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Fevereiro de 2013 - Vol.18 - Nº 2
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2013 - Vol.18 - Nº 2

História da Psiquiatria

LUIS SALVADOR MIRANDA SA JUNIOR (19.05.1938 …)

Walmor J. Piccinini

Este mês a Psychiatry on Line Brasil trará para conhecimento dos seus leitores informações sobre um brasileiro digno e com uma obra admirável. Não se trata de uma biografia, mas de notas biográficas sobre alguns trabalhos de Luis Salvador. Psiquiatra em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Professor, Conferencista, Conselheiro do Conselho Federal de Medicina de 2004 a 2009.

Presença constante em todas as atividades associativas da psiquiatria brasileira nos últimos cinquenta anos.  Condensar tudo isto num artigo não será fácil.

 

    Graças a sua intensa atividade político associativa tornou-se presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria no período de 1986 a 1989. Fato em si de grande mérito, pois exercendo sua atividade psiquiátrica na então provinciana Campo Grande, teve seu mérito reconhecido pelos colegas dos grandes centros.

 

    Vamos falar do Luisinho, filho do Luis e neto do Henrique Miranda e Sá.

Filho da Odete e neto da vó Zulmira. Nasceu em Juiz de Fora, cresceu no Recife com passagem por Garanhuns e, finalmente, em1966, estabelecendo-se em Campo Grande, Mato Grosso do Sul com a esposa Julita Antunes de Miranda e Sá.

     Concluiu o Curso Primário em 1949, em Recife. No ano de 1950 ainda estudou um ano em Recife e depois foi para Garanhuns. Do Segundo ginasial ao Segundo científico estudou no Colégio Evangélico XV de Novembro em Garanhuns. Concluiu o secundário no Colégio Americano-Batista do Recife em 1958. No ano seguinte foi aprovado no vestibular no curso medico da Faculdade de Ciências Médicas. Seu interesse pela psiquiatria se manifestou muito cedo e sempre sob a influência de José Lucena e José Octávio de Freitas Júnior. No ano de 1964 fez estágio de especialização sob a direção de José Lucena. Inquieto, envolvido nas questões sociais, teve que se afastar do Recife e a cidade escolhida foi Campo Grande no Mato Grosso. Mais  tarde ela viria ser a capital do novo Estado do Mato Grosso do Sul. Pioneiro, desbravador, acompanhou e participou do crescimento desta Linda capital do Centro-Oeste.

    O exílio em Campo Grande o poupou de inúmeros dissabores e permitiu que tivesse uma carreira acadêmica bem sucedida. Com muito entusiasmo é chefe do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Campo Grande desde 1968. Neste serviço formou inúmeros profissionais e permanece numa luta continua para mantê-lo. Mesmo longe das crises sofreu as consequências de sua opção política. Homem de esquerda, ligado às forças democráticas, foi demitido e depois reintegrado como professor titular de Clínica Psiquiátrica do Centro de Ciências Biológicas de Campo Grande.

    Em 1970 conquistou o título de especialista em psiquiatria (TEP) emitido pela AMB e ABP. Em 1993 tornou-se Livre docente em Psiquiatria pela Universidade Gama Filho do Rio e Janeiro.

    Sua carreira politico-associativa começou com a fundação e primeira presidência da Associação Sul Mato-grossense de Psiquiatria no período de 1979-80.

Foi Secretário Geral da ABP no período de 1983-86. Nesta mesma época acumulou a presidência da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental (1983-1985). Na condição de presidente da SNPHM presidiu o XVII Congresso Nacional de Neurologia Psiquiatria e Higiene Mental em Campo Grande no ano de 1985.  Como presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria articulou a fusão das duas associações e a SNPHM se tonou o Departamento de Medicina Social da ABP.

