Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Maio de 2012 - Vol.17 - Nº 5

Psiquiatria na Prática Médica

A TECNOLOGIA MÉDICA NO DIAGNÓSTICO EM PSIQUIATRIA

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Não é mais novidade a utilização de recursos e de tecnologia de ponta para auxílio no diagnóstico e etiologia de transtornos psiquiátricos.

Alguns transtornos mentais como a autismo estão sendo alvo de busca de tecnologias mais sofisticadas, já que ainda permanecem indecifráveis diante dos conhecimentos clínicos e psicológicos até então conhecidos.

CONCEITO DO TERMO

O conceito de autismo é um conceito, ainda nos dias de hoje, de contorno bastante impreciso em diferentes níveis.

O autismo e os transtornos invasivos do desenvolvimento (TIDs), às vezes denominados transtornos do espectro do autismo, referem-se a uma família de distúrbios da socialização com início precoce e curso crônico, que possuem um impacto variável em áreas múltiplas e nucleares do desenvolvimento, desde o estabelecimento da subjetividade e das relações pessoais, passando pela linguagem e comunicação, chegando até o aprendizado e as capacidades adaptativas. 1

O autismo, também conhecido como transtorno autistico, autismo da infância, autismo infantil e autismo infantil precoce, é o TID mais conhecido. 1

A manifestação paradigmática dos TIDs - o autismo - é um transtorno de desenvolvimento com um modelo complexo, no sentido de que qualquer tentativa de compreendê-lo requer uma análise em muitos níveis diferentes, como do comportamento à cognição, da neurobiologia à genética, e as estreitas interações ao longo do tempo; 1

O autismo, quando inserido no grupo dos TID, de acordo com a CID-10, pode ser classificado como: autismo infantil, autismo atípico, síndrome de Rett, outros transtornos desintegrativos da infância, transtorno de hiperatividade associado a retardo mental e movimentos estereotipados, síndrome de Asperger, outros TID e TID não-especificado. 2,3

Autismo é uma entidade diagnóstica em uma família de transtornos de neurodesenvolvimento nos quais ocorre uma ruptura nos processos fundamentais de socialização, comunicação e aprendizado. 1

Também pode ser definido com uma síndrome comportamental com etiologias diferentes, na qual o processo de desenvolvimento infantil encontra-se profundamente distorcido 4,5.

Diferentes sistemas diagnósticos (DSM-IV/APA, 1994; CID-10/WHO, 1992) têm baseado seus critérios em problemas apresentados em três domínios (tríade de prejuízos), tais quais observados por Kanner (1943), que são:

a) prejuízo qualitativo na interação social;

b) prejuízo qualitativo na comunicação verbal e não-verbal, e no brinquedo imaginativo.

c) comportamento e interesses restritivos e repetitivos.

Esta heterogeneidade também está refletida no próprio DSM-IV (APA, 1995) a partir do qual pode-se tirar pelo menos 96 quadros clínicos diferentes se combinarmos dois critérios de interação social, um critério de comunicação e um de padrões restritos e repetitivos.

HISTÓRICO E NOSOLOGIA

Em 1943, Leo Kanner descreveu 11 casos do que denominou distúrbios autísticos do contato afetivo. 6

Nesses 11 primeiros casos, havia uma “incapacidade de relacionar-se” de formas usuais com as pessoas desde o início da vida. Relata respostas incomuns ao ambiente, maneirismos motores estereotipados, resistência à mudança ou insistência na monotonia, e aspectos não-usuais das habilidades de comunicação da criança, tais como a inversão dos pronomes e a tendência ao eco na linguagem (ecolalia).6

Um marco na classificação desse transtorno ocorreu em 1978, quando Michael Rutter propôs uma definição do autismo com base em quatro critérios: Existe um permanente e forte prejuízo na interação social, alterações da comunicação e padrões limitados ou estereotipados de comportamentos e interesses. 7

Entre os anos 80 e 90 foram levantadas questões sobre o prejuízo primário da linguagem e Prejuízo primário da interação social.

NEUROIMAGEM E AUTISMO

Foi apresentado um estudo das alterações anátomo-funcionais do sistema nervoso central (SNC) de pacientes com transtorno autístico (TA), através da ressonância nuclear magnética (RNM) e da tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT). Foram estudados 24 pacientes, sendo 15 (62,5%) do sexo masculino e 9 (17,5%) do feminino, com idade média de 9 anos. 8

Todos os pacientes foram submetidos à RNM e apenas em 19 foi realizado o SPECT. Dos pacientes que realizaram RNM, 75% apresentaram alterações anatômicas e dos que realizaram o SPECT todos apresentaram alterações funcionais. 8,9

As alterações anatômicas estavam preferencialmente localizadas no corpo caloso (25%), septo pelúcido (15,63%), ventrículos cerebrais (12,55%), cerebelo (9,38%), lobo temporal (6,25%), lobo occipital (6,25%) e hipocampo (6,25%). As alterações funcionais predominaram no lobo frontal (53,13%), lobo temporal (28,13%) , lobo parietal (15,63%) e nos núcleos da base (3,13%). 8

