Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Fevereiro de 2012 - Vol.17 - Nº 2 História da Psiquiatria JULIANO MOREIRA: CLIMA, RAÇA, CIVILIZAÇÃO E ENFERMIDADE MENTAL Ana Maria Galdini Raimundo Oda Introdução Walmor J.
Piccinini Nesta edição de Psychiatry Online Brasil
trazemos a segunda contribuição da Dra. Ana Maria Galdini Oda para a Antologia
Psiquiátrica Latinoamericana. Graças ao trabalho da pesquisadora, podemos ler
dois trabalhos de Juliano Moreira e nos deliciar com sua maneira de se
expressar e com a clareza das suas ideias. Em vez de conclusões ideológicas
sobre a psiquiatria do início do século apresentadas por interpretadores da
história, nós podemos tirar conclusões mais próximas da realidade da vida e dos
problemas da época. Este trabalho da Dra. Ana Oda, bem como os trabalhos de
Paulo Dalgalarrondo, muitos deles publicados na Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental nos permitem conhecer os pensadores da psiquiatria
brasileira e sua coragem de questionar teorias e preconceitos provindos do
mundo europeu. Desfrutem o trabalho. Os
praticantes de cada especialidade profissional costumam eleger como seus
fundadores aquelas pessoas que se destacaram por sua excepcionalidade ou os
indivíduos que sintetizaram as melhores qualidades e os atributos exemplares,
no julgamento de seus pósteros. Sendo
assim, uma breve análise da biografia de Juliano Moreira faz compreender sua
representação como o principal fundador da moderna Psiquiatria brasileira1. Juliano
Moreira (1873-1933) nasceu em Salvador e graduou-se na Faculdade de Medicina da
Bahia em 1891 – muito jovem, portanto – com a tese Etiologia da sífilis maligna
precoce. Ainda que as informações sobre sua origem sejam escassas, sabe-se que
era de uma família de trabalhadores modestos; seus pais eram pessoas livres,
descendentes de africanos escravos (vale lembrar que a abolição da escravidão
no Brasil se deu em 1888, quando Moreira tinha 15 anos de idade). Faleceu
aos 60 anos, de complicações da tuberculose, doença que o acompanhara desde a
juventude. Entre
1896 e inícios de 1903, foi professor assistente da cadeira de Clínica Psiquiátrica
e de Moléstias Nervosas da Faculdade de Medicina da Bahia. Moreira esteve em
viagens de estudos na Europa, onde se ligou a grupos de pesquisa em
dermatologia e sifiligrafia, especialmente na Alemanha, e frequentou cursos nos
serviços de Flechsig, Krafft-Ebing, Gilles de psiquiátrico,
conheceu serviços na Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Itália,
França,Áustria e Suíça. Mudou-se
para o Rio de Janeiro em 1903, para dirigir o Hospício Nacional de Alienados, o
que fez por quase 30 anos, até 1930. Transferir-se para o Rio significou
abandonar a carreira universitária principiada na Bahia, uma vez que jamais
seria professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Assim, tornou-se um
influente “chefe
de Escola” sem cátedra, exercendo efetivamente importantes atividades docentes
como diretor do Hospício Nacional, junto aos estudantes de medicina que ali
estagiavam e jovens médicos que se aprimoravam em Psiquiatria. 1 Nesta apresentação, usei principalmente os
seguintes trabalhos: - Ana Maria G. R. Oda. Alienação mental e raça:
a psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros na obra de
Raimundo Nina-Rodrigues. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas,
2003. - Ana Maria G. R. Oda e Walmor Piccinini. Dos males que acompanham o
progresso do Brasil: a psiquiatria comparada de Juliano Moreira e
colaboradores. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 8, n. 4,p.
788-793, 2005. Agradeço a doutora Fátima Vasconcellos pela
gentil cessão das fotos de Juliano Moreira, de seu acervo pessoal. Moreira
seguiu cultivando relações científicas com universidades e serviços de
excelência em todo o mundo, alinhando-se às correntes que então representavam a
modernização teórica da Psiquiatria e da sua prática hospitalar. Quando
assumiu o Hospício Nacional, empreendeu um ambicioso projeto reformador,
visando mudanças no funcionamento institucional, tais como: melhoria das
instalações destinadas aos internos; separação entre adultos e crianças;
instalação de laboratórios de patologia e de análises bioquímicas; ampliação
expressiva do corpo clínico, com entrada de mais psiquiatras, além de
neurologistas, clínicos, pediatras, oftalmologistas, ginecologistas
e odontólogos; abolição do uso de coletes e camisas de força e a retirada de
grades de ferro das janelas; uma escola para formação especializada de
enfermeiros psiquiátricos; e estabelecimento de rotinas para os registros
administrativos, estatísticos e clínicos. O
diretor do Hospício Nacional aglutinou ao seu redor um grupo de médicos muito
ativos, muitos dos quais viriam a ser, eles próprios, os pioneiros de diversas
especialidades médicas, tais como Neurologia (Antonio Austregésilo),Clínica
Médica e Infectologia (Miguel Pereira),Pediatria (Fernandes Figueira), Medicina
Legal e
Psiquiatria Forense (Afrânio Peixoto e Heitor Carrilho) e Cirurgia (Álvaro
Ramos). Sua atuação institucional incluiu ainda a organização da Assistência aos
Alienados (mais tarde, Serviço Nacional de Assistência aos Psicopatas), tendo
sido uns dos principais responsáveis pela redação da legislação federal
respectiva, apresentada ao
Congresso Nacional pelo médico alienista e deputado João Carlos Teixeira Brandão,
promulgada em dezembro de 1903. A
consolidação de outro pilar da medicina nacional teve o seu apoio decisivo: ele
foi co-fundador de importantes periódicos médicos,como os Arquivos Brasileiros
de Psiquiatria,Neurologia e Ciências Afins (1905) – o primeiro exclusivamente
dedicado à neuropsiquiatria,editado por Moreira e Afrânio Peixoto –, os Arquivos
Brasileiros de Medicina (1911) e os Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de
Janeiro (1930). Prezando muito a vida associativa, foi um dos fundadores da
Sociedade Brasileira de
Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal (1907), presidente de honra da Liga
Brasileira de Higiene Mental, presidente da Academia Brasileira de Ciências e
presidente da seção Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Psicanálise, e ainda
membro de várias sociedades científicas nacionais e internacionais. Interessado
em estudos de Psiquiatria Comparada – depois chamada de Etnopsiquiatria, Psiquiatria
Transcultural e Psiquiatria Cultural – Moreira produziu vários artigos e
comunicações em congressos internacionais sobre o tema. Entre
1905 e 1906, ele se correspondeu com Emil Kraepelin, que pretendia vir ao
Brasil para uma expedição de pesquisa etnopsiquiátrica, o que acabou por não
ocorrer2. Vale ressaltar que o alienista brasileiro não aceitava todas as
proposições sobre a
psicopatologia dos habitantes dos trópicos que vinham dos autores europeus. Colocando-se
em posição intelectual de igualdade com seus interlocutores estrangeiros, ele criticava
pelo menos três crenças dominantes na Psiquiatria Comparada dos começos do século
vinte: primeiro,
afirmava que não havia doenças mentais próprias dos climas tropicais; segundo,
defendia que a condição racial de um indivíduo não daria imunidade nem tampouco
favoreceria o aparecimento de formas específicas de insanidade mental; e, terceiro, recusava a tese da inferioridade
mental inata dos negros,atribuindo as diferenças intelectuais e culturais entre
brancos e negros a fatores sociais e educacionais. Discordando
da ideia que as misturas raciais pudessem trazer malefícios à saúde física e mental,
Moreira divergia abertamente de seu colega da Faculdade da Bahia, Raimundo Nina-Rodrigues,
que defendia o ponto de vista oposto, ou seja, acreditava que os negros vinham contribuindo
negativamente na formação do povo 2 Várias cartas de Moreira para Kraepelin foram traduzidas e
comentadas por Paulo Dalgalarrondo no livro Civilização e loucura: uma
introdução à história da etnopsiquiatria. São Paulo: Lemos, 1996. B brasileiro
e que os mestiços eram mais predispostos à degenerescência e ao desequilíbrio mental.
