Janeiro de 2013 - Vol.18 - Nº 1 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Janeiro de 2013 - Vol.18 - Nº 1 Artigo do mês
UMA ALTERNATIVA À LIBERAÇÃO DA MACONHA
Paulo Marchon Resumo O autor propõe modificação da lei atual: só o governo produziria maconha e a
venderia aos dependentes, em Postos de Saúde.
Vigoraria o restante da lei atual: proibição de uso público, portá-la
em qualquer ambiente que não fosse o trajeto do Posto de Saúde em que está
inscrito o dependente até sua casa, etc. Adulto que se considerasse dependente da maconha poderia se inscrever no Programa
Nacional de Dependentes. Estrangeiros só naturalizados. Uso por turistas
seria crime. Os inscritos no PND assistiriam DVDs educativos. Após um período
quem não estivesse inscrito no Programa Nacional de Dependentes e continuasse
usando maconha estaria expondo-se à lei. Quem vendesse ou comprasse maconha que
não fosse no Posto de Saúde e de agente governamental, em qualquer
circunstância, seria considerado traficante. As autoridades estariam
proibidas de se inscrever no PND. Palavras-chave: Maconha,
produção e venda governamental, Programa Nacional de Dependentes. Desde os tempos homéricos e, por
certo, muito tempo antes, o ser humano desejava esquecer todos os males através
de um calmante, de uma droga. Nesse
momento, Helena, filha de Zeus, concebeu
novo plano. No vinho da cratera, donde
bebiam, lançou de súbito uma droga, um
calmante da dor e do ressentimento, que fazia esquecer todos os males. (1) Era pensamento, há uns decênios atrás, que as "drogas" teriam
sido o mais terrível veneno descoberto pelo ser humano. Temia-se, então, a
criminalidade derivada diretamente da "droga" e, por isso, estudos
eram realizados para se poder determinar se a maconha, por exemplo, era uma
droga criminógena ou não. Os estudos não deram apoio declarado a tal hipótese.
Hoje, cogita-se do "crack" exercer tal efeito, porém as verdadeiras
drogas criminógenas seriam o poder e o dinheiro. E as drogas do tipo da maconha
permitem um acesso fácil aos dois: dinheiro e poder. Qualquer rapazola de
comunidade pode tornar-se chefe de um bando de bandidos que dominam a venda das
drogas e juntos matam, se matam, torturam, trucidam pai, mãe, filho, ignorando
quaisquer ameaças da Lei e da Ordem, desprezando todos os sentimentos de
dignidade que também caracterizam o ser humano. A extraordinária sucessão de jovens pobres de comunidades que ascendem
ao estrelato da riqueza e do poder, que a reserva de mercado das drogas
permite, e que são dizimados, um a um, pelos policiais, pelas mortes nas prisões
ou pelos adversários, mostra-nos como esses rapazes são seduzidos pela
facilidade em atingir essas conquistas, que a lei das drogas atual favorece. O adágio popular "a ocasião faz o ladrão" tem sua lógica, ou,
se pudermos ouvir José Saramago, em Ensaio
sobre a Cegueira (2), teremos uma perspectiva mais adequada: Os cépticos acerca da natureza humana, que são muitos e teimosos, vêm
sustentando que se é certo que a ocasião nem sempre faz o ladrão, também é
certo que o ajuda muito. (p. 25) O ser humano, de modo geral, é muito frágil para poder suportar sempre
tais seduções. Sabemos que muitos, no entanto, não obstante tudo suportam
quaisquer seduções, felizmente. Para proteger uma
parcela da população dependente do tóxico --suposto objetivo da legislação
vigente -- estamos levando o país a um clima de terror, com guerra entre
traficantes, luta armada entre policiais e traficantes, invasões constantes de
lares, comunidades, bairros e horror para seus moradores pacíficos. Essas
populações humildes são assim destituídas do seu direito de cidadania, direito
este que lhes é retirado pela Lei das drogas vigente, que nos impõe impedir a
ferro e fogo que o dependente use a droga e, através disso, cria uma reserva de
domínio para os traficantes dominarem. Há inúmeros locais no país onde a
polícia não consegue entrar e os traficantes impõem a lei deles à população. A repressão ao uso e ao tráfico -- base da legislação atual – tem-se
mostrado extremamente ineficaz diante do poderio do tráfico em todo o mundo e
da demanda de uma imensidão de seres humanos. É indispensável reconhecer nosso
fracasso nestes longos decênios. É necessário saber que vivemos e legislamos
para o mundo atual, tendo em vista o futuro do ser humano, alicerçando-nos na
experiência do passado. Esta experiência nos diz que estamos fracassando e
estimulando a formação de verdadeiros exércitos, extremamente aguerridos e
numerosos, de traficantes infiltrados em todos os setores da família, do
governo, da polícia, da Justiça e de todas as instituições no mundo inteiro. Não precisamos pensar no Afeganistão ou países exóticos, mas sim em vizinhos
nossos como Colômbia, Panamá, Peru, Bolívia e agora, um país que se imaginava
protegido: o México. O Congresso Internacional de Psicanálise, de 2011, foi
realizado na capital do México por pressão dos psicanalistas latino-americanos
que tentavam convencer os europeus, norte-americanos e também a nós de que a
violência ligada às drogas estava controlada. A organização do Congresso teve que passar os meses anteriores ao mesmo
praticamente implorando a que os psicanalistas fossem ao Congresso no México.