    A vida o levou a se interessar por muitas áreas ligadas a psiquiatria, seja por interesse próprio, seja pelas oportunidades que foram se abrindo para ele tornou-se um profissional eclético e estudioso de muitas áreas, sempre com excelência. Semiologia Psiquiátrica, Clínica Psiquiátrica, Psiquiatria Forense e Medicina Legal, Psicopatologia, Psicologia do Excepcional, Higiene e Medicina Preventiva, Psiquiatria Social, Doenças Profissionais em psiquiatria, Saúde e sociedade, Políticas de Saúde Mental.

    Estes títulos obtive dos vários cursos que ministrou e são assuntos em que ele foi convidado a falar em Jornadas e Congressos da Especialidade.

     Olhando de maneira prática poderia destacar três áreas em que se dedicou nos últimos anos: Na defesa da atividade medica em geral com uma atuação destacada como conselheiro do Conselho Federal de Medicina, como Editor da Revista Bioética e como um dos principais artífices da proposta do Ato Médico. Na ABP sua permanente atividade na defesa de princípios técnicos e éticos no desempenho da profissão de psiquiatra. Na área de ensino tem vários livros debatendo a psicopatologia, o diagnóstico psiquiátrico e o futuro da especialidade.

    A maneira com se expressa é pensada, didática, preocupa-se em elucidar termos, estabelecer um entendimento consensual com seu leitor. O mau uso das palavras e o desconhecimento da sua origem são fonte de incompreensões.

Ao falar sobre a prática da medicina ele destaca que “Diagnosticar doenças e tratar doentes são as características mais essenciais do trabalho medico”. “O diagnóstico é o alicerce essencial da medicina, pois sua relação com a terapêutica é praticamente absoluta”.

    A preocupação em estabelecer critérios para a compreensão do Ato Médico que tem suscitado tantos debates, alguns desprovidos do mínimo conhecimento o levaram a escrever sobre o básico da profissão médica e sobre a medicina. Examina três dimensões da atividade médica que lhe são próprias: a humanista, a profissional e a tecno-científica. Segundo Luis Salvador, a medicina acumula quatro identidades sociais superpostas: a profissional, a científica, a econômica e a institucional. A principal missão institucional da medicina é a prestação da assistência aos enfermos em todos os seus aspectos, mas notadamente no que se refere à feitura do diagnóstico das enfermidades e a prescrição terapêutica.  

    O diagnóstico psiquiátrico designa um tipo de diagnóstico medico atribuível a um paciente psiquiátrico. Ele se diferencia do diagnóstico psicológico porque este por se referir às características psíquicas e comportamentais das pessoas sem patologia são atribuíveis a todos. Enquanto o diagnóstico psiquiátrico só se aplica as pessoas com enfermidades.

    O procedimento profissional de diagnosticar uma enfermidade deve realizar-se sempre como ato profissional da medicina, um Ato Médico. O diagnóstico medico não se reduz a um procedimento estritamente técnico, também envolve, quase sempre uma interação interpessoal, a relação médico-paciente.

    As ligações de amizade de Luis Salvador são muitas, mas com alguns foram especiais, entre eles Othon Bastos. Na apresentação do livro de Othon, “História da Psiquiatria em Pernambuco e outras Histórias” (1ª. Ed.2002 Lemos editorial), faz uma declaração de muito afeto ao mesmo. Refere-se à Othon Bastos como irmão adotivo por eleição mutua e sobre ele diz que, não é necessário bem querer para identificar seus méritos e reconhecê-lo como o excelente psiquiatra que é. Sábias palavras que retribuo ao autor delas que também é objeto do nosso bem querer. Daquela apresentação podemos destacar sua síntese de princípios que o norteiam e que considera oriundos da Escola Psiquiátrica do Recife, moldada por Ulysses Pernambucano, José Lucena, Arnaldo Di Lascio e José Otávio de Freitas entre tantos outros. São eles: Cientificidade Rigorosa. Largueza e liberdade de visão. Humanismo. Humanitarismo. Tolerância com a diferença. Perspectiva biopsicossocial. Consciência política. Identidade Médica.