Este foi um debate interrompido precocemente, pela inesperada morte de
Nina-Rodrigues, em 1906, mas que seguiria ecoando nos trabalhos subsequentes de
Moreira. Publicamos
nesta Antologia dois textos de Juliano Moreira, sendo que o primeiro deles (‘As
doenças mentais nos climas tropicais’, de 1906) tem co-autoria de Afrânio
Peixoto (1876-1947). Este
foi aluno de Moreira e de Raimundo Nina-Rodrigues na Faculdade de Medicina da
Bahia, sendo que ambos escreveram o prefácio à reimpressão da tese de doutoramento
de Peixoto, Epilepsia e crime (1898). Era muito próximo de Moreira e foi
alienista do Hospício Nacional, substituindo o seu diretor em diversas
ocasiões. Interessado
em Psiquiatria e No
trabalho publicado em 1906 nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria
(originalmente uma comunicação em francês apresentada ao XV Congresso
Internacional de Medicina de Lisboa),os autores defendem suas ideias
demonstrando que conhecem perfeitamente a produção científica internacional e
os pontos cruciais do debate. Como
premissa geral, Moreira e Peixoto supõem que o progresso material do Brasil vinha
sendo acompanhado de vários males e enfermidade, e que as exigências da vida
civilizada,a superpopulação nas grandes cidades,a dissolução dos costumes, a
pobreza urbana,o esgotamento físico e mental dos tempos modernos poderiam ser
causas de um suposto aumento nas taxas de doenças mentais ou ainda do
surgimento de certas manifestações psicopatológicas3. 3 Crença que era
compartilhada pela maioria dos alienistas, pelo menos desde Esquirol (entre
outros, veja-se o nosso artigo: Oda, Ana Maria G. R.; Banzato, Cláudio E. M;
Dalgalarrondo, Paulo. Some origins of Cross-Cultural Psychiatry.
History of Psychiatry, vol. 16, n. 2, p. Depois
de revisar a ocorrência das principais síndromes mentais no Brasil, baseados
principalmente nas estatísticas do Hospício Nacional, Moreira e Peixoto
concluem que não há influência direta do clima ou da raça sobre os sintomas ou
a evolução clínica de tais enfermidades. Eles pensam que é no grau de instrução
dos indivíduos, principalmente,
que residiria a explicação das diferentes manifestações sintomáticas. Também
ressaltam que os indivíduos originários de países frios não sofreriam,
necessariamente, uma ação negativa do clima tropical sobre seu sistema nervoso.
Ao insistirem na igualdade das manifestações psicopatológicas em climas quentes
e frios, os autores brasileiros parecem também estar recusando a imagem exótica
da loucura nos países tropicais, que os alienistas europeus vinham construindo
desde meados do século
dezenove4. O
segundo texto de Juliano Moreira aqui publicado é de 1925, ‘A seleção
individual de imigrantes
no programa da higiene mental’, editado nos Arquivos Brasileiros de Higiene
Mental. Nele, o
autor considera que o Brasil deveria cuidar muito seriamente da seleção dos
estrangeiros que aqui aportavam, organizando um programa de profilaxia de
enfermidades mentais, restringindo a entrada de imigrantes alienados, dos
alcoolistas e dos analfabetos, e repatriar aqueles que, dentro de doze meses
após sua chegada, viessem a apresentar qualquer problema mental. Este
documento, de tom quase propagandístico,
deve ser lido compreendendo qual era o significado então atribuído à “higiene mental”.
Para Moreira – bem como para o grupo de higienistas e psiquiatras do qual ele
era uma liderança científica e política expressiva – na luta contra as chamadas
degenerescências nervosas e mentais, os inimigos a combater eram o alcoolismo,
a sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais adversas, sem
“ridículos preconceitos de cores ou castas”, segundo sua expressão. Crendo no
papel fundamental da ciência na construção de um Brasil moderno e “civilizado”,
estes higienistas defendiam que a função mais importante da Psiquiatria era a profilaxia,
a promoção da higiene mental e da eugenia ou melhoramento da população – uma
eugenia de matriz sanitarista, diferente da eugenia de cunho racialista (o
branqueamento ou a arianização do povo) defendida por outros médicos e
intelectuais brasileiros, na mesma época5. Finalizando
esta apresentação, resta dizer que os ensaios brasileiros aqui publicados são
ricas fontes de estudo que podem ser lidas de muitas maneiras, pois são textos
onde se cruzam momentos-chave da história do Brasil e da história da
Psiquiatria e da Psicopatologia. Neles
se revelam indícios da construção da Psiquiatria como campo científico, em
contextos específicos, permitindo que reconheçamos a determinação histórica e
cultural das práticas científicas. 155-169, 2005. 4 Sobre este trabalho de Moreira e Peixoto,
veja-se o citado artigo de Oda e Piccinini, 2005. 5 Para uma análise detalhada deste texto de
Moreira,veja-se o artigo de Ana Teresa A. Venâncio e CristianaFacchinetti:
“Gentes provindas de outras terras” – ciência psiquiátrica, imigração e nação
brasileira. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 8, n. 2, p. 356-363, 2005. As doenças mentais nos climas tropicais (1906)* Juliano Moreira e Afrânio Peixoto** As questões de geografia
médica perderam muito da importância atribuída a elas quando se acreditava que
cada região da terra tinha, conforme sua latitude e longitude, uma
característica mórbida,assim como determinada característica etnográfica,
zoológica ou etográfica, etc. Estas
concepções eram facilitadas por uma noção demasiadamente ampla, e por isso
mesmo mal delimitada, das zonas climáticas. Sob o império de tais ideias
teóricas e antes de se haverem realizado pesquisas realmente científicas em
cada região, atribuía-se a cada clima certa patologia, clara, precisa, e
expressamente separada de todas as outras por delimitações exatas. Tais
preconceitos patológicos resultavam em grande parte da falta de uma noção
etiológica positiva, em consequência dos conhecimentos insuficientes da época,
e da ausência de estudo clínico comparado, que as conclusões apressadas dos
médicos viajantes não permitiam. A
etiologia mais esclarecida de nosso tempo e a higiene mais bem preparada de
nossos dias vieram dissipar crenças mal fundadas e reduzir a questão a seus
verdadeiros termos. Reconheceu-se
o quase cosmopolitismo de todas as doenças, ou pelo menos sua fácil
aclimatação, já que concorrem, em qualquer que seja a região da Terra, certas
condições necessárias ao seu desenvolvimento. Quase
não há doença que não tenha sido observada tanto no Norte quanto no Sul, tanto no
Oeste quanto no Leste. Não há região no mundo que particularmente possua uma
única doença, e não há doença que não possa, mesmo em seus domicílios
eventuais, ser exterminada pelos meios higiênicos de nosso tempo. Como exemplo
da veracidade da primeira destas afirmações, citaremos o cólera e a peste. A
febre amarela e a malária provam a veracidade da segunda. O que
há, quando existe, são variações clínicas, resultante complexa da intensidade
mórbida, da resistência individual, da defesa higiênica, do combate
terapêutico: conjunto de condições em que os * Originalmente publicado em francês: Les maladies mentales dans
les climats tropicaux. Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, volume 2, n.3, p. 222-241, 1906. Traduzido pela primeira vez para o português e publicado na
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 8, n. 4, p.