Prometiam preços baixos, proteção extra, mas a realidade era implacável, cada
dia notícias de achados de dezenas de corpos decapitados, além da prisão de
generais envolvidos no tráfico, alarmava mais ainda os psicanalistas que para lá
foram. Personalidades dos mais
diferentes níveis têm mostrado o fracasso da repressão conforme vem sendo
realizada: James Carter, Bill Clinton, ex-presidentes americanos, e também
outros ex-presidentes latino-americanos, entre eles, Fernando Henrique Cardoso,
que afirmou publicamente, na TV, nos jornais e na Internet: É preciso começar a
avaliar a conveniência de descriminalizar o porte da maconha para o consumo
pessoal. Isso já está sendo, na prática, feito em muitos países. Se você
fizesse a descriminalização da maconha, do uso, isoladamente, também não vai
servir. É preciso que haja, ao mesmo tempo, todo um conjunto de políticas de
prevenção, de mostrar que é preciso diminuir o uso, uma ação preventiva. Ou vem
simultaneamente uma ação preventiva ou a descriminalização vai aumentar,
simplesmente, o uso e ele é danoso. Nós não estamos dizendo que ele não faz
dano nenhum. Faz dano. Rubem
Cesar Fernandes, coordenador do “Viva Rio”, declarou sua posição na mídia
nacional: É preciso botar saúde na
frente e liberar mais os nossos policiais para enfrentar o poder paralelo do
bandido. No momento, com a nossa política, a venda de droga serve ao poder do
bandido.
(Jornal Nacional de 11/02/09, TV Globo.) No Brasil tem havido uma
sequência de fatos depois dessas declarações. O principal foi a permissão
acachapante, por oito votos a zero, do Supremo Tribunal Federal, de que
houvesse plena liberdade de expressão e, assim, foi liberada a marcha da
maconha. Já estava formada a Comissão para a Revisão do Código do Processo
Penal atendendo à determinação do Congresso Brasileiro que, inesperadamente,
vem com uma proposta de grande abertura. A Comissão de Juristas
constituída para elaborar o anteprojeto do novo Código Penal aprovou a
descriminalização de drogas ilícitas para uso pessoal. O anteprojeto do Código
Penal deve ser entregue até o final de junho de 2012 ao Congresso e depois será
votado no Senado e na Câmara dos Deputados. No caso das drogas, o texto
aprovado diz que a substância para uso pessoal será assim classificada quando a
quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco
dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde. Haverá
descriminalização quando o agente “adquire, guarda, tem em depósito, transporta
ou traz consigo drogas para consumo pessoal; semeia, cultiva ou colhe plantas
destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal”, segundo o texto
aprovado. “De acordo com o relator da
comissão, Luiz Carlos Gonçalves, a quantidade de droga tolerada para uso
pessoal será definida de acordo com o tipo da substância. Quanto maior o poder
destrutivo da droga, menor a quantidade diária a ser consumida” (3). Nos últimos anos tem havido um aumento extraordinário de prisões de
jovens envolvidos no uso e provavelmente venda de pequenas porções de maconha,
bem como chacinas as mais terríveis de famílias inteiras que pagam por “crimes”
de seus filhos praticados contra os chefes do tráfico, que não admitem dívidas,
nem deserções. Na guerra entre os traficantes do Vidigal, que era uma facção
pequena, contra os traficantes da Rocinha, que tinham uma gang maior, a polícia
teve que tomar partido dos mais fracos, ou seja, os do Vidigal. A polícia luta
uma verdadeira guerra civil. Parte da sociedade brasileira bem como entidades
internacionais unidas criticam a polícia brasileira pelo número de mortes, mas
deixam de ver que os policiais enfrentam uma guerra terrível. Guerra não é
função de polícia, mas sim de Exército e, de alguma forma, assim já está sendo
feito. Pensamos, no entanto, que o fundamental seja diminuir o poder dos
traficantes, e o melhor meio seria o de tentar acabar com a reserva de mercado,
