Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Janeiro de 2012 - Vol.17 - Nº 1

Psiquiatria na Prática Médica

PSIQUIATRIA E CARDIOLOGIA
NECESSIDADE DE AÇÕES CONJUNTAS

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Diversas doenças estão claramente associadas à depressão, levando a pior evolução tanto do quadro psiquiátrico como da doença clínica, com menor aderência às orientações terapêuticas, além de maior morbidade e mortalidade.  As associações  que se destacam são:  doenças cardiovasculares, endocrinológicas, neurológicas, renais, oncológicas e outras síndromes dolorosas crônicas.

 

Os serviços de saúde frequentemente apresentam uma enorme demanda e, os encaminhamentos para especialistas de outras áreas como é o caso dos especialistas em psiquiatria e cardiológica costumam levar meses, o que  prejudica sensivelmente o tratamento dos pacientes  que apresentam comorbidades.

 

Com relação à especialidade de cardiologia, existem evidências na literatura médica de que há uma forte associação entre os transtornos afetivos e os sintomas e doenças cardiológicas. Essa comorbidade entre a psiquiatria e a cardiologia faz do cardiologista um dos especialistas médicos que mais prescreve psicofármacos, depois do próprio psiquiatra.

 

A presença de comorbidades clínicas com transtornos depressivo-ansiosos aumenta mais dias de incapacitação do que a soma dos efeitos individuais das doenças clínicas 1 O subdiagnóstico de  depressão muitas vezes leva também à um  sub-tratamento, que também pode ocorrer em doenças crônicas, como fadiga e anorexia.

 

Quadros de depressão grave podem acometer 16 a 22% das pessoas que sofreram infarto do miocárdio recente. E, em contraponto, as cardiopatias que apresentam transtornos afetivos também podem ocorrer.. A depressão mais grave coexistente em pessoas portadoras de doenças coronarianas que não infarto do miocárdio tem uma prevalência  estimada em 18%, contra cerca de 5% na população geral de características semelhantes 2

 

Anteriormente associavam o fumo, a vida sedentária, obesidade, ao maior risco de doença cardíaca. Agora, pelas mesmas técnicas, associa-se sintoma depressivo com maior risco de desenvolver doenças cardíacas. A doença cardíaca mais envolvida com os sintomas depressivos é o infarto do miocárdio. Também não se pode concluir apressadamente que depressão provoca infarto. 3

 

Os sintomas corporais mais comuns na depressão são sensação de desconforto no batimento cardíaco, constipação, dores de cabeça, dificuldades digestivas. A presença de quadros depressivos subsindrômicos pós-IAM também pode aumentar o risco de eventos cardíacos graves. 4

 

O risco de morbi-mortalidade é maior para pacientes pós-IAM que apresentem história de transtorno depressivo recorrente. Existem evidências que os sintomas cognitivos da depressão (e.g. humor depressivo, pessimismo, culpa) são melhores preditores do que os sintomas somáticos (alterações do sono e apetite), sendo o sintoma de desesperança o mais importante. 5

 

A depressão é reconhecida como um importante fator de risco para a ocorrência de Doença Arterial Coronária. Suspeita-se que, mesmo quando são controlados outros conhecidos fatores de risco para infarto do miocárdio, como a hipertensão arterial, o tabagismo, sedentarismo, etc, a depressão passa a ser um fator agravante determinante.

 

Um dos mais comuns equívocos no diagnóstico de pessoas que procuram atendimento médico com palpitações, taquicardia e falta de ar, característicos de transtornos de pânico e de outros distúrbios de ansiedade, é o de associar esses sintomas ao Prolapso de Válvula Mitral (PVM), uma anormalidade cardíaca. Crippa. explica que, se for feita uma avaliação cardiológica mais minuciosa nas pessoas que procuram os consultórios, com sintomas de transtorno do pânico ou fobia social, é provável que parte desses sujeitos não tenha o diagnóstico de PVM. Isso pode retardar o diagnóstico e o tratamento do transtorno de ansiedade e aumentar a dificuldade do paciente em aceitar que tem um distúrbio psiquiátrico tratável", avalia Crippa. 6

 

A hipertensão arterial sistêmica, outro fator de risco para doença coronariana e outas doenças cardíacas, parece ocorrer mais em pacientes com sintomas depressivos e ansiosos.7

 

Na angina instável observou-se que, de 430 pacientes, 40% apresentavam depressão, e estes tinham um risco de infarto do miocárdio fatal ou não 6,3 vezes superior.8

 

Valvulopatias cardíacas, causadas por febre reumática e outras etiologias, podem levar ao implante de prótese valvar mecânica e anticoagulação oral obrigatória. A comorbidade psiquiátrica pode reduzir a adesão à anticoagulação.

 

Foram encontrados os seguintes transtornos psiquiátricos nos pacientes avaliados com valvulopatia: transtornos de ansiedade generalizada (16,6%), agorafobia (11,9%), fobia social (10,4%), depressão (9,8%), distimia (4,1% atual e 1% no passado), transtorno obsessivo-compulsivo (3,6%), pânico - vida inteira (1,6%), dependência ou abuso de substâncias (2%), dependência ou abuso de álcool (1%), episódio hipomaníaco (0,5% atual e 0,5% no passado), bulimia (0,5%). O risco de suicídio detectado foi de 13,4%. 9

 

A dificuldade em se avaliarem sintomas depressivos e definir o diagnóstico de depressão em pacientes clínicos gerou a necessidade de se definir critérios que clarificassem a questão, apesar de não haver consenso na literatura. A tabela abaixo demonstra os critérios diagnósticos para pacientes clínicos.