788-793, 2005. Tradução do francês de Monica Seincman. Revisão técnica da tradução
e notas de Ana Maria G. R. Oda; tradução das frases em alemão de Paulo
Dalgalarrondo. Agradecemos ao editor da Revista Latinoamericana, Professor
Doutor Manoel Tosta Berlinck, a autorização para o uso desta tradução. As
referências citadas no corpo do texto (numeradas no original) tiveram sua forma
de apresentação atualizada e padronizada (autor, ano). No artigo original, a
lista bibliográfica final tem várias referências incompletas, que na presente
edição foram completadas tanto quanto possível (Nota da revisora). ** XV Congresso Internacional de Medicina, Lisboa, 1906. Comunicação
pelos doutores Juliano Moreira (ex-professor de Psiquiatria e Neurologia,
diretor-alienista do Hospício Nacional de Alienados do Rio) e Afrânio Peixoto
(expreparador de Medicina Legal, alienista do Hospício Nacional de Alienados do
Rio), Brasil. coeficientes
climáticos podem bem entrar em parte, mas para as quais eles jamais contribuem
nem mediata nem diretamente. Esta é a observação geral, que não poderia informar
fatos particulares, ainda obscuros e partindo de interpretação variada, que se
lhe poderia opor. Para
empreender frutiferamente nosso estudo, é necessário ter noções exatas sobre os
climas denominados tropicais. Jules Rochard teve o cuidado de nos prevenir que
qualquer classificação dos climas é arbitrária. A sua não escapa a esta
crítica, tendo sido, no entanto, adotada pela maioria dos higienistas. A base
térmica adotada é passível de sérias objeções. É sempre verdade que as médias
térmicas são como roupas prontas: nenhuma tem a medida certa. Na realidade,
sabemos, quase não há climas de zonas, nem climas de regiões; há acima de tudo
climas de localidades. Entretanto,
por ser cômodo ligar os climas de localidade a qualquer uma das grandes
divisões que representam os climas de zona, cujas características são
convencionalmente bastante bem definidas e conhecidas, declaramos que
utilizamos para nossas comparações os documentos relativos aos países situados
entre as isotermas de + 20º ao Norte e + 20º ao Sul. *** Em patologia
nervosa e mental, assim como em qualquer outra, não é temerário dizer (por ser
um fato de observação) que não existem doenças mentais climáticas, ou mais
particularmente que, em climas quentes, não se observa nenhuma forma patológica
que seja estranha à neuropsiquiatria dos outros climas. Esta afirmação
baseia-se tanto em nossa própria experiência quanto na de nossos colegas de
diversas regiões do mundo. A
leitura atenta das notas e das comunicações clínicas, esparsas nas revistas
médicas de diversos países, mostrou-nos que elas não estão em contradição com a
nossa própria observação. O que
viram Muñoz (1866) e Gustavo López (1891) em Cuba, Niven (apud van Brero) em
Bombaim, Manning (1875-76) na Austrália, Grieves (1880-81), Law (1888) e Barnes
(1891) na Guiana Inglesa, Sandwith (apud Peterson) e Peterson (1892) no Cairo,
Greenless (1894; 1895) na África do Sul, Meilhon (1896) no Norte da África,
Holtsinger (1897) na Abissínia, Gillmore
Ellis (1893) em Cingapura, Van Brero (1896; 1905) e Kraepelin (1904;
1904b) em Java, Ostrowsky (1899) na Pérsia,prova que nossas observações nas
zonas quentes do Brasil podem se aplicar a todos os climas quentes do
mundo. Nossa
observação teve um amplo campo de ação em um território imenso, compreendido em
sua maioria entre os trópicos e possuindo, além disso, uma vasta região com
clima temperado e ameno que nos permitia a comparação. O
Brasil que se estende, com efeito, na América do Sul, por 39 graus de latitude,
entre 5º10’ N. e 33º46’ S., compreendendo uma superfície de Neste
grande país, seja por nossa observação direta em sua quase totalidade (pois
moramos em cidades de cada uma de suas circunscrições territoriais), ou pelas
informações médicas de qualquer natureza,não pudemos encontrar qualquer
afecção, nem mesmo uma variação ou um caráter particular em patologia mental,
cuja responsabilidade direta e imediata possa ser atribuída ao clima. A lista
das doenças
mentais no Brasil é identicamente a mesma que nos outros países: a questão é
apenas de dose e aparência, alterações às quais concorrem fatores complexos,
que analisamos adiante. Mesmo
em uma dada região em que persistiriam quase todos os fatores, exceto o
climático, pelas mudanças das estações, não se poderia tirar nenhuma conclusão
relativa à influência da temperatura e das circunstâncias meteorológicas
conexas. Um gráfico
anexo a este estudo1* mostra, com efeito, as curvas das máximas, das médias e das
mínimas térmicas mensais no Rio de Janeiro durante 10 anos, projetadas sobre a
linha da proporção dos casos de loucura sobrevindos nesta cidade e observados
no Hospital Nacional de Alienados: é impossível chegar a uma dedução clara
quanto à influência da temperatura etc. sobre as psicoses constatadas, visto
os dados do problema que variam de um ano para outro. É verdade que, no mais
das vezes, a admissão no Hospital não coincide com o início da doença, mas
coincide, pelo menos na maioria dos casos, com as exacerbações que justificam a
urgência da internação. A única dedução permitida é que se realmente o clima
(pelo menos em seus componentes principais: temperatura, estado higrométrico etc.)