defendida a todo preço pela Lei atual. O que é importante é como dar fim a este
condomínio dos traficantes diante da pressão dos dependentes das drogas. É o objetivo
de nossa proposta. Em junho de 2012, o presidente do Uruguai, José Mujica, propôs a
legalização da venda da maconha. Ele justifica que o aumento do consumo da
pasta base cocaína seja a causa do aumento da violência no Uruguai. A
legalização da maconha buscaria frear o consumo da cocaína entre os
jovens. Segundo um estudo realizado pelas Nações Unidas, em 2010, quase um
de cada quatro delitos cometidos por adolescentes, reclusos em centros de
menores no Uruguai, esteve vinculado ao consumo de álcool ou drogas. O governo uruguaio pretenderia estabelecer
registros de consumidores para lhes dar até 40 cigarros (de maconha) por mês e
a comercialização dessa droga incluiria um imposto destinado à reabilitação de
pessoas viciadas. “A maconha deve ser
legalizada como é o álcool”, afirmou Mujica. A Lei Seca americana foi um experimento, talvez
único na História mundial, que permite estudos com razoável certificação de
dados a respeito de uma droga: o álcool. A Lei contou,
inicialmente, com imenso apoio popular, mas, 13 anos depois, caiu em
frangalhos, tendo Al Capone como seu símbolo e o filme “Os intocáveis” como seu
recente fecho de ouro. TAXA DE HOMICÍDIOS E LEI SECA Miron (4) mostrou que houve somente dois
períodos com altas taxas de homicídio na história dos Estados Unidos, o período
1920-1934 (exatamente o da Lei Seca) e o período 1970-1990 (quando a repressão
às drogas foi mais intensa). Tanto antes do primeiro episódio e entre estes
dois episódios, as taxas de homicídio eram relativamente baixas ou claramente No Brasil, os nossos jornais mostram números
arrasadores de assassinatos de traficantes disputando territórios, entre si ou
com a polícia, e de moradores, principalmente nas periferias e favelas. O Mapa
da Violência do Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos mostra que a
taxa de homicídios de jovens cresceu nos últimos 30 anos na impressionante
cifra de 346%. Somos o quarto colocado no ranking dos que mais se matam e o
décimo segundo nas mortes no trânsito. As mortes por causas externas eram 27,9 casos por
100.000 habitantes em 1980, alcançaram 31,9 casos por 100.000 em 2010. Um
aumento de 14,3%. O coordenador da pesquisa Julio Jacobo Waiselfiszdenou
afirmou que “O fato de no Brasil se
matar 130 vezes mais crianças e adolescentes do que no Egito revela que algo
está errado” (5). Tudo o que acontecia nos Estados Unidos, naquela época com o álcool,
está ocorrendo agora com a maconha no Brasil e, por certo, em todos os países
do mundo onde a repressão é feita. Até em Genebra, na Suíça, uma das 10
melhores cidades para se viver do mundo, pessoas que moram lá há mais de 30
anos, dizem que, passeando em torno do Lago, lugar nobre de uma cidade nobre,
percebem, pelo cheiro, às vezes, que alguém está fumando um “baseado” e que o
policial passou ou vai passar dali a poucos minutos e que, por certo, sentiu ou
sentirá o mesmo perfume e vai ignorar o fato, como se não houvesse acontecido
nada. Ou seja, lá, como no resto do mundo é feito um entendimento “cordial”
entre governo, polícia, traficantes e a sociedade. Nas festas e festivais,
situações semelhantes ocorrem no Brasil com o conhecimento e conivência de
todos. Em 1933, os Estados Unidos,
percebendo que a Lei Seca não vencia o tráfico e criava, por outro lado,
problemas muito grandes, preferiram eliminá-la. Há mais de 40 anos, apresentei um trabalho PROPOSTA ALTERNATIVA PARA
O USO LEGAL DA MACONHA Imaginemos que os Estados Unidos, em vez de eliminar a Lei Seca, a
tivessem mantido e considerassem o uso do álcool um problema médico e de Saúde
Pública. Isto é, mantivessem a Lei Seca com todas as suas normas, mas
reconhecessem a necessidade de alguns seres humanos usarem o álcool. Desta
