Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Agosto de 2012 - Vol.17 - Nº 8 História da Psiquiatria UM OLHAR SOBRE A ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA Walmor J. Piccinini No processo de construção do maior banco de dados da psiquiatria brasileira, fui coletando todos os artigos publicados em Revistas Psiquiátricas do Brasil e do exterior. Neste processo, fui incluindo trabalhos dos demais membros de uma equipe psiquiátrica. Com essa abertura aos demais membros de uma equipe fui incorporando, na medida do possível, artigos de assistentes sociais, psicólogos e de enfermagem psiquiátrica. A produção do enfermeiro (a) é bastante significativa, cataloguei 422 artigos, dissertações e teses de enfermeiras sobre sua atividade no campo da psiquiatria. Certamente não incluí todos, quem tiver trabalhos que não constem na minha lista terei prazer em incluir. O Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria (www.biblioserver.com/walpicci) está com 19.826 publicações registradas, são artigos, teses de mestrado e doutorado em psiquiatria. Em 1960 comecei a estudar medicina e a necessidade de trabalhar me levou a ser atendente psiquiátrico na Clínica Pinel de Porto Alegre. A CP iniciou suas atividades em 28 de março de 1960 e eu comecei a trabalhar em primeiro de junho do mesmo ano. Era um hospital de orientação dinâmica e que atuava com equipe multidisciplinar. O trabalho era muito compatível com o trabalho de enfermagem, desde dar banho e cuidar da higiene dos pacientes até participar de grupos operativos e atividades lúdicas. Acompanhar paciente nas férias ou em sua casa foi mais um extra na atividade do dia a dia do hospital. Devo ter sido o primeiro Acompanhante Terapêutico do país. Esta atividade depois foi desenvolvida em Buenos Aires e de lá saiu um livro eu foi à bíblia dos ATs nos anos 70. Esta minha experiência serviu, também, para apresentar meu primeiro trabalho científico no Congresso Latino-americano de Psicologia Médica realizado em Ribeirão Preto no ano de 1962. Esse trabalho de “quase” enfermeiro, facilitou uma acolhida calorosa as estagiárias de enfermagem da Clínica Pinel. Era uma “nurse” recebendo as “ladies nurses”. Para quem não conhece a história da enfermagem moderna vou resumir alguns pontos. Cem anos antes da minha entrada num hospital psiquiátrico, mais precisamente em nove de julho de 1860 começou a funcionar, com 15 alunas matriculadas, a Escola Nightindale junto ao Hospital Saint Francis em Londres. Até então o trabalho de enfermagem ou das “criadas de enfermaria” era comparável ao trabalho doméstico e muito mal remunerado. (Comparando com o início do Hospício São Pedro (1874), além do médico diretor havia um enfermeiro homem e uma enfermeira mulher. O salário da enfermeira, era metade do que ganhava o homem). A Escola Nightindale atraiu senhoras da sociedade e mulheres de estrato social mais baixo. As primeiras eram as “ladies nurses” e ficaram dedicadas ao ensino e supervisão. As “nurses” se dedicavam ao trabalho manual de enfermagem. Guardadas as devidas proporções, esta situação aparentemente se repete nos nossos hospitais onde as enfermeiras de nível universitários ocupam postos administrativos, de supervisão e ensino e o trabalho do dia a dia com os pacientes e efetuado pelos demais membros da equipe de enfermagem, técnicos, auxiliares e atendentes. E uma divisão simples, não devemos esquecer o fato de que muita enfermeira “bota a mão na massa” sem dificuldade. Estas informações e outras poderão ser vistas no trabalho “O trabalho de enfermagem em saúde mental: contradições e potencialidades atuais” de Oliveira e Alessi (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692003000300011). Segundo as autoras, “o trabalho de enfermagem é integrante do trabalho coletivo em saúde, especializado, dividido e hierarquizado entre auxiliares, técnicos e enfermeiros de acordo com a complexidade de concepção e execução”. No trabalho assistencial a enfermagem subordina-se ao trabalho executado pelo médico. Podemos dizer que no Ato Médico o papel principal é do médico, mas no gerenciamento dos meios que propiciam o ato médico, a enfermeira lidera. Só o trabalho conjunto permite uma solução adequada dos problemas. A historiografia brasileira é bem peculiar, durante muito tempo era vista sob a ótica marxista de luta de classes e até recentemente ocorria o domínio absoluto das ideias de Foucaults. Muitas teses e dissertações procuram colocar a história sob o prisma da luta pelo poder e a psiquiatria não seria nada mais nada menos do que uma criação dos médicos para se adonar da loucura. Infelizmente este tipo de abordagem permeia muitos dos historiadores da enfermagem. Se tomarmos a criação do Hospício Pedro II, é repetido continuamente que os médicos exerceram uma ação política para criar o espaço da loucura e seus domínios sobre ele. Uma hipótese a ser considerada é que a construção do Hospício Pedro II foi uma ação maçônica comandada por José Clemente Pereira que conseguiu com a verbas arrecadadas, reformar a Santa Casa, construir o cemitério do Caju e outras melhorias. Quando se fala dos “loucos perambulando as ruas do Rio de Janeiro” se esquece que o Rio de Janeiro, sob a ótica de vários visitantes e nas crônicas de Luiz Edmundo, era a maior cidade africana fora da África, com 70% de negros, na maioria escravos. A cidade era vítima de uma série de pestilências; dengue, febre amarela, surtos