Na falta de melhor termo, a chamamos de uma eugenia sanitarista - e este é um ponto da história da psiquiatria brasileira que está a merecer melhores estudos.

 

 


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