Junho de 2013 - Vol.18 - Nº 6 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Junho de 2013 - Vol.18 - Nº 6 Psiquiatria Forense INTERNAÇÕES INVOLUNTÁRIAS EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DOS PACIENTES Quirino Cordeiro (1) O presidente
do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas (CONED) solicitou parecer do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) sobre a
pertinência da realização de internações involuntárias de pacientes com
dependência química em comunidades terapêuticas. A referida consulta ao CREMESP
deu-se pelo fato de o CONED estar elaborando revisão em seu manual de
orientação para instalação e funcionamento de comunidades terapêuticas no
Estado de São Paulo. Diante
da consulta 49.917/2013, o CREMESP emitiu Parecer que foi aprovado por sua
Câmara Técnica de Psiquiatria em 27/04/2013, e por sua Plenária em 30/04/2013. O
Parecer do CREMESP começa apresentando um histórico do surgimento das
comunidades terapêuticas para o tratamento da dependência química, abordando aspectos
de seus primórdios, bem como suas principais referências teóricas. Fica claro
que as comunidades terapêuticas surgiram como uma alternativa para o tratamento
de pacientes com dependência química, baseando suas práticas terapêuticas em princípios
de recuperação, resgate da cidadania, reabilitação física e psicológica, bem
como de reinserção social. Da maneira como são conhecidas contemporaneamente,
as comunidades terapêuticas começaram a se estruturar no mundo no início da
década de 50, expandindo-se para o Brasil no final da década de 70. Segundo o
Parecer do CREMESP, “para conseguir lidar com a demanda de dependentes a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Secretaria Nacional
Antidrogas (SENAD) editaram uma primeira resolução que foi capaz de
regulamentar o funcionamento de todas as comunidades terapêuticas existentes no
país - Resolução 101, de 30 de maio de 2001”. No
Brasil, há mais de 3.000 comunidades terapêuticas, sendo que parte delas é
filiada à Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT). “Porém,
há um número significativo de não filiadas, para as quais a ANVISA, através da
Resolução da Diretoria Colegiada - RDC. nº 101 - de 30 de maio de 2001, exigiu
o funcionamento através de regulamentação, normas e fiscalização…,
submetendo-as aos Conselhos Federais, Estaduais e Municipais sobre drogas e à
Vigilância Sanitária”. Entretanto, “a ANVISA publicou a RDC 29 (2011),
revogando a RDC 101 (2001) e literalmente flexibilizou
todas as regras que as comunidades terapêuticas deveriam seguir… A primeira resolução, relativa às comunidades foi
publicada no mesmo ano que a Lei 10.216, o que permite inferir que foi uma
tentativa de levar os avanços da legislação antimanicomial aos portadores dos
transtornos relacionados ao uso de substâncias – uma vez que o tratamento em
comunidade terapêutica já traria a conotação do acolhimento psicossocial em
detrimento das ações psiquiátricas tradicionais. A segunda, dez anos depois,
literalmente distorce a boa prática de atenção às drogas e mesmo a própria
reforma da assistência psiquiátrica, não se preocupando com a
institucionalização do dependente químico, ignorando o portador de comorbidades
graves, não definindo critérios mínimos de funcionamento das comunidades”. A
RDC da ANVISA, datada de 2011, adota os seguintes critérios para funcionamento
das comunidades terapêuticas para o tratamento da dependência química: “1- Não
existe mais limite para número de internos; 2- Não existe mais definição de
tamanho dos alojamentos ou mesmo especificações para tais; 3- O responsável não
tem de ser necessariamente da área de saúde; 4- Há nítido afrouxamento nos
critérios de elegibilidade para internação; 5- Deixa a cargo das Vigilâncias
Sanitárias locais e Conselhos sobre drogas, sejam municipais ou estaduais, a
definição das regras específicas; 6- Reforça a idéia de tratamento voluntário”.
Sendo assim, diante desse cenário, em que pese a maior
flexibilização que a ANVISA colocou para o funcionamento das comunidades
terapêuticas, as mesmas precisam obedecer à orientação para que seus pacientes
sejam admitidos de maneira voluntária para seu tratamento. Com isso, a ANVISA
manteve a idéia original das comunidades terapêuticas que é baseada no
tratamento pela adesão voluntária dos pacientes. No
entanto, o próprio Parecer do CREMESP admite que há
flagrante desrespeito e descumprimento da orientação da ANVISA no que tange à
voluntariedade das admissões de pacientes nas comunidades terapêuticas no
Estado de São Paulo. O documento afirma que “provavelmente a maior concentração
de comunidades terapêuticas do país há alguns anos é Mairiporã/Atibaia/Bragança
Paulista e Vargem Grande/Nazaré Paulista/Perdões, e as frequentes
denúncias de maus-tratos, sequestros, agressões,
cárcere privado e abusos em comunidades que possuem alvarás de funcionamento
comprovam que muitas dessas escapam à fiscalização das Vigilâncias Sanitárias
locais”. Diante
do exposto, o Parecer do CREMESP lamenta a situação de funcionamento atual das
comunidades terapêuticas para o tratamento de dependents
químicos. Relata que, “como ocorreu uma flexibilização
importante no regramento das comunidades terapêuticas, consolidou-se a sua
identidade como não pertencente ao campo da medicina e da saúde. Houve uma
clara exclusão do procedimento médico de admissão do interno com riscos para
este quando em situação de agravos à saúde física e mental. Assim, a admissão
involuntária nas comunidades terapêuticas se torna uma ameaça aos direitos
humanos na medida em que não há uma avaliação médica prévia que justifique essa
modalidade de “internação”, conforme regula a Lei 10.216/2001, Art. 8º: A
internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se
localize o estabelecimento”. Desse modo, como as comunidades terapêuticas têm “sua
identidade como não pertencente ao campo da medicina e da saúde”, não havendo,
por isso, necessidade de avaliação médica para a admissão de pacientes, a
internação involuntária em suas dependências contraria a Lei 10.216/2001,
podendo se configurar como situação de cárcere privado.
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