Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Setembro de 2012 - Vol.17 - Nº 9

Psiquiatria Forense

PARECER DO CREMESP SOBRE INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS DE PACIENTES MENORES DE IDADE

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Assistente e Chefe do Departamento de Psiquiatria e
Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia
de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP.


A internação psiquiátrica é instrumento terapêutico legítimo e de fundamental importância em diversos contextos da prática clínica. No entanto, em determinadas situações, como no caso de tratamento para crianças e adolescentes, traz consigo uma série de dilemas éticos e legais, que foram abordados recentemente no Parecer no. 6769/10, que foi emitido pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), no ano passado. O referido Parecer foi elaborado pela Dra. Sandra Scivoletto, que faz parte da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho, e teve como seu relator do Dr. Mauro Gomes Aranha de Lima, que é conselheiro e vice-presidente do CREMESP.

O Parecer no. 6769/10 do CREMESP aborda vários pontos relativos aos aspectos normativos da internação psiquiátrica para pacientes menores de idade. Assim, o objetivo do presente manuscrito é apresentar tais pontos ao leitor.

Logo de início, o Parecer destaca que “a internação psiquiátrica de crianças e adolescentes é juridicamente possível, desde que algumas condições especiais sejam respeitadas”. Coloca ainda que se deve “observar o estabelecido no Código Civil Brasileiro, que determina a capacidade jurídica dos indivíduos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece as particularidades e especificidades que devem ser respeitadas no atendimento desta população, para então aplicarmos as leis que regem a internação psiquiátrica no Brasil, que determina os aspectos médico e jurídico das diversas modalidades de internação, num exercício de integração sistêmica destas três esferas”.

Começando, então, pelo Código Civil brasileiro, o Parecer esclarece qual o papel da idade na capacidade civil de um indivíduo. “O artigo 3º do Código Civil estabelece que os menores de 16 anos são absolutamente incapazes, ou seja, são sujeitos de direitos, porém, devido a idade, não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não fazer, o que lhes é conveniente ou prejudicial. Portanto, podem expressar sua vontade, mas não têm o poder decisório que cabe ao seu responsável legal. Já o artigo 4º do Código Civil estabelece que os indivíduos menores de 18 e maiores de 16 anos são relativamente incapazes, ou seja, o exercício de seus direitos se realiza com a sua presença, exigindo, apenas, que sejam assistidos por seus responsáveis. Portanto, suas decisões devem ser referendadas pelo responsável legal”. Diante disso, um ponto importante é definido pelo Paracer, a saber, “em caso de divergência de opiniões entre os relativamente incapazes (menores de 18 anos e maiores de 16 anos) e seus responsáveis legais, a vontade derivada do poder familiar ou de tutela não pode substituir a decisão própria do menor de idade, ou seja, o poder de tutela não tem supremacia sobre a opinião do relativamente incapaz”.

Outro aspecto importante apresentado pelo Parecer diz respeito às determinações que constam no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069/90), e que asseguram “a crianças e adolescentes a prioridade absoluta de atendimento em saúde, incluído aí, o tratamento em saúde mental, garantindo-o entre os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, além dos princípios de Proteção Integral… São medidas protetivas de caráter específico: a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (inciso VI, art. 98, do ECA); a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial (inciso V, art. 101, do ECA)”.

No que tange às modalidades de internação psiquiátrica, a Lei 10.216, que regulamenta a assistência na área de Saúde Mental no Brasil, determina três tipos, a saber, voluntária, involuntária e compulsória. O Parecer do CREMESP, ora em questão, estabelece que “alguns aspectos sobre as modalidades de internação psiquiátrica de crianças e adolescentes e algumas especificidades na sua realização devem ser consideradas”.

No caso de internações psiquiátricas na modalidade voluntária, o Parecer resume suas orientações como segue: “a) A modalidade de internação voluntária é inaplicável aos menores de 16 anos de idade (absolutamente incapazes, art. 3º, I, Código Civil), diante da presunção legal da ausência de discernimento para formar opinião, manifestar sua vontade e compreender a natureza de sua decisão, quanto a internação psiquiátrica. Assim, menores de 16 anos de idade não poderão internar-se voluntariamente para tratamento por não possuírem capacidade jurídica para manifestarem sobre sua vontade de aderir ao tratamento psiquiátrico sob regime de internação; b) Menores de 18 anos e maiores de 16 anos de idade (relativamente incapazes), podem internar-se voluntariamente (quando houver indicação médica para tal), desde que se manifestem neste sentido e haja, também, a concordância e a assistência de seu responsável legal, nos termos da lei civil; c) Quando houver discordância do menor de 18 anos e maior de 16 anos de idade (relativamente incapaz), não poderá haver a internação sob a forma de internação voluntária, já que a vontade dos seus responsáveis não pode ser considerada como substitutiva da sua própria vontade, para fins de anuência ao tratamento. Neste caso deve-se proceder à internação compulsória; d) Se houver a manifestação de vontade de internar-se, por parte do menor de 18 anos e maior de 16 anos de idade (relativamente incapaz), porém haja a discordância dos seus pais ou responsável legal - havendo um laudo médico a recomendando -, a internação deverá ser feita por meio da via compulsória, ou seja, requerida em juízo, visto que o paciente, neste caso, não pode, sozinho, manifestar validamente o seu desejo, sem a assistência do responsável legal, cuja negativa ou omissão quanto à providência deverá ser analisada judicialmente para eventual suprimento da autorização.