    A Consciência política é que o levou a participar da Declaração de Cambo riu junto do João Romildo Bueno e tantos outros. Suas ideias podem ser encontradas nos Cadernos de Saúde Pública, v3n3de 1987 (RJ).  Diretrizes para a política de saúde de um governo popular e democrático. Na época, era presidente da ABP e dava continuidade a um trabalho feito com João Romildo Bueno e outros.

Sua luta pelo Ato Médico, sua paciência em examinar todos os ângulos da atividade médica está registrada na sua alentada bibliografia que relacionamos no Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria.

Bibliografia de Luis Salvador de Miranda Sá Júnior com alguns resumos:

1. Laks, Jerson; Werner Junior, Jairo, and Sá Júnior, Luis  Salvador de Miranda. Forensic psychiatry and human rights along the course of life: children, adolescents and elderly.  Rev. Bras. Psiquiatr.  2006; 28 (suppl. 2): s80-s85.
Abstract: OBJETIVO: Crianças/adolescentes e idosos são alvo fácil para atos de violência, seja por sua fragilidade e dependência, seja por não serem considerados testemunhas confiáveis para denunciar os casos de abuso e maus-tratos. Temas como violência, capacidade civil e responsabilidade penal de crianças, adolescentes e idosos guardam correlações interessantes de serem avaliadas. Esse artigo faz uma revisão crítica do tema, compara e discute os Estatutos da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso no Brasil. DISCUSSĂO: Os abusos ou maus-tratos podem ser examinados a partir de dois aspectos: 1) fatores preditivos para sua ocorrência (perfil do abusado e do abusador) e 2) agravos ŕ saúde física e mental. CONCLUSĂO: O Brasil conta hoje com legislação avançada para proteção dessas populações vulneráveis e o tema de violência e maus tratos contra crianças e idosos deve ser parte da preocupação de clínicos e psiquiatras que tratam desses pacientes.

     2.    Sá Junior, Luis Salvador. Atos Profissionais e Atos Médicos. R. Medicina. 2000; 15(113): 8-9.

     3.    Sá Junior, Luis Salvador de Miranda. As ideologias científicas e o Diagnóstico Médico-psiquiátrico. J. Bras.Psiquiat. 1994; 43 (12): 633-640.

     4.    ---. Desconstruindo a Definição de Saúde. R. Medicina. 2004; 20(150): 15-16.

     5.    Sá Junior. Luis Salvador de Miranda. Diagnóstico Psiquiátrico. In: Bueno. J.R. e Nardi, AE., Diagnóstico e Tratamento Em Psiquiatria,  Ed. Medsi, Belo Horizonte, MG. 2000:1-37.

     6.    Sá Junior, Luis Salvador de Miranda. Evolução do Conceito de Ética Médica. R. Medicina. 2001; 16 (129): 8-9.

     7.    ---. Formação do Profissional de Saúde Mental para a Realidade Brasileira. R. Vivencia. 1980; 6(1).
Notes: Maceió

     8.    ---. Fundamentos de Psicopatologia. Ed. Atheneu, Rio De Janeiro. 1988.

     9.    ---. Julgar e Linchar. R. Medicina. 2002; 8(132): 13-14.

   10.    ---. Manual de Propedêutica Psiquiátrica e Psicopatologia Básica. Ed. Da Revista Médica Da Santa Casa e Editora Atheneu, Rio De Janeiro. 1980:1-236.

   11.    ---. Medicina e Negócios. R. Medicina. 2000; 15(119/120): 24.
Notes: Brasília

   12.    ---. A nova lei da assistência Psiquiátrica. R. Medicina. 2001; 16 (129): 8-9.

   13.    ---. O que pensa o estudante de medicina sobre o Ato Médico. R. Medicina. 2004; 20(147): 23.

   14.    ---. Prática Psiquiátrica. Diálogo Social, Panamá. 1982; 15(146).

   15.    ---. A Psiquiatria no Hospital Geral. Revista Médica Da Santa Casa, Campo Grande. 1978(2): 59-76.