influi nas determinações mórbidas mentais, esta influência é contrabalançada,
mascarada e anulada
pela complexidade obscura de outras condições de forma que é impossível
atribuir-lhe uma importância ou um valor qualquer. Esquirol
(1838, p. 24) pensava que os climas quentes produzem menos loucos do que os
temperados, sujeitos a grandes variações atmosféricas, e que havia menos alienados
na Grécia, na Turquia,nas Índias do que no Norte da Europa. Mas é, também,
nestas regiões que estão situados os países em que a assistência é mais
desenvolvida. No entanto, nos países frios em que a civilização é atrasada e em que ainda não existem os inconvenientes da
vida intensiva, como a Groenlândia, a Islândia, a Sibéria etc., não se tem
notícia de que a loucura seja mais frequente do que nas zonas quentes pouco
civilizadas. Em contrapartida, no que diz respeito ao Brasil, a loucura se
torna cada dia mais frequente em suas zonas quentes, proporcionalmente aos
progressos da civilização que, ao lado de suas grandes vantagens,
acarreta o aumento dos vícios e das doenças crescendo, como parasitas, à sua
sombra. Nos
climas quentes, qual é o valor das influências meteorológicas sobre os
alienados? Esquirol (1838, p. 26) dizia que, nos equinócios, os alienados ficavam
mais falantes. Conforme Guislain (1880), haveria algumas relações, difíceis de
precisar, entre a exacerbação e a remissão da loucura, por um lado,e os tempos
muito úmidos, os ventos, as tempestades e a eletricidade atmosférica, por
outro. Lombroso
(1867) observara que, dois ou três dias antes das grandes variações
atmosféricas, certos alienados, os estúpidos, os idiotas, os dementes e principalmente
os epilépticos ficam muito agitados,parecendo-se nisso a muitos dos animais. Estudamos
a questão comparando o levantamento dos ataques dos epilépticos do Hospital
Nacional de Alienados com os dados meteorológicos do Observatório do Rio e da
seção meteorológica da Marinha. Os fatores estudados foram à temperatura, o
estado do céu (nuvens), a chuva, o estado higrométrico, a força e a direção do
vento, a pressão atmosférica, as tempestades. Além disso, pesquisamos a influência
das fases lunares. Deste
estudo minucioso, acreditamos poder concluir que, pelo menos quanto ao clima,
não existem relações entre os fenômenos atmosféricos e o aparecimento dos
ataques convulsivos nos epilépticos. Nos
países quentes, assim como nos países frios, ao observar com atenção e, em
particular, os casos clínicos, observa-se que há grandes diferenças individuais
e que, com frequência, o modo de reagir de um doente não é semelhante em duas
ocasiões aparentemente idênticas. *** A
comparação de algumas cifras de nossas estatísticas com as europeias,
assinalando as variações e as diferenças destes números para cada doença
mental, nos permitirá indicar as causas prováveis do fato indicado. 1 * O referido gráfico não foi encontrado em nossa cópia do
original de 1906. (Nota da revisora). Idiotia A
idiotia apresenta em nossas zonas climáticas com médias térmicas mais elevadas,
assim como naquelas com médias menos elevadas, todas as formas descritas nos
países frios. Comparando o que observamos no Brasil com o que vimos nos hospitais
europeus, nada temos de particular a assinalar em nosso país. Nossa proporção
inferior em relação a ela, relativamente aos outros países, é devida exclusivamente
ao fato de que nossos Hospitais apenas recebem um número mínimo de casos de
idiotia, os doentes
mais inofensivos permanecem quase sempre confiados aos cuidados de suas
famílias. Imbecilidade e debilidade mental Quanto
à imbecilidade e à debilidade mental, podemos igualmente afirmar que elas não
apresentam sintomatologicamente nada diferente do que se observa nos países
frios. Sua grande frequência em alguns distritos rurais não poderia ser
atribuída ao clima, porque esta frequência existe em localidades com médias
térmicas muito temperadas. Não acreditamos, aliás, que as duas modalidades de disfrenias degenerativas
sejam mais frequentes no Brasil do que na Irlanda e na Rússia, por exemplo. As
causas de sua frequência,
em nosso país, são as mesmas que em outros países. Pedimos observar, no
entanto, que uma das mais graves, nos Estados da Bahia, Pernambuco, Ceará, São
Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Espírito Santo, é o número extraordinário de
doentes de ancilostomíase nos distritos rurais. Os descendentes destes doentes
são frequentemente imbecis ou débeis mentais, sem que nenhuma outra causa
pareça ter concorrido para este resultado. O
alcoolismo, a sífilis e o impaludismo são os outros fatores da frequência da
imbecilidade, assim como da idiotia, em nossas zonas tropicais. Neurastenia Os
números que figuram em nossas estatísticas são exíguos por dois motivos: o
primeiro é que o lugar de nossa observação é um Hospital de Alienados, em que
os doentes são sempre levados pela polícia ou por seus parentes, e a internação
dos neurastênicos, em geral, não é urgente. O segundo motivo é que se a neurastenia
tem como desenvolvimento, como acontece com bastante frequência, uma perturbação mental mais grave ou mais notável, o caso em
questão figura sob esta última rubrica. É preciso considerar, além disso, que
duas das principais condições causais da neurastenia estão ainda em estado
rudimentar no Brasil, mesmo em sua capital, a saber: a estafa por excesso de
trabalho ou outro [excesso] e o esgotamento venéreo, principalmente por
perversões sexuais. Nossas condições de civilização ainda não nos causaram estes
tristes efeitos, que esgotam os povos com uma vida mais intensa. Talvez venha
daí a raridade dos neurastênicos em nossos hospitais. Na clínica particular, no
entanto, eles já são frequentes e, se um número maior não é observado, é porque
cruzam com bastante frequência o Oceano para irem consultar os grandes
especialistas europeus, ou aumentar o número dos frequentadores das estâncias
de águas, sob o pretexto de que sofrem do estômago ou dos intestinos. Histeria A
histeria é frequente no Brasil, principalmente em suas formas convulsivas,
observando-se verdadeiras epidemias, como as de astasia-abasia As
causas da histeria, em nosso país, não diferem em nada das que agem na Europa e
na América do Norte. 2 * Trata-se do artigo ‘A
abasia coreiforme epidêmica no Norte do Brasil’, de 1890, republicado nesta
Antologia (Nota da revisora). Epilepsia A
proporção desta doença é considerável, principalmente em sua forma convulsiva. Apesar
de encontrarmos frequentemente todas as variações epilépticas, desde o pequeno
mal até as manifestações psíquicas delirantes, e mesmo criminais da neurose (e
possuímos quanto a isso casos muito curiosos), observa-se facilmente que o
grande ataque é a mais comum das manifestações comiciais. Como causas a
assinalar, citaremos o alcoolismo dos pais e a degeneração criada por esta intoxicação
e por outras intoxicações mórbidas, alimentares, etc. Degeneração inferior Magma
confuso de evolução cerebral abortada ou de regressão doentia, sobre a qual se
implantam e com a qual se misturam as perversões, os fetichismos, os delírios
episódicos. A proporção é considerável, principalmente ao se considerar que,
sob esta rubrica, são compreendidos quase todos os casos sem característica
precisa e todos aqueles disseminados sob outras rubricas. Como em toda parte,
encontra-se nos ascendentes dos doentes o alcoolismo, a sífilis e os abusos
venéreos. Paranóia Seguindo
as indicações de Kraepelin, excluímos tudo o que a confusão psiquiátrica
erroneamente considerou sob esta denominação. Em um trabalho anterior (Moreira
e Peixoto, 1905), partilhamos a opinião do professor de Munique. Por encarar a
paranóia desta maneira, em 1904 tivemos apenas 1,1% de casos. Tivemos a sorte
de observar em nosso país casos muito instrutivos desta doença. Alcoolismo A
porcentagem encontrada por um de nós em um período de 10 anos é de 28%, que
equivale à anual, em nossas estatísticas. O doutor Roxo (1904) observou na
Clínica Psiquiátrica da Faculdade do Rio, de Psicoses infecciosas Em
terrenos preparados pela neuropatia, observa-se um grande número de casos de
perturbações mentais que acontecem no período inicial ou no secundário da sífilis,
na malária, na varíola, na febre amarela. Encontrando um terreno propício,
estas infecções fizeram eclodir as desordens mentais. Não houve erro de
imputação, nos dois primeiros casos, pois as medicações específicas sempre
forneceram uma confirmação positiva. Confusão aguda Entre
as psicoses por esgotamento (Das Erschöpfungirresein), Kraepelin reserva a
denominação de confusão aguda – Die acute Verwirrtheit – (Amentia) – somente
para uma categoria dentre os fatos agrupados por Meynert sob o nome de Amentia. Apesar
da raridade desta psicose (0,5%), observamos em nosso país casos típicos. Ela é
mais frequente na mulher. As causas mais comuns são os fatores de esgotamento,
principalmente o estado puerperal, a exaustão física e as vigílias. Loucura maníaco-depressiva Um de
nós (Peixoto, 1905) encontrou, em 10 anos entre nossos alienados, 6,6% de
maníaco-depressivos. Ao contrário do que se observa na Europa, onde há excesso
de mulheres, observa-se em nosso país uma leve diferença em favor do sexo
masculino, que forneceu, em 10 anos, 6,8% contra 6,5% para o sexo feminino. A
loucura maníaco-depressiva é mais tardia entre nós. A comparação de nossos
números com os
de Kraepelin e de Weignandt mostra que, até os 20 anos de idade, temos muito
menos maníaco-depressivos, e após os 40 anos, temos muito mais do que a
Alemanha. A
contribuição dos grupos étnicos é desigual: mais da metade dos casos (53%)
pertencem à assim chamada raça branca; mais de um quarto (28%) aos mestiços e
mais de um sexto (19%) à raça negra (Peixoto, 1905). Demência precoce A
demência precoce, em todas as suas variedades kraepelinianas, é muito frequente
no Brasil: o fato é facilmente observável desde que se agrupou sob esta rubrica
casos anteriormente mal classificados. Os
estudos excessivos, que começam com demasiada precocidade no Brasil;
maus-tratos domésticos ou nos internatos; os rigores da disciplina; o medo das
punições; os perigos de revoluções; estes são com frequência os fatores
ocasionais da doença, verificados entre nós. Em um
total de 1.806 doentes observados no Hospital Nacional de Alienados ao longo do
ano 1904, encontramos 217 dementes precoces, ou seja, 12%, dos quais 165 homens
e 52 mulheres, perfazendo uma proporção de 14,5% para os primeiros e 7,8% para
as segundas. O número total de 12% é inferior ao de Kraepelin, que indica de elevada
entre todos os autores. Nosso
número total de 12% aproxima-se, em suma, bastante daqueles obtidos por
Sérieux, Séglas e Deny. Em
Java, o Professor Kraepelin encontrou a demência precoce com muita frequência. Infelizmente,
ele não fornece a sua proporção. Involução senil, melancolia de involução, demência senil Nos
países quentes, assim como nos frios, a velhice não poupa das psicoses.