forma, o Estado – exclusivamente o Estado -- passaria a vender a essas pessoas
a bebida de maneira controlada. Com essa consideração, aliada à recente
proposta uruguaia para a maconha, proponho uma modificação substancial na lei das drogas, que consistiria
primordialmente em o governo passar a produzir maconha e vendê-la aos
dependentes, em Postos ou Centros de Saúde já existentes em todo o território
nacional. A lei vigente no momento,
basicamente, seria mantida, com exceção dos artigos que entram em
conflito com esta modificação fundamental proposta. Inscrição no Programa Nacional de Dependentes Seria criado um "Programa Nacional de Dependentes". Toda e
qualquer pessoa, de maior idade, que se considerasse dependente, ou desejasse
fazer uso de maconha, se inscreveria neste Programa. Poderiam fazê-lo os
maiores de 18 anos, sem nenhuma exigência de ordem burocrática, sem nenhum
atestado médico ou psicológico. Aqueles que tivessem idade entre 16 e 18 anos precisariam da presença
dos pais que se responsabilizariam pelos mesmos. Exceto os documentos de
identificação de praxe e atestado de residência, não haveria nenhuma outra
exigência para a inscrição. As pessoas que se inscrevessem teriam que assistir mensalmente a
palestras ou vídeos advertindo-os dos perigos das drogas e da responsabilidade,
inclusive legal, que estariam assumindo ao integrarem este Programa. Seria um
momento também para que todo um processo de educação sexual de prevenção de
DST, Aids, gravidez precoce, bem como das consequências do abuso do álcool
e do uso de drogas fosse feito, com um
simples DVD de obrigatória assistência semanal ou mensal pelo dependente, como condição para que ele tivesse direito de
comprar a maconha no Posto de Saúde. Evidentemente que o dependente só poderia
comprar a maconha no posto de saúde onde estivesse cadastrado e mais próximo à
sua residência. A Justiça Eleitoral e o Programa Bolsa Família realizam um
cadastro semelhante sem dificuldades. As doses seriam determinadas pelo Ministério da Saúde. O médico do Posto
de Saúde poderia realizar pequenas modificações na dosagem para adequá-la a
dependentes especiais, que exigissem maior quantidade de maconha, mas também
poderia exigir a internação do dependente, com o objetivo de observação, para que se justificassem doses mais elevadas.
As autoridades poderiam abrir inquérito policial para saber se estaria havendo
tráfico nestes casos que chamariam atenção. A possibilidade de um grupo de
pessoas que não são dependentes se inscrevessem e comprassem a maconha por um
preço “barato” do governo e a vendessem para os verdadeiros dependentes que,
por qualquer motivo, medo, vergonha ou desejo de se manterem fora da lei, não se
inscrevessem no Programa Nacional de Drogas, teria suas consequências legais.
Imaginamos que, depois de uns dois meses de colocada em vigor a Nova Lei, todas
as pessoas, dependentes ou não, já estariam devidamente avisadas e deverão ser
processadas como traficantes, tanto quem vende como quem compra, se estivessem
cometendo qualquer infração à Lei. A luta fundamental é contra o tráfico. Se o
dependente deseja financiar o tráfico, recusando-se a se inscrever e ir comprar
sua maconha no Posto de Saúde, é responsabilidade dele tal ato e deve tornar-se
sujeito às penas da Lei. Estamos dizendo que a Nova Lei permitiria uma solução ao problema da
necessidade da maconha da parte dos dependentes, mas que seria imprescindível a
obediência dos mesmos às normas e quem não obedecesse deveria ser penalizado. Direitos de Inscrição Só poderiam se inscrever os brasileiros natos e os brasileiros
naturalizados. Estes últimos, desde que tivessem se naturalizado um ano antes
da aprovação desta Lei. Estariam proibidos de se inscrever no Programa os funcionários públicos,
os militares, os policiais, as pessoas que se candidatassem a cargos eletivos
ou que exercessem cargos públicos, motoristas profissionais, aeronautas e outros.