A presença de alterações anátomo-funcionais do SNC não são prioritárias para o diagnóstico, o qual deve ter sempre uma validação clínica. 8

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Mônica Zilbovicius; Isabelle Meresse; Nathalie Boddaert

Autismo: neuroimagem Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28  suppl.1 São Paulo May 2006

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Mônica Zilbovicius; Isabelle Meresse; Nathalie Boddaert

Autismo: neuroimagem Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28  suppl.1 São Paulo May 2006

AUTISMO E GENÉTICA

Identificação de tetrassomia 15q11-q13 por hibridação in situ fluorescente em uma paciente com distúrbio autístico. 10

RESUMO - Relatamos uma criança do sexo feminino com tetrassomia da região cromossômica 15q11-q13 e distúrbio autístico associado com retardo mental, problemas de desenvolvimento e distúrbios comportamentais.

A combinação de metodologias da citogenética clássica e molecular pela técnica de hibridação in situ fluorescente, demonstrou o cariótipo como 47,XX,+mar.ish der(15) (D15Z1++,D15S11++,GABRB3++,PML).

Duplicação do segmento 15q proximal representa a mais consistente anomalia cromossômica relatada em associação com autismo. 10

A contribuição dos genes das subunidades do recepetor GABA, assim como outros genes mapeados nessa região, para os sintomas clínicos da doença é discutida. 10

GTG-banding analysis of the patient’s chromosomes revealed one small supernumerary chromosome in 20 cells scored, and the patient’s karyotype was designated 47,XX,+mar (Figure 1A-B).

This extra chromosome was acrocentric and, as was revealed by NOR-banding, showed satellites only at the ends of the long arm (Figure 1C). The CBG-banding highlighted the primary constriction plus an extra region at the end of the long arm, which appeared to be an inactive centromere (Figure1D). GTG-banding karyotypes of both parents were normal. 10

O cientista sueco Christopher Gillberg, de 53 anos, passou mais da metade de sua vida estudando o autismo, o estranho distúrbio de desenvolvimento que mantém os portadores aprisionados em um universo inatingível. 10

Autor de 360 artigos científicos e 24 livros, Gillberg explica que existem várias formas de autismo, acompanhadas de um espectro de sintomas que variam do mais leve ao mais grave. Debruçado sobre essas diferenças, Gillberg identificou no ano passado um dos genes responsáveis pelo distúrbio. Mas estima que mais de cem possam estar envolvidos na gênese do problema, cujas causas ainda são pouco conhecidas. Foi a divulgação de um estudo britânico realizado com quase 6 mil crianças e publicado no The Lancet que comprovou que a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) não provoca autismo, sepultando um dos grandes mitos em torno do assunto. A seguir, a entrevista concedida a Época. Cristiane Segatto.

AUTISMO E SEQUÊNCIA DE MÖBIUS

Foi realizada uma avaliação psiquiátrica com instrumentos de diagnóstico para o autismo (DSM-IV e Escala de Pontuação para Autismo na Infância-CARS) em 23 crianças com seqüência de Möbius.11

Dos 23 pacientes estudados, cinco (26.1%) preencheram os critérios diagnósticos do DSM-IV para transtorno autista e dois pacientes (8.6%) com idades abaixo dos dois anos mostraram comportamento autista-like. Entre as cinco crianças com transtorno autista, três (60%) tinham história positiva para exposição ao misoprostol durante o primeiro trimestre da gravidez; das duas crianças com comportamento autista-like, uma (50%) tinha uma história positiva para exposição ao misoprostol durante o primeiro trimestre da gravidez.11

Este estudo é o primeiro a investigar a associação entre sequência de Möbius com autismo e uso de misoprostol durante a gravidez. Möbius sequence is a clinical condition characterized by uni or bilateral eye-face palsy associated to muscle or bone malformations in the upper or lower limbs; most accepted clinical criteria to characterize the sequence is the involvement of the VI and VII cranial nerves. 11

NOVOS ESTUDOS - ESPELHOS DA MENTE

Algumas crianças autistas apresentam aumento dos ventrículos cerebrais que podem ser vistos na tomografia cerebral computadorizada. Em adultos com autismo, as imagens da ressonância magnética podem mostrar anormalidades cerebrais adicionais.

Pesquisadores mostraram que conseguimos experimentar as emoções alheias, com a mesma intensidade que vivenciamos as nossas próprias emoções. 12

Graças a uma descoberta feita sem querer por cientistas italianos da Universidade de Parma em 1996, o grupo de neurônios responsável por reconhecer outros indivíduos, interpretar suas ações e expressões e se relacionar com eles – os chamados neurônios-espelho – foi identificado. 12

Giaccomo Rizzolatti e seus colaboradores em Parma estavam apenas estudando o grupo de neurônios que aumentavam a atividade quando um macaco estendia o braço para pegar uma banana, por exemplo.