Observamos todas as formas mórbidas descritas na Europa por Ritti, Wille,
Kraepelin etc. A proporção destas psicoses senis será certamente menos elevada
do que os 8%, estabelecidos em Rhinan por Wille, porque muitos destes doentes
são tratados em casa. Paralisia geral Em
relação à paralisia geral, dois fatos devem ser observados: um é o menor número
de casos entre nós e a extrema raridade desta síndrome nas mulheres,
contrariamente ao que se observa em certos países da Europa e Muñoz e
Gustavo López em Cuba, Niven em Bombaim, Plaxton no Ceilão, Manning ist
eine Irrseinsform, welche in tropischen Ländern wenig beobachtet wird”.3* Acreditamos
que tanto nos países quentes quanto nos frios a paralisia geral é mais ou menos
frequente conforme o grau de civilização. No
Brasil, ela é mais frequente nos grandes centros. Somos
informados, pelas estatísticas levantadas por Penafiel e Moreira4*, que deram entrada no 3 * Em alemão no original: “A dementia paralytica é uma forma de loucura
pouco observada em países tropicais” (Nota da revisora). 4 * Estatísticas que seriam publicadas por Juliano Moreira e
Antonio Penafiel em: A contribution to
the study of dementia paralytica in Brazil, no Journal of Mental Science, em
1907. Este artigo foi traduzido pela primeira vez para o português em 2005, e
publicado como Contribuição ao estudo da dementia paralytica no Brasil. Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (v. 8, n. 4, p. 812-827). (Nota da revisora). B Hospital
Nacional de Alienados no Rio, durante o período de Conforme
as estatísticas de Franco da Rocha (1904) zona
subtropical. Mas a
razão da diferença de porcentagem não é o clima. A imigração estrangeira mais
forte explicará o fato. Apesar
de a sífilis atingir uma grande extensão no Brasil, observa-se uma
preponderância das formas tegumentares benignas, de modo que o sistema nervoso
é relativamente poupado. No entanto,
ao lado destas manifestações, um de nós observou não apenas numerosos casos de terciarismo
agudo, extenso, que atinge com rapidez os ossos e os tegumentos, principalmente
nos doentes dos distritos rurais em que há vários fatores de agravamento da doença,
mas ainda casos de terciarismo dos centros nervosos, mais ou menos graves, nos
brasileiros descendentes, mais ou menos puros,
dos dois grupos étnicos que mais concorreram para o povoamento do país. Se as
localizações encéfalo-medulares de sífilis entre os habitantes do Brasil não
são excepcionais, as afecções chamadas de parassifilíticas não são frequentes,
como em certos países da Europa e parecem ser totalmente desconhecidas nos
aborígines. Esta
imunidade deve ser atribuída a uma influência étnica? Acreditamos que não. O
tipo de vida que levam estes aborígines, cuja atividade é reduzida ao mínimo, é
sem dúvida a causa deste estado refratário. Eles não têm as preocupações, os
males e o excesso de trabalho intelectual do homem civilizado. Se não conhecem
o prazer dos gozos psíquicos, ignoram em contrapartida as depressões neurastênicas. Nos
climas tropicais assim como nos frios, a sífilis é de longe a causa mais frequente
da paralisia geral. Encontramo-la, certa ou provável, em aproximadamente 80%
dos casos. Ela existe como fator predominante em 30 de 100 casos. Qualquer
que seja o valor da sífilis como causa da paralisia geral, acreditamos que ela
não é a única. Parece
suficientemente demonstrado que os tóxicos mais diversos podem dar origem, nas
pessoas predispostas, à meningoencefalite difusa. A
estafa por excesso de trabalho, por miséria e principalmente por perversões
genésicas, o coito imoderado, os abortos provocados etc., comuns em certas
capitais da Europa, são relativamente raros no Brasil. Mas como o quociente do
progresso aumenta gradualmente e, como eles, os males que o acompanham,
a paralisia geral começa a figurar sensivelmente mais frequente em nosso
obituário, e tende a aumentar ainda mais. Aliás,
temos a convicção de que a raridade da demência paralítica nas estatísticas dos
principais centros do Brasil é maior do que na realidade. Isto se deve, em sua
maioria, aos erros de diagnóstico. Muitos
médicos, e dos mais instruídos, desconhecem a paralisia geral, quando um
alienista não hesitaria em atestá-la, e somente a admitem quando a síndrome
está completa. 5 ** Possivelmente, trata-se de um erro tipográfico. Na verdade,
52 paralíticos representam 19,5% do total de 266 estrangeiros. (Nota da
revisora). *** Uma
questão que devemos discutir brevemente, antes de concluir, é a da influência
dos trópicos sobre o sistema nervoso dos emigrantes dos países frios. Em
Manaus, em Belém no estado do Pará, no do Maranhão, em Fortaleza, em
Pernambuco, na Bahia etc., enfim em toda a região do Brasil considerada como
possuindo climas quentes, vimos um grande número de europeus originários dos
países do Norte,
alemães, noruegueses, russos, ingleses, etc., viver nas melhores condições de
saúde e conservar um excelente sistema nervoso. É que eles se empenharam em
viver conforme o clima e respeitaram as prescrições que aconselha a higiene
para a existência em tais condições. Ao lado deles, em contrapartida, vimos
muitos cujas perturbações eram devidas aos excessos de cibus, de potus e de
vênus6*. Um certo
número, aliás, devia ter trazido da Europa taras degenerativas que ocasionavam
as manifestações mórbidas e, nestes casos, estas últimas teriam certamente
aparecido da mesma forma, se os emigrantes não tivessem deixado suas pátrias. E sem
nos deter por enquanto em aprofundar a afirmação, recordaremos que a emigração
pode ser o resultado de estados psicopáticos diversos que incitam o homem a se
deslocar, seja em virtude de ideias de perseguição ou de grandeza, ou ainda de
impulsões relacionadas à histeria, à epilepsia, à paralisia geral, etc. Quanto
à insônia persistente de que nos falam Daübler e Rasch, o clima não é de forma
alguma sua causa, pois, em nossas zonas equatoriais, não foi observada uma frequência
maior do que na Europa. Nossas
observações estão de acordo com o que afirma o Diretor do Museu do Pará, o
estudioso suíço Dr. Goeldi (1902), em seu estudo sobre o clima da Amazônia. Ele
descreveu: “Nie während eines mehr als 7 jährigen Aufenthaltes habe ich, noch
eines meiner Familienmitglieder, noch einer unserer europäischen
Museumsangestellten wegen Hitze nicht zu einem erquicklichen Schlafe gelangen können”.