   16.    ---. A Revista Bioética como instrumento de Educação continuada. Bioética. 2003; 11(2): 73-80.

   17.    Sá Junior, Luis Salvador de Miranda and Ferrari, Andréa Monné. Transtornos Mentais Orgânicos.  In Taborda, J.G.V., Chalub, M., Abdalla-Filho. E., Psiquiatria Forense, Ed. Artes Médicas, Porto Alegre. 2004: 257-289.

   18.    Sá Júnior, Luiz Salvador de Miranda. Diretrizes para a política de saúde de um governo popular e democrático. Cad. Saúde Pública. 1987.
Notes: Conferência: Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

   19.    Sá Júnior, Luis Salvador de Miranda. Alcance social e político do uso de neurolépticos e a questão da propaganda e da vigilância desses medicamentos no Brasil. Rev. ABP. 1983; 5(16): 18-21.

   20.    ---. Breve histórico da psiquiatria no Brasil: do período colonial à atualidade. R. Psiquiatr. RS. 2007; 29(2).
Notes: Editorial a convite
Abstract: Sob a designação de psiquiatria incluem-se três tipos de conceitos diversos, apesar de correlacionados: a assistência, o conhecimento e o ensino do conhecimento psiquiátrico. Como não é possível abarcar todo esse universo, trataremos aqui e agora apenas de um aspecto do primeiro conceito: a assistência psiquiátrica pública.
A assistência aos doentes no Brasil colonial era extremamente precária. A maior parte dos cuidados era prestada por curandeiros de todos os matizes, inclusive sacerdotes católicos (especialmente os jesuítas). Os médicos formados eram raríssimos, e mesmo os cirurgiões e barbeiros licenciados dificilmente eram encontrados, a não ser nos centros maiores, e serviam principalmente as pessoas importantes. Não havia especialistas em psiquiatria, mas os hospitais da Irmandade da Santa Casa abrigavam,  mais que tratavam, os enfermos mais necessitados. Sem casa e sem recursos - ou sem eira e sem beira, como se dizia na época. Sem eira porque não tinham propriedades rurais, nem beira, ou uma casa, um telhado com beiral sob o qual pudessem viver. Os mais pobres de todos não tinham onde cair mortos, ou seja, não tinham um túmulo em uma igreja onde pudessem ser sepultados para fugir à vala comum. Os enterros "decentes" só começaram a ser feitos fora das igrejas no século XIX. Os hospitais, até o século XVIII, confundiam-se com albergues para pessoas doentes que não tivessem quem cuidasse delas. Os hospitais das Irmandades das Santas Casas de Misericórdia acolhiam e albergavam esses doentes em condições sanitárias muito más, mesmo para aquele momento histórico-social.
Foi entre o fim do século XVIII e início do XIX, com o avanço do conhecimento científico e da consciência social, que a medicina começou a tomar a forma atual. A Revolução Francesa, no plano político, e os avanços científicos relacionados com a Revolução Industrial, no plano econômico, foram às influências mais significativas desse processo. Foi quando a assistência aos doentes mentais se tornou médica. Surgiu na França, com a reforma patrocinada por Pinel e instituída por Esquirol, e que serviu de modelo para as transformações na assistência psiquiátrica de todo o mundo ocidental. Foi quando a assistência aos doentes mentais se transformou em responsabilidade médica e estatal. No Brasil, também foi aí que nasceu a assistência psiquiátrica pública, já reformada segundo os valores da época.
O Brasil sofrera grandes transformações socioeconômicas e políticas. A corte portuguesa se mudara apressadamente para o Rio de Janeiro, tangida pela invasão das tropas napoleônicas; o país deixara de ser colônia e fora transformado em reino unido com Portugal e Algarve, o que representou uma enorme promoção em seu status político. A abertura dos portos, o fim da proibição de atividades econômicas e educacionais que havia caracterizado o regime colonial dera origem a uma nova situação econômica, cultural e política. A Independência, a superação da monarquia absoluta e a adesão ao liberalismo econômico marcaram esse momento e se refletiram em todos os aspectos da vida nacional - inclusive na assistência psiquiátrica.