De uma maneira geral, as proibições seriam semelhantes àquelas previstas para o
álcool. DETALHES DA PROPOSTA DE LEI O governo, vendendo a droga para os dependentes A lei atual de drogas será modificada apenas naquilo que contraria a lei
que estamos propondo, ou seja, se o governo pode vender a droga ao dependente,
este passa a ter também permissão para levar do Posto de Saúde para sua casa -
exclusivamente para sua casa -- a quantidade de droga que lhe é vendida e lá,
exclusivamente no lar, usá-la. Isto é, ele não poderá ficar passeando com a
maconha. Sendo proibido o uso público e a exibição das drogas, não haverá
modificações essenciais na aparência do nosso país no que diz respeito ao uso
das mesmas. Os dependentes continuarão a usá-las em suas casas, conforme estão
a fazê-lo. Mas haverá uma extraordinária diferença: não estarão financiando e
contribuindo para desenvolver o tráfico nacional e internacional de drogas,
nem tampouco estarão se tornando criminosos. Qualquer membro da família,
principalmente as crianças, terá direito de exigir que o dependente se isole em
um ambiente do lar afim de lá, e só lá, usar a maconha. A proposta de Lei que estamos a fazer objetiva fundamentalmente proteger
o cidadão que é dependente. Reconhecemos as limitações que a medicina e, em
especial, a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise têm de ajudá-lo. É nossa
obrigação retirarmos o dependente das garras do traficante e colocá-lo nas mãos
dos agentes de saúde. Qualquer dependente fica inteiramente à mercê do policial
da esquina, que pode iniciar um processo contra ele, que inclui a prisão
inicial, pelo menos, e a obrigação de fazê-lo percorrer os caminhos incertos e
tortuosos da Justiça. O dependente é obrigado, pela lei atual, a dialogar com o
traficante, comumente um dependente como ele, que necessita vender a droga para
manter sua dependência e sua subsistência, além de dar aos chefes dos
traficantes a maior parte do dinheiro que recebe. Pois bem, este
dependente-comprador tem no seu companheiro de infortúnio e nos seus colegas de
vício seus únicos terapeutas. Permitindo-lhe o contato com os agentes de saúde,
estes terão como função esclarecê-lo quanto aos perigos e consequências a que
está exposto pelo uso de drogas. O
Programa de Educação Continuada através de DVDs, elaborados pelo Ministério da
Saúde, de assistência obrigatória pelos dependentes quando forem adquirir a
maconha no Posto de Saúde, complementará o contato humano com os Agentes de Saúde
Mental. O cuidado que um dependente de drogas merece deveria ser idêntico ao
cuidado que um diabético que não se trata corretamente merece. Mas será que
sentimos assim? Nós somos da área “psi”, cabe-nos mostrar com conhecimento de
causa que eles – os dependentes – são pessoas que sofrem e sofrem muito e não
podem continuar a ser perseguidos ou expostos às drásticas sanções atuais. Reconhecemos suas necessidades, damos a eles a oportunidade de uso de uma
droga - maconha - além das medicamentosas. Abrimos para eles a oportunidade de
contato constante com pessoas que têm o dever e a função de orientá-los,
mostrando o descaminho em que eles estão, sem acrescentar-lhes os conflitos
outros que envolvem os contatos com os traficantes, as ameaças legais, policiais
e as extorsões de todo tipo. PREPARAÇÃO PARA A
INSTALAÇÃO DO PROGRAMA Este "Programa
Nacional de Dependentes" será instalado a partir de uma data inicial em