Eles acreditavam que estavam estudando apenas neurônios envolvidos com a atividade motora do macaco. Durante uma pausa no experimento, um dos colaboradores pegou uma banana, com a intenção de comê-la. Para a surpresa de todos os cientistas presentes naquele momento, os mesmos neurônios do macaco aumentaram a atividade, sem que o macaco se mexesse! 12

Ou seja, os neurônios que estão em atividade quando o indivíduo executa uma ação são os mesmos que estão em atividade quando o indivíduo observa outro executando a ação. 11,12

Esses neurônios foram batizados de neurônios-espelho, pois através deles conseguimos nos projetar em outros indivíduos e experimentar suas sensações.

Os pesquisadores foram ainda mais longe e mostraram que os mesmos neurônios que disparam quando somos espetados por uma agulha disparam quando vemos outra pessoa espetada por uma agulha. Em outras palavras, literalmente experimentamos a dor alheia.

Mais interessante ainda, por meio de técnicas de imagem cerebral como eletro-encefalograma (EGG) e ressonância magnética (fMRI), pesquisadores mostraram que conseguimos experimentar as emoções alheias, com a mesma intensidade que vivenciamos as nossas próprias emoções. 8

Vários cientistas, entre eles Vilayanur S. Ramachandran, especulam que a descoberta dos neurônios-espelho é o elo perdido que ajuda a explicar por que somente o homem, entre todas as espécies conhecidas, teve capacidade cognitiva suficiente para desenvolver linguagem e cultura. 12

Como já observado por Rizzolatti, esses neurônios possivelmente foram responsáveis pela imitação dos movimentos de lábio e língua que possivelmente produziu a oportunidade de a linguagem se desenvolver (é por isso que, quando você mostra a língua para um recém-nascido, ele provavelmente mostrará a língua de volta).

Outra evidência interessante é que em humanos os neurônios-espelho se localizam no córtex frontal inferior, próximo à área de Broca, considerada uma região relacionada à linguagem. 12

Existem indícios de que distúrbios no sistema de neurônios-espelho podem causar problemas de socialização. 12

Há fortes evidências, em trabalhos científicos recentemente publicados pelos grupos de Vilayanur Ramachandran e Marco Iacoboni, de que crianças com autismo apresentam uma disfunção no sistema de neurônios-espelho. 12

O teste realizado pelos pesquisadores para confirmar a deficiência de neurônios-espelho nas crianças autistas foi simples e direto, e as medidas de atividade cerebral foram feitas como uso do encefalograma.12

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Mercadante.MT; KLIN.A: Autismo e transtornos invasivos do desenvolvimento Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28  suppl.1 São Paulo May 2006

2- CID-X: Organização Mundial da Saúde (1993). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas (D. Caetano, Trad.). Porto Alegre: ArtMed.

3- Fávero MA; Santos MA: Autismo infantil e estresse familiar: uma revisão sistemática da literatura. Psicol. Reflex. Crit. v.18 n.3  Porto Alegre set./dez. 2005

4- Gillberg, C.: Autism and pervasive developmental disorders. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 31, 99-119: 1990

5- Rutter, M. (1996). Autism research: Prospectus and priorities. Journal of Autism and Developmental Disorders, 26, 257-275.

6- Kanner L. Autistic disturbances of affective contact. Nerv Child. 1943;2:217-50. (Acta Paedopsychiatr. 1968;35(4):100-36)

7- Rutter M. Genetic influences in autism. In: Volkmar F, Paul R, Klin A, Cohen D, editors. Handbook of autism and pervasive developmental disorders. 3rd ed. New York: Wiley; 2005. Volume 1, Section III, Chapter 16, p. 425-52. 

8 – Zilbovicius.M;; Meresse I; Boddaert N; Autismo: neuroimagem: Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28  suppl.1 São Paulo May 2006

9 – Machado M;Oliveira HÁ; Cipolotti R. ;Santos M.;Oliveira EF; Donald RM; Krauss MPO; Alterações anátomo-funcionais do sistema nervoso central no transtorno autístico: um estudo com RNM e SPECT ; Arq. Neuro-Psiquiatr. v.61 n.4  São Paulo dez. 2003

10 Silva.AE;, Vayego-Lourenço SA; Fett-Conte,AC; Goloni-Bertollo A; Varella-Garcia M; Tetrasomy 15q11-q13 identified by fluorescence in situ hybridization in a patient with autistic disorder ; Arq. Neuro-Psiquiatr. v.60 n.2ª  São Paulo jun. 2002


11- Ventura B: Costa A; Autismo e sequência de Möbius: um estudo exploratório em crianças do nordeste do Brasi;l Arq. Neuro-Psiquiatr. v.61 n.2ª  São Paulo jun. 2003


12- Muotri A; Instituto Salk, em La Jolla (Califórnia, EUA). Artigo publicado no Portal G1:   

- http://espiral.globolog.com.br/archive_2006_12_01_2.html






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