O início da urbanização, premissa e consequência dessa transformação, mudou a fisionomia do Rio de Janeiro, de Ouro Preto e Salvador (únicas cidades brasileiras dignas de serem consideradas "urbanizadas") e, por outro lado, criou, ampliou e expôs novos problemas sanitários. Um deles dizia respeito aos enfermos psiquiátricos, que, se eram inoperantes nas pequenas comunidades rurais, tornavam-se visíveis e perturbadores no meio urbano. Cuidar deles se transformou em um ônus difícil de ser suportado até pelas famílias, tanto no plano objetivo como no subjetivo.
O Hospício do Rio de Janeiro foi inaugurado como parte da comemoração da Declaração da Maioridade do Imperador Pedro II e já nasceu moderno, pois seguiu o recém-instituído modelo francês e serviu de paradigma para os demais que o seguiram. Era um estabelecimento médico voltado para a recuperação dos doentes. O Hospício do Rio hoje é utilizado como Reitoria da UFRJ. Trata-se de um palácio mais suntuoso que qualquer outro da época, mais que o Palácio Real da Praça Quinze ou o de São Cristóvão, tendo sido equiparado pelo Palácio Guanabara, edificado para servir de morada a D. Isabel, princesa herdeira, quando de seu casamento, muitos anos após. Coisa semelhante se deu nas províncias. A exemplo do caso do Rio, muitos desses hospitais eram palácios maravilhosos para a época.
Esses são os fatos acerca das enfermidades mentais graves que, curiosamente, deram origem a duas interpretações opostas. Os historiadores otimistas os explicam como sendo fruto da caridade cristã, do desejo de minorar o sofrimento alheio, de solidarizar-se com quem padece uma doença que todos temem. Os pessimistas, por sua vez, atribuem-nos ao desejo de esconder a miséria e a loucura, de aumentar o sofrimento do sofredor. Provavelmente, ambos têm parte da verdade.
A despeito dos prédios majestosos, a falta de recursos eficazes para o tratamento dos doentes e a pobreza de sua clientela determinaram sua progressiva deterioração e declínio, ainda que o aumento da população enferma exigisse a expansão do sistema, com a ampliação de suas unidades. Entre os anos 20 e 30 do século XX, deu-se o primeiro esforço de reforma: Juliano Moreira e Ulisses Pernambucano foram os primeiros artífices. Ulisses diferenciou os serviços de psicóticos agudos dos crônicos, instituiu um serviço aberto para tratamento em regime de pensão livre, criou um sistema de educação especial e um serviço de saúde mental. Mas não viveu o bastante para ver prosperar sua obra nem para assistir à degradação de sua criação.
À medida que a falta de remédios específicos para os enfermos psiquiátricos continuava, o processo de degradação da assistência psiquiátrica pública no Brasil, tal como no resto do mundo, prosseguia e se aprofundava. A degradação só poderia ser detida com a descoberta dos fármacos psicotrópicos, que possibilitaram o efetivo enfrentamento das enfermidades mentais. Foi à revolução psicofarmacológica. À penicilina, que tratava efetivamente à sífilis, acrescentaram-se os neurolépticos e os antidepressivos, que transformavam os portadores das grandes psicoses em pacientes ambulatoriais. Mas tal avanço implicou outro problema: a assistência psiquiátrica pública se dividiu em duas: a assistência patrocinada pelo Estado e aquela mantida pela previdência social pública, que se multiplicou movida única ou predominantemente pela busca de lucro. O doente mental se transformou em uma fonte inesgotável de lucro para empresários que viviam dessa condição.