de varíola e uma situação sanitária tão precária que muitos navios evitavam atracar no seu porto. O Rio de Janeiro que conhecemos só foi se tornar habitável no governo Rodrigues Alves, na ação do prefeito Pereira Passos e de Oswaldo Cruz. Foi com essas pessoas extraordinárias que começou a brilhar a estrela de Juliano Moreira. A história da enfermagem de nível universitário no Brasil começa com a chegada da missão das enfermeiras americanas chefiadas por Ethel Parsons trazida ao Brasil pela Fundação Rockfeller a pedido de Carlos Chagas. Elas treinaram as visitadoras sanitárias, deram respeitabilidade a ação do enfermeiro e fundaram a Escola Ana Nery em 1923. Esta Escola é considerada a primeira escola “moderna” de enfermagem. A enfermeira americana Clara Lonis Kieninger foi sua primeira diretora no período de 1922 a 1925. (Em 1942 a enfermeira Kieninger voltou ao Brasil para as comemorações dos 20 anos de fundação e colaborou na organização de cursos para voluntários para a guerra). Se deixarmos de lado certo paroquialismo sobre a história, encontramos bons trabalhos de pesquisa, feito por enfermeiras, sobre a história da psiquiatria no Brasil. A República trouxe grandes transformações políticas. O Hospício Pedro II sai do domínio da Santa Casa e começa a gestão republicana. Para enfrentar a saída de cena das Irmãs de Caridade, foi fundada a primeira escola de enfermagem brasileira junto a agora denominado Hospital Nacional de Alienados. Existem várias fontes de informação e publicações de enfermeiras em várias revistas. Vamos centrar nosso olhar sobre: “Revistas da área da enfermagem que constam no Scielo.br” . 1. Revista de Enfermagem da Escola Ana Nery (Rio de Janeiro). Seu primeiro número é do ano de 2003 e está no Scielo desde 2005. Tem 14 artigos relacionados no IBBP. 2. Acta Paulista de Enfermagem. No Scielo desde 2005 e seu primeiro número é de 1987. Ligada a Universidade Federal de São Paulo. 13 artigos. 3. Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn) Está no Scielo desde 2003. Seu primeiro número é de 1932. Tem 23 trabalhos. E a revista oficial da Associação Brasileira de Enfermagem.
4. Revista Latinoamericana de Enfermagem. Foi lançada em 1993 e está no Scielo desde 1993. Tem 33 artigos relacionados. 5. Revista. Gaúcha de Enfermagem. Editada desde 1979 e está no Scielo desde 2009.Tem 4 artigos relacionados 6. Texto e Contexto – Enfermagem: Primeiro número em 1992. No Scielo desde 2004. Tem 29 artigos relacionados. 7. Revista De enfermagem da USP. Está no Scielo desde 1996. Primeiro número em 1966. Tem 58 artigos relacionados, 8. Dissertações de Mestrado: Total de 91, a primeira em 1971. 9. Teses de Doutorado: Total de 77, a primeira em 1990. 10. Outras. Chama atenção o fato de que, entre 433 artigos e teses, 127 tratam da reforma psiquiátrica. De modo geral os autores assumem a linha oficial da reforma e este assunto será por mim abordado em outro artigo, pois merece um estudo aprofundado. Uma pergunta que fica é se o dialogo entre o médico psiquiatra e a enfermeira psiquiátrica que no início era harmônico, agora mostra ruídos que atrapalham o interesse comum no trato do doente mental. Como disse eminente psiquiatra, sofrimento eu tenho quando meu time perde, doença é outra coisa. Finalmente, achei este interessante trabalho de Cytrynowicz , R. baseado na sua tese sobre a participação das enfermeiras no esforço de guerra do Brasil. Extraí um trecho de fatos históricos e agradeço ao autor pelo esforço em nos proporcionar estes dados. CYTRYNOWICZ, R.: ‘A serviço da pátria: a mobilização das enfermeiras no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial’. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, VII(1): 73-91, mar.-jun. 2000. Uma discussão em torno de qual teria sido de fato a primeira
escola de enfermagem depende da própria concepção e definição da enfermagem,
dos parâmetros de análise do trabalho no hospital (se ela utilizava na sua
totalidade o chamado Sistema Nightingale), da conceituação sobre as escolas
consideradas "não oficiais", além da caracterização de outras
profissionais de áreas afins, como as "educadoras sanitárias" do
Instituto de Higiene, curso iniciado em 1925. Esta problemática, extremamente
controversa e complexa, está longe de ter sido resolvida e a tendência é que se
avalie criticamente (idem, ibidem) este processo de implantação da chamada
"enfermagem moderna" ou "enfermagem profissional" (Moreira,
1999) e do chamado Sistema Nightingale instituídos pela Escola Anna Nery. Todas as 38 alunas matriculadas na primeira turma da Escola
de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) em 1946 eram professoras
normalistas (Carvalho, 1980, p. 41). Em São Paulo, o primeiro curso de enfermagem foi criado no Hospital Samaritano (fundado em 1894 por uma sociedade
evangélica e que logo trouxe cinco enfermeiras inglesas ao Brasil) entre 1900 e
1901.8 A
escola de enfermagem do Hospital Samaritano não se cadastrou segundo as normas
da Escola Anna Nery, de 1931, tornada padrão oficial para o ensino de
enfermagem. Em 1939, começou a funcionar a escola de Enfermeiras do Hospital
São Paulo, ligado à Escola Paulista de Medicina. Em 1939, a profissão de enfermeira foi regulamentada no estado de São Paulo.9 Em 1942
foi implantada a Escola de Enfermagem de São Paulo junto à Faculdade de
Medicina da USP, com decisivo apoio da Fundação Rockfeller.
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