7* ***(7 * Em alemão no original: “Nunca, durante uma permanência de mais
de sete anos, nem eu, nem um membro de minha família, nem um dos nossos funcionários
europeus do Museu pudemos dormir sob uma temperatura fresca, devido ao calor.”
(Nota da revisora). Já se
observou como particulares aos climas quentes duas síndromes, conhecidas pelos
indígenas do Arquipélago Malásio sob os nomes de Latah e de Amok. A
leitura atenta dos trabalhos de Swaving (apud van Brero), de Vogler (1853, apud
van Brero), de van de Burg (apud Van Brero), de Rasch (1895), de Gillmore Ellis
(1893), de Van Brero (1896; 1905) e, finalmente, de Kraepelin (1904; 1904b),
que visitou Java o ano passado, leva-nos a crer que o Latah e o Amok não são
duas doenças independentes e que não são particulares dos climas quentes. Os fenômenos
do Latah (um mioespasmo impulsivo imitativo provocado, segundo Marina e Van
Brero) pertencem
certamente, no geral, à doença de Gilles de O Amok,
em contrapartida, não é uma forma mórbida unívoca, mas o nome genérico sob o
qual se designam atos impulsivos extremamente violentos, acompanhados de
obnubilação. Na verdade, a maioria destes estados deve ser relacionada à
epilepsia. No ano
passado, os jornais do Rio de Janeiro se ocuparam demoradamente do caso de um
indivíduo, que um deles nomeou de Homem-fera. Este indivíduo, posteriormente
internado no Hospital Nacional de Alienados, é um epiléptico: se morasse nas
Índias holandesas, seria um típico caso de Amok. 6 * Ou seja, a excessos alimentares, alcoólicos e sexuais (Nota da
revisora). *** É o
momento de dizer algumas palavras sobre os acidentes determinados no homem
pelos raios caloríficos do sol. Mas eles não são particulares dos climas
tropicais. Nós os temos visto em Berlim e Até
hoje muito raramente tivemos a ocasião no Brasil de observar estas
perturbações. Há mais: uma coincidência notável. Um caso de paralisia geral que
observamos no Hospital, tendo uma insolação nos antecedentes, começou em uma
cidade da República do Uruguai, já situada em uma isoterma da zona temperada. Autores
afirmaram que, quando o golpe de calor (coup de chaleur) atinge o sistema
nervoso central, ele pode ostentar três formas: a comatosa, a convulsiva e a
delirante. Esta última é caracterizada por um delírio agudo. Texier observou um
caso em que o doente atingido pelo delírio furioso queria se jogar ao mar. Este
tipo era anteriormente conhecido sob o nome de calentura ou parafrosina
calentura, como o chamava Sauvages. A calentura, diz Fonsagrives, é um delírio
febril, súbito, particular dos países
quentes, e cujo caráter específico é inspirar no doente o desejo de se jogar ao
mar. A existência desta afecção havia se apoiado em alguns fatos, entre os
quais o mais importante é a história, relatada por Gaulthier, de trinta marujos
e do médico de bordo se jogando ao mar em um acesso de delírio furioso (apud
Boudin, Géographie et statistique médicales). Acreditamos que esta modalidade
mórbida torna-se rara graças, sobretudo, aos progressos da higiene dos navios,
porque por diversas vezes atravessamos
o equador e não observamos um único caso. Há
muito tempo, aliás, Fonsagrives dizia não haver encontrado um único exemplo,
durante quatro anos de navegação nas costas da África, em um efetivo de 3.000
homens. Em terra, diz-se, o golpe de calor delirante pode acometer com a mesma
intensidade. Repetimos que esta forma mórbida não é particular aos climas
quentes porque, segundo Pringle, é durante os maiores calores na Holanda que se
observaram no exército inglês estas febres, assinaladas em seu início por um
frenesi súbito e tão violento
que os soldados se lançavam de seus carros nos pântanos que bordejavam a
estrada. O que
quer que signifique a patogenia do golpe de calor, o aparecimento de seus
acidentes cerebrais é favorecido por predisposições individuais. A influência
do alcoolismo costumeiro, ou do abuso acidental de bebidas alcoólicas, é
evidente. Kelsch insistiu com muita razão sobre a vulnerabilidade especial dos
sujeitos portadores de taras orgânicas, de insuficiência funcional do rim e
principalmente de
disposições mórbidas, inatas ou adquiridas, do músculo cardíaco. O
Professor Le Dantec (1905, p. 180) escreveu: “Os fortes calores acompanhados de
noite por insônia, a ausência de qualquer distração, criam nas colônias um
estado mental particular que se chamou pelo nome característico de sudanita,
porque é observado com máxima intensidade no Sudão. As outras colônias não
estão imunes a isto, etc.” Nas
zonas mais quentes do Brasil, não observamos absolutamente nada de semelhante à
conhecida sudanita. Aliás, estamos convencidos de que as vítimas desta
psicopatia pseudotropical são degenerados comuns que facilmente começam a
delirar, principalmente por causa da maneira viciada de viver nos climas
quentes. É preciso sanear as cidades: nelas quase todos se dedicam a perder a
saúde. A estafa,
o alcoolismo, o relaxamento mais ou menos disfarçado dos costumes, tudo isso
forma candidatos ao fracasso moral e intelectual. Assim
dizia o Professor George Treille, desde 1899: “nos países quentes assim como na
zona temperada, é menos do lado dos meteoros do que das deficiências da higiene
individual e social, menos nos transtornos funcionais causados pelo clima na
fisiologia do homem do que nas aberrações do regime de vida que é preciso
procurar as causas da alteração da saúde do europeu”. 8 * Sobre esse último autor, a referência dada é apenas: Allg. Zeits. f. Psych.