No plano da assistência pública direta, a tônica do enfrentamento desse problema residiu na tentativa de ambulatorização do tratamento. O Serviço Nacional de Doenças Mentais, desde a primeira gestão, do Professor Jurandyr Manfredini, encetou outra tentativa de reforma, elegendo como principal meta a substituição da hospitalização pela assistência ambulatorial. Nos anos 50 e 60, esses recursos se multiplicaram, principalmente em unidades sanitárias e como anexos de hospitais psiquiátricos públicos. A principal crítica a esse sistema era a manutenção da segregação do enfermo e da enfermidade psiquiátrica, além dos cuidadores da rede de assistência. Os Colóquios de Psiquiatria Assistencial e Preventiva que se davam nos congressos da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental do Brasil testemunharam esse esforço, que não foi adiante porque o Estado Brasileiro era decididamente privatista nessa área. Por isso, na assistência previdenciária, o processo correu na direção oposta: a hospitalização foi priorizada unicamente porque era mais lucrativa para quem a promovia. Esse fato se refletiu na assistência pública direta, uma vez que se transformou em paradigma terapêutico na consciência social e na ideologia de muitos terapeutas. Deu-se também o fenômeno de transferência de pacientes desospitalizados na rede pública para serem internados em serviços credenciados pela previdência social pública. Essa situação foi muito agravada pela instituição da ditadura militar e pelo avanço ideológico neoliberalista, sobre o qual muito já foi relatado.
A Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), sob o comando de Hamilton Cerqueira, secundada pela ABP e apoiada nos organismos federais e estaduais, lideraram uma tentativa de reforma que colocasse o avanço técnico a serviço dos pacientes. Carlos Gari de Faria foi o componente gaúcho dessa tentativa, que iniciou um vigoroso processo de transformação responsável da assistência psiquiátrica.
Com a derrocada da ditadura, criaram-se condições para uma reação mais eficaz, não fosse pela divisão dos esforços reformistas. A reação à má assistência psiquiátrica se deu em três planos frequentemente antagônicos: o plano médico-psiquiátrico, o plano antipsiquiátrico e o plano tecnocrático. A reação psiquiátrica foi realizada pela ABP, a antipsiquiátrica foi encarnada por agentes de tendências anarquistas abrigadas no Partido dos Trabalhadores, e a reação burocrática esteve representada pelos dirigentes de serviços públicos e alguns agentes do chamado Movimento Sanitarista. Todos enfrentavam a poderosa Federação Brasileira de Hospitais, que sustentava a manutenção do quadro existente.
A ABP preparou um Projeto de Lei para estabelecer o que seria um Estatuto do Enfermo Psiquiátrico, que previa a desospitalização progressiva, à medida que fossem instalados serviços de cuidados primários (nas unidades sanitárias), secundários (nas policlínicas e hospitais gerais) e terciários (hospitais especializados e centros de habilitação e reabilitação), todos integrados na rede geral de assistência médica e social (integração que se considerava essencial para prevenir a discriminação e a exclusão).
Essa proposta foi atropelada pelo Projeto Paulo Delgado, fortemente apoiado, já de saída, pelos partidos de esquerda, por amplas camadas do movimento médico, pelo movimento sanitarista e pela burocracia sanitária federal. Os antipsiquiátricos responderam com esse projeto, de cunho atécnico e antimédico, que obstou a tramitação do plano da APB: passaram-se 10 anos até que o projeto fosse aprovado, e ainda assim quase inteiramente descaracterizado. Pode-se crer que os burocratas apoiaram o projeto anarquista porque ele era menos dispendioso e permitia que o poder federal repassasse o encargo para os municípios, livrando-se das responsabilidades que havia assumido desde 1930.
Aí acabam-se os primórdios e inicia a atualidade.