todo o Território Nacional. Abrangerá, no principio, as cidades de 50.000
habitantes para cima, procurando atingir todo o Brasil. Evidentemente que
nenhum Agente de Saúde Mental poderá se inscrever como dependente no Programa
Nacional de Dependentes e, portanto, não poderá usar maconha. Será considerado
traficante, com agravante na pena, caso faça uso do mesmo enquanto for
funcionário do Programa Nacional de Dependentes. Aumentando a confiança da
população nos Agentes de Saúde Mental, estes poderiam realizar vínculos
terapêuticos não desprezíveis, de diálogo e compreensão, com os inscritos no
Programa, objetivando livrá-los das drogas. É possível que uma parcela dos
dependentes das drogas proibidas – cocaína, morfina, heroína, anfetamínicos e
colas - possam procurar na maconha alívio para suas dificuldades. Mesmo que os traficantes venham a lançar novos produtos, drogas
“melhores” e mais baratas, continuará sendo possível ao dependente - aquele que
necessita mesmo da droga -- a possibilidade de utilizar a maconha sem ameaça
policial. O tráfico nacional e
internacional terá perdido a primazia absoluta no que diz respeito à
maconha e poderá ser combatido de
maneira até mais intensa, pois estará enfraquecido. Os brasileiros, natos ou não, inscritos no Programa, não podem levar a maconha
para fora do país, mesmo que aleguem uso próprio e sofrerão as penas da
legislação atual caso tentem fazê-lo. No estrangeiro, o dependente tem que se
haver com a legislação de outro país. O uso da maconha é uma concessão da Lei
feita às pessoas imaturas e com limitações de personalidade. Um policial,
um militar, um funcionário público não pode se inscrever no Programa, pois o
inscrito é, por definição, "uma pessoa imatura e com limitações de
personalidade", o que não se admite, em princípio, como norma nos
profissionais acima citados. É no Posto de Saúde que se tem de tratar os doentes, e o dependente é, a
nosso ver, um doente; é um ser humano que merece a mesma consideração que um
diabético, um hipertenso, um outro doente qualquer. Depois da Lei Seca, os Americanos resolveram partir para o extremo
oposto: liberaram totalmente a bebida alcoólica. Oito ou oitenta. Deu no que
deu. É esta a ameaça que paira se não tomarmos alguma providência. Do zero, ou
melhor, do oito vamos passar para 80: a liberação da maconha. Nossa proposta
procura atingir o tráfico, sem pensar que iremos aniquilá-lo. Admitimos que ele
possa, inclusive, se encaminhar para outros interesses, porém sem a força e o
poder que tem no momento, graças ao apoio declarado da juventude em virtude da repressão
existente à maconha. A ONU reconheceu taxativa e claramente, no relatório de 1987, há 25
anos, "que é impossível lutar com êxito contra a produção de drogas sem
pôr fim à demanda". Com isto estamos inteiramente de acordo. O relatório
concluiu estimulando os países signatários à extradição dos traficantes, ao
bloqueio de suas contas bancárias e ao confisco dos seus bens, algo também
muito adequado. O mesmo relatório afirmou que o tráfico continuava aumentando,
muito embora os esforços dos governos do Canadá e Estados Unidos fossem imensos
e houvessem até duplicado, no período de Com a nossa proposta de Lei, retiraremos a áurea de algo proibido e de
enfrentamento do perigo, existente no momento. O desafio ao perigo constitui,
muitas vezes, um estímulo para jovens imaturos. “Não podemos pensar em acabar
inteiramente com as drogas; em nenhuma sociedade isto foi conseguido” (6).
