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Julho de 2013 - Vol.18 - Nº 7
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Julho de 2013 - Vol.18 - Nº 7

História da Psiquiatria

A PSIQUIATRIA E SEUS DESAFIOS (2)

Walmor J. Piccinini

Psiquiatria positiva, Psiquiatria de valores, Psiquiatria molecular, genética psiquiátrica, são novas maneiras de se ver a psiquiatria que está num processo de redescoberta dentro de si mesma. Vamos continuar examinando pontos de vista que descortinam novos caminhos que a especialidade irá percorrer.  Num artigo publicado em 2001 na Psiquiatria online Brasil, a partir de observações feitas durante minha estada na Universidade de Michigan, e das apresentações do Congresso americano de 1996 eu registrava algumas mudanças mais evidentes na maneira de ver a psiquiatria.

1. Redução significativa do tempo de internamento.

2. Uso generalizado de psicofármacos.

3. Abandono das psicoterapias de longa duração em favor de técnicas psicoterápicas breves, comprovadas em pesquisa, como a IPT (Interpersonal Psychotherapy de Klerman e Weissmann) e a (Cognitive-Behavioural Therapy de Aron Beck).

4. Integração com as demais especialidades médicas. Interconsulta.

5. Comorbidade.

6. Afastamento da psicanálise do meio acadêmico.

7. Maior precisão diagnóstica.

8. Casos mais graves e presença importante de álcool e drogas.

O que não era previsto foi o desmantelamento da assistência psiquiátrica pública. Os hospitais privados que se afastaram da assistência ao SUS sobreviveram e vão se adaptando a estes novos tempos de planos de saúde. Para os gestores da esfera pública a defesa intransigente do fechamento de hospitais tornou-se uma bandeira de luta contra os psiquiatras e a psiquiatria. Não interessava conhecer a história que mostrava que foram os psiquiatras os primeiros a defender melhores condições de assistência aos doentes mentais. Desconheceram um fato bem apresentado por Ulysses Pernambucano no seu artigo Ser Psiquiatra. O psiquiatra é o defensor dos doentes mentais e assim suas associações e seus membros individuais tem se conduzido.

Um paradigma é um modelo, um sistema organizado de crenças estabelecidas a partir da ciência. A história da psiquiatria pode ser vista através dos seus paradigmas.

Mudanças no Paradigma da Psiquiatria. (como era visto por mim em 1996). Comparamos a Psiquiatria Tradicional com o que chamamos a Nova Psiquiatria.

Áreas em transformação: comparando a Psiquiatria Tradicional com a Nova Psiquiatria.

Algumas das mudanças bem evidentes que observamos são;

1.    Integração com os colegas da área da saúde.

2.    Avaliação e tratamento

3.    Manutenção e Resultados

4.    Prioridades nas pesquisas

5.    Financiamento e apoio).

 

1) Integração (com a área da saúde.)

Psiquiatria Tradicional

Nova Psiquiatria

Diferente da Medicina

Totalmente integrada na Medicina

Isolacionista

Participativa

Ideológica (mente)

Científica (cérebro)

Confidencialidade

Co-tratamento.

Setting (ambiente) psiquiátrico

Settings na comunidade e Cuidados primários.

2) Avaliação e Tratamento

Psiquiatria Tradicional

Nova Psiquiatria

Paciente Internado

ambulatorial.

Longas avaliações

Triagem

"worried well"

Casos mais severos

Tratamentos longos

Tratamentos curtos

Psicoterapia

Abordagem biológica/ biopsicossocial

Psicodinâmica

CBT, IPT e outras.

3) Manutenção e Resultados

Psiquiatria tradicional

Nova Psiquiatria

Doença Reativa

"Lifetime" illnesses

Tratamento episódico

Tratamento de manutenção

Consequências, os estudos interferem.

Consequências, estudos são essenciais.

4) Pesquisa

Psiquiatria tradicional

Nova Psiquiatria

Fundos crescentes

Fundos dimuindo

Temas mecanísticos

Temas sobre serviços e molécula

Pesquisa, ensino e tratamento numa só pessoa.