   21.    ---. Classificação e Diagnóstico Fenomenológico das depressões. J. Bras. Psiquiat. 1983; 32(6): 351-8.
Abstract: O autor faz uma revisão sobre a classificação e o diagnóstico das depressões a partir das ambiguidades do seu conceito no cotidiano até a diferenciação entre depressão-sintoma, síndrome depressiva e depressão-doença.A presença de depressão como sintoma essencial ou acessório em diversas condições clinicas é também avaliada. A classificação clinica das síndromes depressivas, desde as nosológicas, as propostas pela CID e as que se interessam pela intensidade do quadro clinico ou com o seu curso são revistas ao lado de uma classificação fenomenológica das síndromes depressivas. Baseado nesses estudos, o autor propõe diretrizes para o diagnóstico das depressões, avaliação dos sintomas, valorização das formas de evolução presença de queixas somáticas, intensidade da síndrome e avaliação de fatores biológicos, psicológicos e sociais intervenientes na síndrome depressiva.

   22.    ---. Compendio de Psicopatologia e Semiologia Psiquiátrica. Porto Alegre. Edit. Artmed. 2001:1-376.

   23.    ---. Ética do professor de Medicina. Rev. Bioética. 2009; 10(1).

   24.    ---. Fundamentos da Psicopatologia. Rio De Janeiro, Ed. Atheneu. 1988.

   25.    ---. Hospital e hospitalização em psiquiatria. Divulg. Saúde Debate. 1997; 18(1): 77-86.
Abstract: Traça a longa história do desenvolvimento do hospital, como componente das instituições sanitárias, desde as dos romanos até as de hoje, fazendo o paralelo entre a prática médica dominante e a hospitalização, identificados os aspectos do ostracismo e do asilo, até o aparecimento do hospital terapêutico. Finalmente, caracteriza a grande conquista moderna da inclusão do paradigma terapêutico na assistência psiquiátrica e da institucionalização da internação, resultando na humanização da assistência.

   26.    ---. Ideologias científicas e o diagnóstico médico-psiquiátrico. J. Bras.Psiquiat. 1994; 43(12): 633-640.

   27.    ---. O Diagnóstico Psiquiátrico. Rio De Janeiro, Ed. Cultura Médica. 1993.

   28.    ---. Possibilidades de uma Psiquiatria Democrática na América Latina. J. Bras. Psiquiat. 1982; 31(6): 373-6.
Abstract: A autor faz uma revisão dos modelos assistenciais psiquiátricos vigentes e propõe uma democratização da prática psiquiátrica tendo-se em vista o universo latino- americano. São descritos três sistemas de atendimento: um que serve a minoria monetariamente afluente (5 a 12% da população); a clientela previdenciária que é atendida em hospitais privados e ambulatórios sobrecarregados orientados por objetivos lucrativos e o terceiro sistema que é constituído pela assistência pública, eminentemente asilar. A democratização do atendimento psiquiátrico prevê uma horizontalização do planejamento, a constituição de equipes psiquiátricas multidisciplinares e a participação ativa da população atendida.

   29.    ---. Psicopatologia e Propedêutica. São Paulo, Ed.Atheneu.  1984.

   30.    ---. Psiquiatria e Sociedade. Encontros Com a Civilização Brasileira. 1980; 27: 121-130.

   31.    ---. A psiquiatria no contexto brasileiro. Rev. Neurobiologia, Recife. 1978; 41: 123-130.

   32.    ---. Síndrome de Burnout: doença profissional que causa estresse e até mesmo a incapacidade total para as atividades laborais. Jornal Trabalhista Consulex. 2003; 20(955): 8-9.

   33.    Sá Júnior, Luis Salvador de Miranda; Bayardo, E. and Bayardo, G. Ética na Perícia Psiquiátrica. In: Moraes, T. Ética e Psiquiatria Forense. Rio De Janeiro: IPUB-CUCA. 2001.

                34.           Sá Júnior, Luis Salvador de Miranda and Martins, Mary Dayse Kinzo. Algumas considerações acerca dos programas de saúde mental. Rev. Neurobiologia, Recife.  1975; 38(4).

 

    Espero ter dado uma pequena amostra do trabalho deste grande psiquiatra e que tenhamos oportunidade de ampliá-lo e completá-lo.


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