Assim, poderíamos dizer que a nossa tarefa não é acabar com as drogas, mas
poder usá-las de modo menos nocivo, no sentido de maior humanidade nas relações
com estes seres humanos também. Pode-se argumentar que o tráfico irá baratear a maconha, mas o produto
vindo do governo será sem perigos. Sendo assim, por que o dependente irá
comprar do traficante expondo-se às penas da Lei? Por outro lado, o sistema policial estará desafogado do trabalho de
perseguição e diferenciação entre dependentes e traficantes de maconha que tem
sido seu trabalho constante. A carga sobre o sistema policial e judiciário
diminuirá intensamente e todos poderão se dedicar aos cuidados de depuração
policial, melhora das condições carcerárias, cuidado e proteção às vítimas. Ou
seja, todos poderão dedicar-se à sociedade pacífica e ordeira que está à mercê
dos facínoras de toda espécie. O Programa que estamos propondo não tem nada a ver com soluções
empregadas na Holanda, Inglaterra e Suíça há anos atrás. Na Holanda e, talvez,
especificamente em Amsterdã, ao permitir a comercialização franca das drogas, o
que houve era previsível: a intensificação do turismo dos drogados. Na Inglaterra e Suíça, o fornecimento das
drogas procurou atender, exclusivamente, aos viciados em heroína, morfina e
cocaína, que mais agudamente necessitavam da droga, a fim de evitar as crises
de abstinência, pelo fato de os drogados não terem mais condições econômicas de
comprar dos traficantes. O objetivo do Programa que propomos é inteiramente diferente: não atende
aos turistas, não admite uso público, não se propõe a atender aos casos mais
agudos de viciados A liberalização pura e simples da maconha ou mesmo a liberalização total
das drogas envolve problemas seríssimos. Perde-se o controle por completo da
situação. A liberalização constitui um grande erro. Os países ricos, tradicionalmente obedientes às leis e com pequeno
território, como Suíça, Inglaterra e Bélgica, não conseguiram vencer o tráfico
e são continuamente derrotados pelos traficantes. Como é que nós, com esta
imensidão de fronteiras, vamos conseguir vencê-los? Observemos ainda que esses
países e as demais nações ricas têm que se haver apenas com a vigilância das
fronteiras para evitar a entrada da droga. Nós temos que vigiar não apenas as
fronteiras, mas também quase nove milhões de quilômetros quadrados, sob
condições dificílimas de acesso, sem estradas, sem polícia, sem nada. A
repressão torna-se o mesmo que colocar dinheiro em um saco sem fundo, dinheiro
que seria muito mais útil em outras necessidades vitais do país: infância
abandonada, sistema de saúde aos cacos, amontoado de gente nas prisões,
comunidades desassistidas, um conjunto que perfaz um caldo de cultura
extraordinário para a criminalidade crescente... Oitenta e seis mil pessoas (86.000)
cumprem atualmente pena por tráfico de drogas (18% da população carcerária),
principal motivo de condenação no país (7) Estamos vendo que a liberação da maconha virá mais dia, menos dia. A
onda para a liberação pura e simples aumenta cada vez mais. É uma causa dos
jovens, ou melhor, eles assim julgam, erradamente. Mas se admitíssemos uma
segunda alternativa, uma chance para manter os dependentes fora das mãos dos
traficantes e dos comerciantes e os deixar nas mãos do Estado, em uma solução
de meio termo, resolveríamos uma série de problemas. Poderíamos fazer o que os
Estados Unidos não fizeram em 1932, após o fracasso da Lei Seca: uma solução de
meio termo. Podemos aproveitar enquanto há ainda grande oposição à maconha.
Quando sobrevier a Era da Maconha, vai ser tão difícil voltar atrás assim como
parece impossível voltar atrás agora, quanto à bebida alcoólica, após esta
extraordinária Era do Álcool em que estamos mergulhados. Não vamos falar na tragédia que reina na periferia das cidades grandes,
nas favelas, entre os membros dos exércitos mirins e juvenis chefiados pelos
traficantes e municiados pela reserva de mercado que lhes faculta a lei
vigente. São regiões em que as pessoas de bem estão à mercê dos facínoras
financiados pelos dependentes, que não têm outra alternativa senão
financiá-los. Nós, os psiquiatras, os psicanalistas e os psicólogos sabemos que
a maioria dos dependentes não têm, por ora, outra saída. Milhões deles estão aí
pelo Brasil e pelo mundo afora. É necessário perguntar: o que mata mais, o que
perverte mais, o que fabrica mais criminosos?
Não será a repressão atual? DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE Não há conflito de interesse no presente trabalho. BIBLIOGRAFIA 1. Homero. Odisseia. São Paulo:
Editora Difusão Europeia do Livro (Clássicos Garnier),1960. 2. Saramago J. Ensaio sobre a cegueira.
Rio de Janeiro: Companhia das Letras,1995. 3. http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/05/comissao-propoe-descriminalizacao-das-drogas-para-uso-pessoal.html (acessado em 20/07/2012) 4. Miron JA. Alcohol prohibiton, disponível no link eh.net/encyclopedia/article/miron.prohibition.alcohol
(acessado em 20/07/12). 5. http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/homicidio-de-jovens-cresce-346-em-30-anos
(acessado em 20/07/2012) 6. Portella Nunes E. Fármaco-dependência: Fenômeno Humano, Notícias Psiquiátricas (APRJ), no 90, 1988. 7. http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/06/brasil-tem-mais-de-86-mil-presos-por-trafico-de-drogas22062010.html
(acessado em 20/07/2012).
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