Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Junho de 2012 - Vol.17 - Nº 6

História da Psiquiatria

UMA PROPOSTA DE MUDANÇA DE ATENDIMENTO AO DOENTE MENTAL NO SÉCULO XVIII

Walmor J. Piccinini

Ao longo dos tempos as ideias sobre a loucura caminham por alguns caminhos tortuosos. Ela foi tratada com encantamentos, com tentativas de expulsar o demônio ou com tentativas de  ação direta sobre o cérebro.

Para alguns,a ideia que a loucura foi impedida de seguir seu curso por causa dos médicos, notadamente Pinel com seu Tratado Médico-Filosófico sobre a Loucura, deve ser seguida com  aceitação da mesma no meio social.

Para os médicos, lidar com a loucura era uma tarefa extremamente complicada. Lentamente foram surgindo mentes brilhantes que somaram cuidados humanos e novas terapêuticas para lidar com a doença mental, insanidade ou loucura.Neste artigo vou apresentar um interessante debate que aconteceu quase cinquenta anos antes de Pinel e do nascimento da psiquiatria como especialidade médica, mais precisamente em 1758.

  William Battie's Treatise on Madness (1758) and John Monro's Remarks on Dr Battie's Treatise (1758).  Uma controvérsia psiquiátrica do século XVIII. Na minha biblioteca possuo o livro de 1962 da Editora Dawson of Pall Mall de Londres. Com Introdução e Anotações de Richard Hunter e Ida Macalpine. O Treatise of Madness pode ser encontrado no Google books (http://books.google.com/books/about/A_treatise_on_madness.html?id=F6JbAAAAQAAJ)

    A biografia de William Battie (1703-1776) pode ser encontrada em http://en.wikipedia.org/wiki/William_Battie a de John Monro (1716-1791) em http://en.wikipedia.org/wiki/John_Monro_%28physician%29

    O debate oferece subsídios a uma ideia que tenho sobre o conhecimento psiquiátrico que considero uma dura luta contra a ignorância e o preconceito seja por parte dos médicos, seja de outros supostos especialistas na matéria.  “A história da psiquiatria é a história de uma vagarosa infusão de curabilidade dentro da incurabilidade" (Gauchet, Swain, 1999, p.42). (Cit. Gama). Achei muito pertinente uma observação de Berrios na Rev. latinoam. psicopatol. fundam. vol. 15 no.1 São Paulo Mar. 2012

(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142012000100012&lng=en&nrm=iso&tlng=pt).

O temor de que a história da medicina e da psiquiatria possa tornar-se subserviente aos médicos levou alguns historiadores a superestimar sua autonomia. Em relação à psiquiatria, uma expressão comum dessa preocupação tem sido a de sobre-enfatizar os seus aspectos sociais (Dörner, 1969). Em relação à medicina em geral alguns se sentem autorizados a escrever: "O compromisso com uma história médica "neutra" não foi apenas difícil, mas muitas vezes pôde gerar nada menos do que má história _ uma história com a raiva deixada de fora" (Neve, 1983). O temor de que a história da medicina e da psiquiatria possa tornar-se subserviente aos médicos levou alguns historiadores a superestimar sua autonomia. Em relação à psiquiatria, uma expressão comum dessa preocupação tem sido a de sobre-enfatizar os seus aspectos sociais (Dörner, 1969). Em relação à medicina em geral alguns se sentem autorizados a escrever: "O compromisso com uma história médica neutra' não foi apenas difícil, mas muitas vezes pôde gerar nada menos do que má história _ uma história com a raiva deixada de fora" (Neve, 1983). http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142012000100012&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Rev. latinoam. psicopatol. fundam. vol.15 no.1 São Paulo Mar. 2012

Retornando ao Dr. William Battie, seu Tratado sobre a Loucura, é considerado a primeira monografia dedicada à loucura. Tinha uma visão otimista e pedagógica, considerava os insanos tratáveis utilizando um manejo humanístico em vez das ineficientes e brutais purgações, vômitos e sangrias que eram regularmente praticadas no Hospital Bethlem.

`Madness is frequently taken for one species of disorder, nevertheless, when thoroughly examined, it discovers as much variety with respect to its causes and circumstances as any distemper whatever: Madness, therefore, like most other morbid cases, rejects all general methods, e.g. bleeding, blisters, caustics, rough cathartics, the gumms and faetid anti-hysterics, opium, mineral waters, cold bathing and vomits.'

John Monro, medico do Bethlem, como seu pai antes dele, leu o Battie's Treatise como um ataque velado a administração Munro pai na condução do velho hospital. Seus Remarks foram escritos em defesa do regime instituído por seu pai.

`Notwithstanding we are told in this treatise, that madness rejects all general methods, I will venture to say, that the most adequate and constant cure of it is by evacuation; which can alone be determined by the constitution of the patient and the judgment of the physician. The evacuation by vomiting is infinitely preferable to any other, if repeated experience is to be depended on...'

    É oportuno acrescentar que até a abertura do St. Luke´s Hospital for Lunatiks em julho de 1751, a história da loucura na Inglaterra era a história do Bethlem Hospital. Nessa época a família Monro dominava a assistência ao doente mental em Londres, não permitiam o acesso de estudantes nas enfermarias do Bethlem. Battie permitia o acesso de estudantes ao ST. Luke e isso foi  um estímulo ao progresso da psiquiatria londrina.

   Cumpre notar que, apesar destes tratamentos agressivos, havia uma fila de espera para pacientes que desejavam se tratar no Bethlem (Bedlam).

    As ideias de Battie continham três inovações:

1º. Ele propunha uma nova definição para a loucura como “imaginação delirante” um ponto de vista contrário aos que consideravam a loucura como um “juízo viciado” cujo tratamento exigia correção por tratamentos violentos e medidas coercitivas. A ideia de Battie abriu a porta para o interesse no paciente individual e, certamente, abriu caminho para tratamentos mais moderados e menos agressivos.

2º. Ele dividiu a loucura em Original e Consequencial, hoje se fala em orgânico e não orgânico.

30. Propunha tratamentos mais humanos como já referimos, ao contrário dos tratamentos brutais a que os doentes eram submetidos (vômitos, enemas, purgações, sangrias, correntes de contenção, pouca comida, para enfraquecer a fera que habitava o indivíduo.

    Estas inovações, principalmente a relativa aos tratamentos brutais, foram percebidas pelo Dr. Munro, médico do Bethlem, como críticas a si mesmo e ao seu pai que dirigiam o Bethlem. Quatro meses depois ele publica os seus Remarks ao Treatise of Madness. Nele procura desqualificar os argumentos de Battie que considera viciados.

Afirmou que pouco importava a classificação da doença em orgânica e não orgânica e defendeu os métodos purgativos.

   O Bethlem, na época, contava com 250 internos. Ao fundar o ST. Luke, Battie desafiava o poderio dos Munro que dominavam a cena do tratamento da loucura em Londres. Suas palavras eram contundentes, acusava os médicos do Bethlem de utilizarem, falsas teorias, falsos fatos e tratamentos irracionais baseados numa ignorância fundamental, obscura e com isso impedindo o progresso.

    O Rei George III (1738-1820) padeceu de uma série de crises mentais que culminou com seu afastamento em 1810. A assistência aos doentes mentais na Inglaterra passou por uma revisão do Parlamento que constatou inúmeras irregularidades e charlatanismo. O ST Luke´s Hospital foi o único a receber aprovação.

 

 


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