. http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n3/149-tabela2.gif

ROUCHELL, 2002. 10

 

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A importância da associação entre depressão e outras comorbidades clínicas indica a necessidade de se analisarem as razões para o subdiagnóstico e subtratamento da depressão. Os sintomas depressivos apesar de muito comuns são pouco detectados nos pacientes de atendimento em outras especialidades, o que permite o desenvolvimento e prolongamento desse problema comprometendo a qualidade de vida do indivíduo e sua recuperação. O tratamento bem sucedido da depressão nos pacientes deprimidos de alto custo diminui dias de incapacitação. 11

 

O custo médico em serviços primários é maior na comorbidade entre depressão e doenças clínicas, apesar deste aumento não ser devido exclusivamente à presença do quadro depressivo. 12

 

A ansiedade, em suas formas patológicas, muito embora tenha uma identidade psicoemocional, tem também manifestações físicas que quase sempre repercutem sobre o sistema cardiocirculatório. Retardar o tratamento dos transtornos de pânico e dos de  ansiedade pode levar à progressão da doença, e levar a um aumento na frequência dos ataques/crises,das limitações na vida da pessoa e ao desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas,  como depressão e abuso de álcool e drogas, dificuldade de manter laços afetivos, vergonha e estigma entre outras.

 

Todos estes fatores  determinam uma deterioração na qualidade de vida dos pacientes que necessitam de uma abordagem preventiva , conjunta e sistemática.

 

Para minimizar os efeitos deletérios do tempo  e das dificuldades de encaminhamento entre serviços de especialidades, novas formas de  atendimento se fazem necessárias, para  facilitar toda a logística do tratamento.

 

Portanto a proposta é a criação de serviços de avaliação psiquiátrica agregados aos serviços de atendimento clínico, com profissional psiquiatra trabalhando em conjunto com outros especialistas ( cardiologistas, oncologistas, etc).

Nas comorbidades clinicas e psiquiátricas com alta prevalência, pode ser recomendado este tipo de atendimento para  minimizar os agravos, consequências nefastas das comorbidades, assim com reduzir o custo do tratamento  e diminuir tempo  de acesso ao tratamento psiquiátrico.

                                           

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

1-      KESSLER, R.; GREENBERG, P.; MICKELSON, K. et al. - The Effects of Chronic Medical Conditions on Work Loss and Work Cutback. J Occup Envir Med 43:218-225, 2001.

2-      Da Silva, MAD - O uso de ansiolíticos e antidepressivos em cardiologia - Psiquiatria na Prática Médica – 2000; 33 (2); 17-20.

3-      FURLANETTO, L. - Diagnóstico. In: Fráguas Jr., R; Figueiró, J.A.B. (eds.) - Depressões em Medicina Interna e em Outras Condições Médicas – Depressões Secundárias, Atheneu, São Paulo, pp. 11-20, 2001.BUSH, D.E.; ZIEGELSTEIN, R.C.; TAYBACK, M. et al. - Even Minimal Symptoms of Depression Increase Mortality Risk after Acute Myocardial Infaction. Am J Cardiol 88:337-41, 2001.

4-      BAREFOOT, J.C.; BRUMMET, B.H.; HELMS, M.J. et al. - Depressive Symptoms and Survival of Patients with Coronary Artery Disease. Psychosom Med 62:790-5, 2000.

5-      Crippa A.S.. Maciel B. C.  British Journal of Psychiatry - 2011

6-      JONAS, B.S.; LANDO, J.F. - Negative Affect as a Prospective Risk Factor for Hypertension. Psychosom Med 62:188-96, 2000.

7-      LESPÉRANCE, F.; FRASURE-SMITH, N.; TALAJIC, M. - Major Depression Before and After Myocardial Infarction: its Nature and Consequences. Psychosom Med 58:99-110, 1996.

8-      SILVA, Regina Ponce da; TURA, Bernardo Rangel; NARDI, Antonio Egidio  and  SILVA, Adriana Cardoso de Oliveira e. Prevalência de transtornos psiquiátricos em portadores de prótese valvar mecânica com e sem febre reumática. J. bras. psiquiatr. [online]. 2011, vol.60, n.3 [cited  2012-01-24], pp. 158-163 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852011000300002&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0047-2085.  http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852011000300002.

9-      ROUCHELL, A.M.; POUNDS, R.; TIERNEY, J.G. - Depression. In: Wise, M.G., Rundell, J.R. (ed.) Textbook of Consultation-Liasion Psychiatry – Psychiatry in the Medically Ill, American Psychiatric Publishing Inc., Washington, DC, pp. 307-38, 2002

10-   VON KORFF, M.; ORMEL, J.; KATON, W.; LIN, E. - Disability and Depression Among High Utilizers of Health Care: a Longitudinal Analysis. Arch Gen Psychiatry 49:91-100, 1992.

11-   CHISHOLM, D.; DIEHR, P.; KNAPP, M. et al. (LIDO GROUP) - Depression Status, Medical Comorbidity and Resource Costs. Br J Psychiatry 183:121-31, 2003.

·         Coordenadora da disciplina de psiquiatria da Universidade de Taubaté

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