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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2012 - Vol.17 - Nº 12

Psiquiatria Forense

O INDULTO PRESIDENCIAL E A MEDIDA DE SEGURANÇA

Quirino Cordeiro (1)
Bernardon Ribeiro (2)
Hilda Clotilde Penteado Morana (3)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e
Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
(2) Mestre em Psiquiatria Forense pelo King’s College London;
Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
(3) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo;
Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


O indulto ou perdão presidencial é uma tradição brasileira promulgada anualmente, na época do Natal, por meio de um Decreto Federal. Herança da tradição portuguesa, o perdão imperial foi incorporado na primeira Constituição brasileira, datada de 1824, sendo hoje uma prerrogativa presidencial prevista na Constituição de 1988. Em 2008, o indulto presidencial, que antes era restrito aos criminosos apenados, foi estendido aos pacientes em medida de segurança, de acordo com o Decreto 6076/2008: “VIII - aos submetidos à medida de segurança que, até 25 de dezembro de 2008, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei no. 7.210, de 1984, por período igual ao tempo da condenação, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da Constituição”. Desde então, o indulto presidencial para os pacientes forenses em medida de segurança tem sido renovado anualmente.

De acordo com o Código Penal Brasileiro, datado de 1940 e revisado em 1984, quando o réu é incapaz de entender o caráter ilícito de seus atos ou é incapaz de autodeterminação de acordo com tal entendimento, ele será considerado inimputável. (Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento). O atual sistema penal, chamado de vicariante ou unitário, prevê que ao imputável, uma vez provada a acusação, a pena deve ser aplicada, enquanto ao inimputável, deve ser aplicada a medida de segurança, sendo o agente absolvido impropriamente. Já as medidas de segurança podem ser classificadas em detentivas e restritivas. O autor inimputável de um delito que possui como pena a reclusão/prisão, uma vez tendo a sua periculosidade presumida por lei, deverá ser necessariamente internado (medida de segurança detentiva). Se o crime possuir como pena a detenção, este poderá ser internado ou receber tratamento ambulatorial, a critério do juízo (medida de segurança restritiva) (Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial). Segundo ainda com o Código Penal, há cessação da medida de segurança, e do conseqüente tratamento psiquiátrico compulsório que a acompanha, apenas após a realização de avaliação médica pericial (Art. 97 - § 1º: A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade). No entanto, a partir de 2008, com a promulgação do Decreto Federal que passou a indultar pacientes em medida de segurança, não houve mais a necessidade da realização de avaliação médica para a cessação da medida de segurança e conseqüente alta hospitalar dos pacientes que a cumpriam em regime de internação.

O indulto presidencial para pacientes forenses em medida de segurança foi confirmado por duas cortes superiores no país. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do Agravo em Execução nº 70033455783/2009, manifestou-se pela legitimidade da extensão do indulto aos internados em cumprimento de medida de segurança, nos termos do artigo 1º, inciso VIII, do Decreto natalino nº 6.706/98. Afirmou não haver restrição constitucional à concessão de indulto pelo Presidente da República aos submetidos à medida de segurança, uma vez que esta é um tipo de sanção penal e, por isso, fica sujeita ao limite temporal de cumprimento do artigo 75 do Código Penal. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em Acórdão publicado em 19 de julho de 2011 e proferido pela 16a Câmara de Direito Criminal, proferiu decisão favorável ao indulto para paciente em medida de segurança hospitalar. A seguinte argumentação sustentou a decisão: “Não que se falar em inconstitucionalidade de tal dispositivo, pois a exemplo do anterior Decreto n. 6.706/08, o Decreto em comento manteve a inovação de permitir o indulto aos sentenciados em medida de segurança, desfazendo assim a tendência de concessão somente àqueles que cumprem pena privativa de liberdade. Cabe ressaltar, por oportuno, que a legislação pátria, nos termos do inciso XLVII, do artigo 5o, da Lei Maior, veda o caráter perpétuo das penas, ressaltando-se que, conforme lição do I. Professor Celso Delmanto e outros, na obra "Código Penal Comentado", "As medidas de segurança aplicáveis aos inimputáveis ou semi-imputáveis, de internação ou tratamento ambulatorial (arts. 96 e ss.), regem-se, no que couber, pelos mesmos postulados da pena (LEP, art. 42), mesmo porque, em sua essência, têm natureza de pena" (7a edição, p. 127)”. Outros Acórdõs posteriors também mantiveram essa mesma posição frente à questão. No Superior Tribunal de Justiça, a Quinta Turma concedeu de ofício habeas corpus em favor de homem que, após ter cometido homicídio, foi absolvido, mas com imposição de medida de segurança. A Quinta Turma não conheceu do habeas corpus impetrado pela defesa mas determinou, de ofício, que o Juízo das Execuções analisasse a situação do paciente à vista do Decreto Presidencial que concedeu indulto em 2011.

No entanto, esse peculiar Decreto e as sentenças dos Tribunais superiores levantam questões importantes. Em primeiro lugar, os pacientes em medida de segurança são enviados para um hospital forense para tratamento, e não para castigo. Sob todos os aspectos (éticos, Código Penal e Lei 10216/2001, que é a Lei regulamentadora da assistência em saúde mental no país), é garantido aos doentes mentais o direito a um tratamento digno, de acordo com suas necessidades específicas. O paciente em medida de segurança internado em hospital de custódia, se supõe, está em um processo terapêutico. A lógica é de tratamento, e não de punição. O equivalente da alta médica, guardadas as devidas proporções, é a cessação de periculosidade, um termo proscrito na Psiquiatria, porém ainda presente no Código Penal. Assim sendo, indultar paciente psiquiátrico, em meio a um tratamento médico em hospital de custódia, equivale a retirar de hospital paciente com doença clínica em evolução (por exemplo, pneumonia, infarto ou diabetes descompensada), sem alta médica. Aí, o prejuízo é do paciente. Ademais, os critérios do indulto presidencial são objetivos, e não fazem diferença entre o paciente pouco ou nada agressivo, como um psicótico controlado, e o paciente com transtorno de personalidade grave, psicopata ou matador em série. Aí, o prejuízo é da sociedade.


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