Pesquisadores indicados e exclusivos

Projetos individuais

Projetos colaborativos

Fundos governamentais

Outras fontes.

5) Financiamento e Suporte.                      

 

Psiquiatria Tradicional

Nova Psiquiatria

Pagamento por serviço prestado

Per capita /gerenciado

Psiquiatria cresce

Cuidados primários crescem

Custos crescentes

Economia de custos

                                          Ambulatorial Triagem e Tratamentos rápidos

Resumindo a Psiquiatria passou a atender doentes e doenças mais complicados. Passou a se basear na neurobiologia, na neurociência e atendendo aspectos biopsicossociais. Tratamentos combinados; Informatizada; Mudanças na forma de enfrentar a doença onde ela é considerada como de duração pela vida do indivíduo. Ênfase na manutenção do tratamento; Acompanhamento dos resultados. Pesquisa molecular com investigadores especificamente dedicados a ela; Forma de pagamento capitated/managed"(isto valia para os EUA. Nosso Ministério da Saúde usa o capitation, o volume de dinheiro empregado é sempre o mesmo não importando o crescimento da população. Esta maneira de adaptar a população a quantidade de dinheiro é que promove a iniquidade no atendimento. Essa fórmula foi empregada pelo ex-ministro José Serra e seguida sem retoques pelos ministros do PT.)

Crescimento nos cuidados primários; Psicoterapias especializadas; Preocupada em diminuir custos. Pacientes vem primeiro, facilitar acesso, discutir o uso da medicação, os para-efeitos.

Obs. Alguns dados aqui referidos fazem parte de uma apresentação interna do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Michigan e não foram publicados. Em 1996, no Congresso de Psiquiatria da APA em Nova Yorque, o Prof. John Greden apresentou no pré-congresso da Society for Psychiatric Informatics o trabalho, "A Informática e o futuro da Nova Psiquiatria. Fiz algumas adaptações mas a ideia de uma nova psiquiatria em tempos de managed care foi expressada por aquele autor.

Todas essas transformações criam ansiedade e temor quanto ao futuro. O profissional se vê diante de uma situação com menos estabilidade, menos segurança, mais pressão, menor autonomia, menos tempo para si, medo de perder o emprego pelo "rightsizing", salários congelados e mais competição.

Diante destas mudanças as reações eram diferentes, alguns as aceitavam sem titubear, eram os Inovadores (Entusiastas); os primeiros a adotá-las (Visionários); a primeira maioria (Pragmáticos); maioria tardia (conservadores); Os lentos na mudança (céticos).

A Nova Psiquiatria é então: Parte integral da Medicina Integrativa; Ciência do Cérebro; ênfase no tratamento combinado; Settings no Atendimento Primário; Links Comunitários.

 

Num artigo publicado no Br J Psychiatry em 2011 (Dec;199(6):439-40) sob o título The Future of Psychiatry, Oyebode, F. e Humphreys, M. afirmam que “Há uma preocupação generalizada entre os psiquiatras que a profissão está em crise e que ela enfrenta uma bateria de desafios internos e externos. Com efeito, alguns observadores questionam se o psiquiatra é uma espécie em extinção”. Contrastando com o pessimismo que parte da Inglaterra, o chefe do NIMH Thomas Insel em abril de 2012 fez as seguintes considerações: “Na semana passada, um pequeno artigo publicado no British medical journal, The Lancet, descreveu uma "crise de identidade" da psiquiatria”. No Reino Unido, o número de estudantes de medicina escolhendo psiquiatria diminuiu mais de 50 por cento desde 2009 e, na última década o número de psiquiatras deixou cair por 26 por cento, enquanto o número de médicos globais aumentou mais de 31 por cento. Noventa e cinco por cento dos postos para médicos Júnior através de todas as especialidades são geralmente preenchidos; as posições da psiquiatria, a partir do verão passado, estavam funcionando mais de um terço e vazio. Na contra-mão da experiência inglesa, nos Estados Unidos,  O número de alunos de MD-PhD escolhendo psiquiatria mais do que dobrou na última década. Este ano, 50 por cento dos estudantes que combinado com a residência de Psiquiatria de Yale foram MD-doutorados. Na Universidade de Columbia, 20 por cento dos residentes de psiquiatria nos últimos anos ter sido MD-doutorados. Em outros programas de residência de psiquiatria, enquanto o número de candidatos não aumentou, o número de doutorados-MD sim. Talvez há uma crise de identidade para a psiquiatria em os E.U., bem como do Reino Unido. Mas a versão dos EUA parece cheia de esperança e entusiasmo, com muitos dos melhores e mais brilhantes agora, decidindo que podem trazer novas abordagens para ajudar as pessoas desafiadas por doença mental”. A neurociência atrai os jovens cérebros e passa a ser vista com um grande potencial para desbravar a mente. O grupo de Pitsburgh destaca essa abordagem num artigo em que a Psiquiatria seria a neurosciência clínica.