[Allgemeine Zeitschri#t für Psychiatrie], XL,n. 1 e n. 2. (Nota da revisora). Há uma
questão ligada a esta dos climas, que é a influência dos grupos étnicos sobre a
produção e a frequência das psicoses. Para evitar prolongar este trabalho, não
publicaremos agora os resultados de nossas pesquisas. Em relação a esta
questão, acreditamos que há um número de preconceitos a destruir. Nós a
discutiremos em um trabalho posterior. Conclusões 1. Não
existe, nas zonas climáticas chamadas tropicais, nem nos nativos do país, nem
nos europeus, nenhuma forma patológica estranha à neuropsiquiatria de outros
climas. 2. Não
existe nenhuma relação entre a proporção dos casos de loucura acontecidos no Rio
de Janeiro e nas outras cidades do Brasil, e as máximas térmicas das mesmas
cidades. 3. Não
existe nenhuma correlação entre os componentes climáticos (temperatura, estado
higrométrico etc.) e o número de casos de loucura, nas regiões quentes do
Brasil. 4. Nos
climas quentes, as correlações das influências meteorológicas e das estações
sobre os alienados apresentam, assim como nos climas frios, diferenças
individuais. Não poderiam se formuladas regras gerais a este respeito. 6. Não
há motivos para crer que nos climas tropicais haja uma maior frequência de
psicoses ligadas à malária. Seu aparecimento nos indivíduos atingidos pelo
impaludismo depende de outros fatores. 7. O
clima não influi em nada sobre os sintomas das diversas psicoses. É no grau de
instrução do indivíduo que reside à causa das diferenças que podem se
apresentar. O descendente puro de dois caucasianos, igualmente puros, criado no
interior, no meio de pessoas ignorantes, apresenta os mesmos delírios
rudimentares que os indivíduos de cor desprovidos de instrução. Quadro:
Proporção das síndromes mentais observadas em 1.806 admissões no Hospital
Nacional de Alienados e na Colônia de Alienados do Rio [de Janeiro], em 1904 Em 670 mulheres Em 1.136 homens Em 1.806 admissões Número de casos
e percentual Número de casos e percentual Idiotia 10 (1,4%) 28 (2,4%) 38 (2,1%) Imbecilidade 19 (2,8%) 81 (7,1%) 100 (5,5%) Debilidade mental 11 (1,6%) 35 (3,0%) 46 (2,5%) Neurastenia 4 (0,4%) 4 (0,2%) Histeria 186 (27,7%) 9 (0,8%) 195 (10,8%) Epilepsia 72 (10,7%) 121 (10,6%) 193 (10,6%) Estados psicopáticos: degeneração 10 (1,4%) 66 (5,8%) 76 (4,2%) B Paranóia 4 (0,6%) 16 (1,4%) 20 (1,1%) Psicose tóxica: alcoolismo 103 (15,3%) 328 (28,8%) 431 (23,9%) Psicose autotóxica: puerperal 2
(0,3%) --- 2 (0,1%) Psicose autotóxica: de esgotamento 8 (1,2%) 3 (0,3%) 11 (0,6%) Psicose infecciosa: sífilis --- 17 (1,5%) 17 (0,9%) Psicose infecciosa: varíola --- 1 (0,1%) 1 (0,05%) Psicose infecciosa: beribéri --- 1 (0,1%) 1 (0,05%) Psicose infecciosa: malária --- 3 (0,3%) 3 (0,15%) Psicose infecciosa: febre amarela 1 (0,1%) --- 1 (0,05%) Psicose infecciosa: anônima (atípica) 5 (0,7%) 22(2,0%) 27(1,5%) Loucura maníaco depressiva 90
(13,3%) 89 (7,9%) 179 (9,9%) Paralisia geral 1 (0,1%) 44 (3,9%) 45 (2,4%) Demência precoce 52 (7,8%) 165 (14,5%) 217 (12,0%) Demência terminal consecutiva a diversas psicopatias 64 (9,5%) 53 (4,7%) 117 (6,5%) Involução senil paranóide --- 2 (0,2%) 2 (0,1%) Melancolia de involução --- 7
(0,6%) 7 (0,3%) Demência senil 20 (2,9%) 11 (1,0%) 31 (1,7%) Não-alienados 2 (0,3%) 15 (1,3%) 17 (0,9%) Em observação 10 (1,4%) 15 (1,3%) 25 (1,4%) Total 670 (100%) 1.136 (100%) 1.806 (100%) Referências Barnes, W. S. Notes on
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Geneeskundig Tijdscrift voor Nederlandsch Indie Deel. XXXII A ". 5
(?), s/d. Van Brero, P. C. Die
Nerven und Geisteskrankheiten in den Tropen. In: Mense, C. (Ed.). Handbuch der
Tropenkrankheiten, 1905. A seleção individual de imigrantes no programa da higiene mental (1925) * Juliano Moreira * Originalmente publicado Em países novos de vasto território e em via de crescimento demográfico,
os problemas de higiene mental têm de estar em estreita dependência com os de
imigração de gentes provindas de outras terras. O nosso Brasil, em virtude da
desproporção atual entre sua população e a sua enorme superfície,há de ser
durante muitos e muitos anos um país de imigração. Temos, pois, de fiscalizar
os elementos que nos
chegam de todas as partes do mundo, pois não nos devemos conformar com a pouco
agradável posição de escoadouro de quanto emigrado indesejável, sob o ponto de
vista mental, que porventura para aqui se dirija. De nada
nos servirá envidar esforços no sentido de melhorar as condições de saúde
física e mental de nossa gente, se tivermos sempre a chegar novas levas de tais
indesejáveis. As medidas tomadas pelos Estados Unidos do Norte, pela Inglaterra
em seus domínios, não foram mais do que a resultante da verificação da soma de
males provenientes da imprevidente liberalidade com que eram recebidos os emigrantes
de toda parte do mundo. O
número de criminosos e alienados estrangeiros entrados nos Estados Unidos atingiu
tais proporções que foi preciso providenciar no sentido de parar a corrente
perniciosa. Sem
nenhuma dúvida a história do desenvolvimento da civilização norte-americana
seria apenas um estudo do processo de assimilação dos vários elementos raciais
que hoje constituem a grande nação. Contudo
é inconteste que dos muitos emigrantes maus ali entrados até certa época sem
nenhuma seleção, provém em grande parte o tremendo aumento de doenças nervosas
e mentais ali verificado. A importância social e econômica do problema tem sido
ali explanada em estatísticas dignas de estudo. Para
não citar muito, basta-me referir que o Estado de Nova York só em 1912
despendeu com os seus doentes estrangeiros nos hospitais psiquiátricos a
respeitável soma de 2.579.902 dólares. Há
precisamente cem anos (1824) o Estado de Nova York introduziu em sua legislação
dispositivos no sentido de impedir a entrada de alienados e atrasados mentais
em seu território. Em prescrição
provinha da existência de certos países da Europa que perdoavam criminosos com
a condição de emigrarem eles para os Estados Unidos. O Congresso
norte-americano em 1860 não só protestou contra tais disposições, como rejeitou
uma lei tendente a incrementar a entrada de gente estrangeira. Um inquérito
feito pela Comissão de Imigração pôs em evidência o fato de que o grande aumento
de emigrantes para o território dos Estados Unidos provinha de propaganda dos
agentes das companhias de vapores e que eles só no território da Galícia
austríaca chegavam a ter cinco ou seis mil sub-agentes. Assim
foi pouco a pouco a grande nação norte-americana modificando sua lei
proibitiva, ate chegar às rigorosas disposições atuais. Sirva-nos, pois, de
exemplo a lição que nos é transmitida por um povo que, apesar de opulento, não
deixa de queixar-se das conseqüências do mal de não ter melhor escolhido em
tempo os seus imigrantes sob o ponto de vista mental. Infelizmente
velhos preconceitos de raça orientaram ali as mais recentes determinações
legais. É real que a grande nação norte-americana, já estando muito bem
povoada, julga-se no direito de escolher muito a gente que para lá queira
emigrar. Nós temos de aproveitar a lição que lá ocorreu, mas aproveitemo-la com
as correções que o tempo lhe impôs: temos de adaptar os remédios às condições de
receptividade do nosso organismo social. Os métodos menos drásticos nos convêm
muito melhor a nossa
índole e educação e permitem em tempo acudir aos choques que por ventura
sobrevenham. Vejamos
agora se em nosso país as coisas se têm passado de modo a tranquilizar-nos e
eximir-nos de cogitar do problema. Em uma
estatística de dez anos (1905-1914) de pacientes admitidos no Hospital Nacional
para tratamento de doenças mentais, verificamos que em 7.212 alienados homens,
2.258, isto e, mais de 31 % eram estrangeiros. Depois daquela data, a proporção
tendendo a aumentar de modo assustador, achei de bom alvitre ampliar o serviço
de assistência externa aos pacientes que pudessem ser tratados em domicilio,
vindo apenas à consulta no ambulatório do Hospital. Da parte de parentes e
amigos dos
respectivos doentes tenho conseguido o máximo de tolerância neste sentido,
diminuindo assim o número de entrados não só brasileiros como estrangeiros.
