Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Junho de 2012 - Vol.17 - Nº 6

Psiquiatria Forense

O USO DE ALGEMAS DURANTE O ATENDIMENTO MÉDICO A PACIENTES PRESOS

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Assistente e Chefe do Departamento de Psiquiatria e
Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia
de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP.


A discussão acerca do uso de algemas por pacientes sob custódia do Estado durante atendimento médico foi reacendida recentemente por conta do Decreto No. 57.783, de 10 de fevereiro de 2012, editado pelo Governador Geraldo Alckmin no Estado de São Paulo, proibindo o uso de tal meio de contenção durante assistência à parturiente. O referido Decreto foi publicado após denúncias realizadas pelo Jornal Folha de São Paulo sobre o uso de algemas em gestante em hospital público na cidade de São Paulo. O Decreto estadual afirma o que segue: “Artigo 1º - Fica vedado, sob pena de responsabilidade, o uso de algemas durante o trabalho de parto da presa e no subsequente período de sua internação em estabelecimento de saúde. Parágrafo único - As eventuais situações de perigo à integridade física da própria presa ou de terceiros deverão ser abordadas mediante meios de contenção não coercitivos, a critério da respectiva equipe médica”.

No dia 28 de fevereiro deste ano, considerando os fundamentos do Decreto No. 57.783 supra-citado, os Secretários da Saúde, da Justiça e da Defesa da Cidadania, da Segurança Pública e da Administração Penitenciária, publicaram Resolução conjunta sobre o uso de algemas por gestantes presas: “Artigo 1º - Fica vedado, sob pena de responsabilidade, o uso de algemas em presa gestante, desde o comprovado conhecimento do estado de gravidez pela Administração, e no período de até 30 dias após o parto, salvo se demonstrada a inexistência de outros meios menos gravosos de contenção”.

No dia 10 de maio último, a plenária do Conselho Federal de Medicina recebeu o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Dr. Herbert José de Almeida Carneiro, para debater sobre o uso de algemas no atendimento às presas gestantes e parturientes. O presente tema é tema da Súmula Vinculante No. 11 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que o uso de algemas só é lícito em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física do detento ou de outras pessoas.

Em maio deste ano, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) também se manifestou sobre o uso de algemas durante o atendimento a parturientes, em seu Parecer No. 152.178. O Parecer afirma que “o uso de algemas em gestantes sob a custódia do Estado, notadamente quando em trabalho de parto, ofende a dignidade da pessoa humana nos termos dos princípios fundamentais do Código de Ética Médica. O médico, quando necessário, de forma justificada, sempre visando à tutela do bem maior que é a vida e a saúde do ser humano, poderá determinar a contenção da parturiente de acordo com as práticas médicas reconhecidas, que não incluem o uso de algemas”.

Entidades da sociedade civil também têm se manifestado sobre essa questão. Em nota pública, a Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) afirma que “algemar mulheres durante o parto constitui, inquestionavelmente, atentado à dignidade humana”. A nota continua dizendo que a prática “submete também o recém-nascido à discriminação em razão do parentesco, com violação das garantias e direitos constitucionais de proteção à infância”. A AJD comenta ainda que a situação de desrespeito à paciente parturiente pode ser ainda maior se o atendimento médico for feito na “presença de pessoal penitenciário e de segurança”, já que isso contraria as Regras de Bangkok da ONU (Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e em medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras). Tal orientação da ONU, em sua Regra No. 11, determina que “durante os exames deverá estar presente apenas a equipe médica, a menos que o médico julgue que existam circunstâncias excepcionais ou solicite a presença de um funcionário da prisão por razões de segurança ou a mulher presa especificamente solicite a presença de um funcionário”. A Pastoral Carcerária também se manifestou, denunciando que pelo menos seis presas revelaram que foram algemadas pelas mãos e pelos pés durante parto cesárea, quando davam à luz em São Paulo.

Também como parte da manifestação do Poder Público sobre as denúncias do uso de algemas por presas gestantes, no dia 06 deste mês de junho, o CNPCP publicou Resolução com o objetivo de regular a utilização de algemas na condução de presos e sua permanência em unidades hospitalares. A Resolução do CNPCP ampliou, no entanto, suas orientações na tentativa de orientar o uso de algemas por pacientes presos de forma geral, não ficando restrita às presas gestantes. A Resolução do CNPCP trouxe as seguintes recomendações: “Art. 1º. Recomendar que não sejam utilizadas algemas ou outros meios de contenção em presos que sejam conduzidos ou permaneçam em unidades hospitalares, salvo se restar demonstrado a necessidade da sua utilização por razões de segurança, ou para evitar uma fuga, ou frustrar uma resistência.?Parágrafo único. A autoridade deverá optar, primeiramente, por meios de contenção menos aflitivos do que as algemas; Art. 2º. Considerar defeso a utilização de algemas ou outros meios de contenção em presos no momento em que se encontrem em intervenção cirúrgica em unidades hospitalares.?Parágrafo único. Excepcionalmente, caso se imponha, para fins de segurança, a contenção do preso, deverá a autoridade, de forma fundamentada e por escrito, apontar as razões da medida extrema, sendo defeso que sejam empregadas algemas, devendo se valer?de outros meios menos aflitivos; Art. 3º. Considerar defeso utilizar algemas ou outros meios de contenção em presas parturientes, definitivas ou provisórias, no momento em que se encontrem em intervenção cirúrgica para realizar o parto ou se estejam em trabalho de parto natural, e no período de?repouso subseqüente ao parto”.

Sendo assim, o médico necessita observar as regulamentações acima, no sentido de evitar o constrangimento ilegal de seu paciente preso, no entanto, observando, por outro lado, a segurança do paciente em questão, da equipe profissional que trabalha consigo, a sua própria, bem como de toda a sociedade. Essa é sempre uma situação difícil de ser manejada, porém que o médico precisa estar preparado para enfrentar.


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