“Psiquiatria inclui a avaliação, tratamento e prevenção de distúrbios cerebrais complexos, tais como depressão, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade, esquizofrenia, transtornos globais do desenvolvimento (por exemplo, autismo) e doenças neurodegenerativas (por exemplo, a demência de Alzheimer). Sua missão principal é prevenir e aliviar o sofrimento e o prejuízo causado por estes distúrbios, que representam uma parte substancial da carga global de doenças relacionadas com a deficiência. Psiquiatria é fundamentada em neurociência clínica. Sua missão principal, agora e no futuro, é melhor servido neste contexto porque os avanços na avaliação, tratamento e prevenção de distúrbios cerebrais são susceptíveis de se originam de estudos da etiologia e fisiopatologia baseado em neurociência clínica e de translação. Para garantir a sua plena saúde pública de relevância no futuro, psiquiatria deve também ponte ciência e serviço, garantindo que aqueles que precisam dos benefícios de sua ciência também são seus beneficiários. Para fazer de forma eficaz, psiquiatria como neurociência clínica deve fortalecer suas parcerias com as disciplinas de saúde pública (incluindo epidemiologia), Comunidade e ciência comportamental, saúde e economia da saúde.”(The future of psychiatry as clinical neuroscience. Reynolds CF 3rd et AL).

A história da Psiquiatria tem muito a nos ensinar sobre entusiasmos e frustrações. Nós temos que aceitar que nossa disciplina é controversa, relativamente jovem e evoluindo. Temos críticos ferozes com os mais disparatados pontos de vista. Não podemos, no entanto, deixar de desenvolver uma capacidade crítica sobre a psiquiatria e nós mesmo os psiquiatras.

        A doença mental é um continente envolvido nas brumas do desconhecimento e da ignorância. Qual enigma da Esfinge desafia o conhecimento humano através dos tempos. Em determinado momento se pensou que se os doentes fossem reunidos num local de recolhimento e pacífico, as melhoras iriam ocorrer. Nasceram os asilos. Essa ideia caritativa, com o passar dos anos reproduziu no seu interior os mesmos mecanismos de segregação, violência e maus tratos que eram vividos pelos doentes fora dos seus muros. O fracasso dos asilos levou a ideia de criação de Colônias de recuperação, favorecer a volta do homem no cuidado da terra. Também fracassou. Em meados do século XX apareceram os tratamentos ditos biológicos, Cardiazol, Insulinoterapia, eletroconvulsoterapia que foram recebidos com entusiasmo e com o correr do tempo, com frustração. A sífilis terciária e a consequente paralisia geral progressiva lotava os asilos. Um Nobel de Medicina, em 1927 foi dado a Von Jauregg pela “cura” da demência provocada pela sífilis. Um outro foi outorgado ao Dr. Egas Moniz pela cura da esquizofrenia pela lobotomia. O que veio a mudar este panorama foi a Penicilina. Nos anos 50 começam a aparecer os neurolépticos, depois os antidepressivos. Os asilos, transformados em hospitais começam a diminuir sua população. A Psicanálise revolucionou o atendimento ambulatorial, gerou grande entusiasmo e atraiu muitos jovens médicos para suas fileiras. Os novos antidepressivos, os antipsicóticos atípicos trouxeram novo alento para a psiquiatria. (continua)


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