Além disso, recorrendo a esses parentes e amigos, assim como por vezes aos
respectivos cônsules, tenho alcançado o repatriamento de muitos psicopatas
(sic.) estrangeiros. Não devo ocultar que alguns destes, depois de mais ou
menos longa estadia na Europa, sentindo-se curados ou apenas melhorados
voltaram no Brasil e aí vão vivendo sem novas manifestações alarmantes. Sei,
porém, de vários que voltaram ao Hospital e aí estão pesando em nosso orçamento
de assistência a alienados. Um desses por muito desastroso merece menção
especial. Trata-se
de um europeu que ao vir para o Brasil já era evidentemente um
maníaco-depressivo, pois que na sua pátria havia tido duas internações. Depois
da segunda internação ali, formulou ele projetos grandiosos de vir a América
pôr em prática umas ideias de largo surto. Escolheu infelizmente o Brasil para
execução dos planos, pois por aqui tinha parentes e amigos e havia lido algo
sobre fortunas formidáveis adquiridas por patrícios seus trocou
em atos de bravura suas impulsões doentias. Se acreditarmos em suas revelações,
deve ter matado muita gente sem necessidade. Feita a paz deram-lhe logo baixa.
Imediatamente regressou no Brasil, trazendo a mais uma infecção luética
adquirida lá e que foi logo transmitida à mulher com a qual se havia ligado e
que ate hoje sofre as consequências do mal, frequentando embora assiduamente os
ambulatórios de profilaxia de doenças venéreas. Ele depois que regressou teve
dois novos acessos maníacos que o trouxeram ao manicômio, onde pela violência
de suas reações causou prejuízos incalculáveis em roupas e objetos, além dos
feridos, guardas e doentes que por causa dele tiveram de ir aos serviços de
cirurgia do hospital. De um
outro sei que em sua pátria, fora liberado condicional após o primeiro delito
ali praticado e que logo emigrou para o Brasil, onde tem oscilado entre a
cadeia e o manicômio, sem nenhum proveito para o país. Temos
ate hoje no Hospital Nacional um escandinavo, aliás, pertencente a família
educada, que para aqui emigrou já francamente doente, quebrando pouco depois da
chegada a vitrine de urna importante casa comercial da Avenida Rio Branco, e
que eu já duas vezes consegui fosse repatriado pelo respectivo cônsul, mas que
tem regressado, continuando a pesar sobre a nossa Assistência a tais doentes. Dos
muitos que tem vindo diretamente de bordo ou da Ilha das Flores para o
Manicômio não falarei, porque apesar do prejuízo que nos trazem em
sustentá-los, não são dos piores do ponto de vista eugenético, por isso que
muitos desses internados logo a chegada, não tiveram tempo de deixar entre nós
sucessão perniciosa. Entre
nós, como algures, aliás, não se tem meditado bastante sobre o papel valioso
dos manicômios na profilaxia das doenças nervosas e mentais. As internações não
previnem apenas delitos comuns, mas também os atentados contra a saúde mental
da população, interrompendo a série de casos mórbidos hereditários. Tenho
conhecimento de mais de uma série mórbida familiar descontinuada, graças a
internação do indivíduo propagador do mal. Pode
ser esquecido que a sequestração de um toxicômano impeça as probabilidades de
procriação durante ao menos o período de impregnação que, evidentemente, é o
que dá em resultado nefasto os piores produtos? E para o ambiente de família
pode ser negado que o afastamento dos pacientes seja de alto valor profilático?
A sequestração do toxicômano previne evidentemente muitos delitos. Bem melhor
será que ela se faça precocemente do que tardiamente. De um caso devo fazer
aqui referência, embora curta. Um estrangeiro grande bebedor, de uma feita
afetado de delírio de ciúmes investiu contra a mulher. Um filho do casal, rapaz
de 14 anos, ao ver a violência da investida materna, pegou de um machado de cozinha
que lhe estava à mão e com ele investiu sobre o pai, quase o matando. Só depois
disso internaram o paciente para a cura dos ferimentos produzidos. De sua
internação prolongada resultou então a cura do alcoolismo, vindo o homem a
falecer alguns anos depois, por ocasião da pandemia gripal. E outros fatos
poderia eu citar em prol da minha afirmativa de que os manicômios e outros
estabelecimentos de assistência a psicopatas representam um papel não
desprezível na profilaxia das doenças nervosas e mentais. Que os
nossos legisladores e homens de Estado reflitam um pouco sobre isto, quando
lhes parecerem pesadas as verbas de manutenção dos serviços da referida
Assistência. *** Os
norte-americanos com estatísticas mais ou menos numerosas têm procurado estabelecer
quais os grupos étnicos que fornecem maior contingente de psicopatas aos
manicômios dos Estados Unidos Da
meditação severa destas estatísticas e do confronto imparcial com o que ocorre
entre nós, acho que não se deve argumentar contra os emigrantes deste ou
daquele povo, porque seja maior a cifra de pacientes por ele fornecidos. A
questão tem de ser individualizada. Cada emigrante tem que ser examinado a
parte, desde que se não possa fazer em confronto com a própria família, o que
seria o ideal da seleção, porque um indivíduo, mesmo são, membro de uma família
cheia de alienados é pouco menos
perigoso que um alienado no meio de urna família de sãos. Enfim, enquanto se
não generalizar o uso salutaríssimo da ficha genealógica de saúde mental de
cada individuo, contentemo-nos em pedir a observação de cada emigrante. Se os
bons princípios de verdadeiro internacionalismo já estivessem bem estabilizados
eu pediria que os próprios países que por circunstâncias sociais de sobra
conhecidas, tivessem de fornecer emigrantes também se preocupassem com a
seleção física e psíquica dos que tivessem de deixar a pátria. A
preocupação tinha de ser não somente a de conservar o emigrado fiel ao país de
origem, mas a de que em seu novo “habitat” jamais fosse ele um eco dissonante
da boa reputação da gente de seu sangue e de sua nacionalidade de origem. O bem
que daí proviria para melhor aproximação dos povos seria inconteste. Se isso ao
menos se fizesse no que diz respeito às intitutrices teríamos evitado a
frequência delas em nossos manicômios. Há pouco tempo em uma secção do Hospital
Nacional tivemos cinco dessas infelizes que se tivessem sido bem examinadas
psicologicamente antes da partida não teriam deixado os seus respectivos
países, se esses já estivessem compenetrados da desvantagem de tais
representantes no estrangeiro. Enquanto não for
possível o referido acordo entre as nações que fornecem emigrantes e as que
necessitam de imigrantes, devemos fazer sem distinção de raça ou nacionalidade
uma seleção individual o mais que possível rigorosa sob o ponto de vista
mental, isto é, não devemos receber imigrantes que apresentem perturbação
mental congênita ou adquirida: nenhum idiota, nenhum imbecil evidente, nenhum
demente de qualquer espécie, nenhum epiléptico, nenhum maníaco-depressivo,
nenhum parafrênico, nenhum paranóico, nenhum doente de qualquer outra psicose
definida poderá saltar em nenhum porto nacional e se entrar pelas fronteiras
terrestres deverá ser repatriado, mesmo que seja a custa da nação. Se dentro
dos 12 primeiros meses da entrada do imigrante no país lhe sobrevier algum dos
referidos estados psicopáticos, deverá também ser repatriado o mesmo imigrante.
Nenhum estrangeiro de mais de dez anos poderá permanecer no país por mais de
seis meses se não souber ler e escrever pelo menos a própria língua. Almejo à saúde
mental da nacionalidade brasileira que elementos maus não venham de países
estranhos concorrer para abaixar-lhe o nível. *Diretor
Geral da Assistência a Alienados. Presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia,
Psiquiatria e Medicina Legal. Presidente de honra da Liga Brasileira de Higiene
Mental.
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