Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Dezembro de 2012 - Vol.17 - Nº 12 Psiquiatria Forense O INDULTO PRESIDENCIAL E A MEDIDA DE SEGURANÇA Quirino Cordeiro (1) O indulto ou perdão presidencial é uma tradição
brasileira promulgada anualmente, na época do Natal, por meio de um Decreto
Federal. Herança da tradição portuguesa, o perdão imperial foi incorporado na
primeira Constituição brasileira, datada de 1824, sendo hoje uma prerrogativa
presidencial prevista na Constituição de 1988. Em 2008, o indulto presidencial,
que antes era restrito aos criminosos apenados, foi estendido aos pacientes em
medida de segurança, de acordo com o Decreto 6076/2008: “VIII - aos submetidos
à medida de segurança que, até 25 de dezembro de 2008, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial
por período igual ou superior ao máximo da pena
cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos
casos de substituição prevista no art. 183 da Lei no. 7.210, de 1984, por período igual
ao tempo da condenação, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da Constituição”. Desde então, o indulto presidencial para os
pacientes forenses em medida de segurança tem sido renovado anualmente. De acordo com o Código Penal Brasileiro, datado
de 1940 e revisado em 1984, quando o réu é incapaz de entender o caráter
ilícito de seus atos ou é incapaz de autodeterminação de acordo com tal
entendimento, ele será considerado inimputável. (Art. 26 -
É isento de pena o agente que, por
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento). O
atual sistema penal, chamado de vicariante ou unitário, prevê que ao imputável,
uma vez provada a acusação, a pena deve ser aplicada, enquanto ao inimputável,
deve ser aplicada a medida de segurança, sendo o agente absolvido
impropriamente. Já as medidas de
segurança podem ser classificadas em detentivas e restritivas. O autor
inimputável de um delito que possui como pena a reclusão/prisão, uma vez tendo
a sua periculosidade presumida por lei, deverá ser necessariamente internado
(medida de segurança detentiva). Se o crime possuir como pena a detenção, este
poderá ser internado ou receber tratamento ambulatorial, a critério do juízo
(medida de segurança restritiva) (Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo
a tratamento ambulatorial). Segundo ainda com o Código Penal, há cessação da
medida de segurança, e do conseqüente tratamento psiquiátrico compulsório que a
acompanha, apenas após a realização de avaliação médica pericial (Art. 97 - § 1º: A internação, ou
tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade). No entanto, a partir de 2008, com a promulgação
do Decreto Federal que passou a indultar pacientes em medida de segurança, não
houve mais a necessidade da realização de avaliação médica para a cessação da
medida de segurança e conseqüente alta hospitalar dos pacientes que a cumpriam
em regime de internação. O indulto presidencial para pacientes forenses em
medida de segurança foi confirmado por duas
cortes superiores no país. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
no julgamento do Agravo em Execução nº 70033455783/2009, manifestou-se pela legitimidade da extensão do indulto aos internados
em cumprimento de medida de segurança, nos termos do artigo
1º, inciso VIII, do Decreto
natalino nº 6.706/98. Afirmou
não haver restrição constitucional à concessão de indulto pelo Presidente da República aos submetidos
à medida de segurança, uma vez que
esta é um tipo de sanção penal e, por isso, fica sujeita
ao limite temporal de cumprimento do artigo 75 do Código Penal. O
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em Acórdão publicado em 19 de julho
de 2011 e proferido pela 16a Câmara de Direito Criminal, proferiu
decisão favorável ao indulto para paciente em medida de segurança hospitalar. A
seguinte argumentação sustentou a decisão: “…Não há
que se falar em inconstitucionalidade de tal dispositivo, pois a exemplo do anterior Decreto n. 6.706/08, o Decreto em comento manteve
a inovação de permitir o indulto aos sentenciados
em medida de segurança, desfazendo assim a tendência de concessão somente àqueles que cumprem pena privativa
de liberdade. Cabe ressaltar, por oportuno, que
a legislação pátria, nos termos do inciso
XLVII, do artigo 5o, da Lei Maior, veda
o caráter perpétuo das penas, ressaltando-se que, conforme lição
do I. Professor Celso Delmanto
e outros, na obra "Código Penal Comentado",
"As medidas de segurança
aplicáveis aos inimputáveis ou semi-imputáveis, de internação ou tratamento ambulatorial
(arts. 96 e ss.), regem-se, no que
couber, pelos mesmos postulados da pena (LEP, art. 42), mesmo porque, em sua
essência, têm natureza de pena" (7a edição, p. 127)”. Outros Acórdõs
posteriors também mantiveram
essa mesma posição frente à questão. No Superior
Tribunal de Justiça, a Quinta Turma concedeu de ofício habeas corpus em
favor de homem que, após ter cometido
homicídio, foi absolvido, mas com imposição de medida de segurança. A Quinta Turma não conheceu
do habeas corpus impetrado pela
defesa mas determinou, de ofício, que o Juízo
das Execuções analisasse a situação do paciente à vista do Decreto Presidencial que concedeu indulto
em 2011. No entanto, esse peculiar Decreto e as sentenças
dos Tribunais superiores levantam questões importantes. Em primeiro lugar, os
pacientes em medida de segurança são enviados para um hospital forense para
tratamento, e não para castigo. Sob todos os aspectos (éticos, Código Penal e
Lei 10216/2001, que é a Lei regulamentadora da assistência em saúde mental no
país), é garantido aos doentes mentais o direito a um tratamento digno, de
acordo com suas necessidades específicas. O paciente em medida de segurança
internado em hospital de custódia, se supõe, está em um processo terapêutico. A
lógica é de tratamento, e não de punição. O equivalente da alta médica,
guardadas as devidas proporções, é a cessação de periculosidade, um termo
proscrito na Psiquiatria, porém ainda presente no Código Penal. Assim sendo,
indultar paciente psiquiátrico, em meio a um tratamento médico em hospital de
custódia, equivale a retirar de hospital paciente com doença clínica em
evolução (por exemplo, pneumonia, infarto ou diabetes descompensada), sem alta
médica. Aí, o prejuízo é do paciente. Ademais, os critérios do indulto
presidencial são objetivos, e não fazem diferença entre o paciente pouco ou
nada agressivo, como um psicótico controlado, e o paciente com transtorno de
personalidade grave, psicopata ou matador
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