Por seu turno, as internações psiquiátricas involuntárias, segundo o Parecer do CREMESP, deveriam ser realizadas nas situações que seguem: “a) Quando o paciente estiver pondo em risco a si ou a terceiro, além de outras situações emergenciais verificadas sob o exclusivo ponto de vista de sua saúde ou vida, circunstâncias essas sempre justificadas por laudo médico, a internação involuntária de pacientes menores de 18 anos de idade é permitida pelo prazo que essa situação anômala perdurar, comunicando-se o fato em 72 horas ao Ministério Público (Promotoria da Infância e Juventude, com cópia para a Promotoria de Justiça da Saúde). Neste caso é dispensável a prévia ordem judicial, devendo a internação ser providenciada de pronto; b) Fora dos casos emergenciais, havendo indicação médica de internação psiquiátrica, porém sem a concordância do paciente menor de idade, avaliando-se o grau de maturidade que este possuir, recomenda-se que a internação seja precedida de pedido de autorização judicial (internação compulsória), de forma a garantir à criança ou ao adolescente o direito de manifestar sua opinião e de acesso à justiça, possibilitando, também, a manifestação prévia do Ministério Público e, se for o caso, a nomeação de um curador especial para resguardar-lhe a defesa dos seus interesses e ponto de vista”.

Por fim, as internações compulsórias devem seguir as normas contidas na Lei 10.216. No entanto, tal modalidade de tratamento psiquiátrico deve também “ser utilizada em algumas situações específicas decorrentes da aplicação do estatuto especial protetivo. A internação compulsória deve ser realizada quando houver conflito de interesses entre o do paciente menor de idade (absoluta ou relativamente incapaz) e de seus pais ou representante legal, ou quando estes estiverem ausentes. É indispensável a prévia manifestação do Ministério Público, senão para a obtenção da autorização para proceder a internação, para a nomeação de curador especial (artigo 9º, II, CPC e artigo 142, ECA)”.

O Parecer no. 6769/10 do CREMESP também discorre sobre o local da realização da internação psiquiátrica. “Crianças e adolescentes devem também, sempre que possível, estar separados de acordo com a sua faixa etária, o seu grau de desenvolvimento físico e a maturidade psíquica de cada um, além, é claro, do critério do gênero (masculino/feminino). Ocorre que, a critério médico, devidamente fundamentado e expresso, conforme a situação concreta, poderá haver exceções a serem consideradas e autorizadas pelo responsável legal do paciente (na hipótese de internação voluntária ou involuntária) ou do próprio juízo (no caso de internação compulsória). Estas exceções devem ser consideradas, sempre e unicamente, no interesse da criança ou do adolescente, e jamais do ponto de vista do interesse do estabelecimento de saúde ou de outrem, visto que o interesse prevalente é da criança ou adolescente, como decorrência dos princípios da Proteção Integral, da Prioridade Absoluta e do Melhor Interesse. Portanto, é vedada a permanência de crianças e adolescentes em leitos hospitalares psiquiátricos situados na mesma área de abrigamento”. Assim, “no que diz respeito a toda e qualquer exceção à regra, de que menores de idade portadores de transtornos mentais devem ficar em ambiente terapêutico diferenciado, estas somente poderão vir a ser admitidas após a avaliação e a recomendação médica quanto à conveniência e segurança da permanência de menores de idade no mesmo ambiente que outros pacientes, mediante autorização do responsável legal (internação voluntária) e judicial (internação involuntária e compulsória)”.

Quanto ao direito de acompanhamento do paciente menor durante sua internação psiquiátrica, o Artigo 12 do ECA diz que “os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.” No entanto, o Parecer também discorre sobre situações nas quais a presença do acompanhante pode comprometer o tratamento do paciente menor, manifestando o que segue: “… é possível que existam casos em que, por questões estritamente terapêuticas e devidamente justificadas em laudo médico circunstanciado, a presença de acompanhante seja prejudicial ao tratamento. Sendo esta uma exceção, deverá ser solicitada a autorização judicial para que tal direito venha a ser suspenso, pelo prazo indicado no parecer médico”.


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