Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Setembro de 2012 - Vol.17 - Nº 9

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

LACAN E A TEORIA DA INFORMAÇÃO. O RECALQUE DE UMA NOVA PSICANÁLISE EM NOME DO PAI. PARTE I.

Fernando Portela Câmara
Prof. Associado UFRJ
Coordenador do Depto Informática, ABP


Entre 1936 e 1943 a matemática e a lógica voltaram-se para os processos computacionais procurando entender como a mente resolve problemas aritméticos e cria estratégias em jogos. Alan Turing, Alonzo Church, Warren McCulloch, Walter Pitts, John Von Neumann, Norbert Wiener e outros, foram os pioneiros nessa ciência, hoje conhecida como Teoria da Computação, e que era então conhecida como Cibernética. Na década de 1950, os computadores já eram uma realidade, e ao contrário do que o vulgo pensa, foram os avanços na modelagem da computação lógica do cérebro, inspirada na teoria computacional das máquinas de Turing, que concretizaram a construção dos computadores digitais.

Esse feito foi revolucionário para a ciência, unindo diferentes campos, antes isolados entre si, sob princípios comuns, como, p. ex., a auto-regulação por feedback, baseada na comunicação de informação no sistema, e a aprendizagem por reforço e auto-organização. O modelo computacional da mente tornara-se uma teoria efetiva e influenciou profundamente a neurofisiologia, a linguística, a filosofia, a antropologia e, sobretudo, a psicologia, que viria a ser a maior beneficiária dessa revolução científica. De fato, o isomofismo entre computação e atividade mental proporcionou à psicologia uma linguagem lógica e precisa (“teoria efetiva”, no jargão cibernético) permitindo a formulação de hipóteses verificáveis. Foi a teoria computacional que deu origem à atual ciência cognitiva, a primeira abordagem verdadeiramente científica do funcionamento da mente, ou, na linguagem pavloviana da época, da atividade nervosa superior. Isso impulsionou uma revolução na ciência cognitiva, em meados da década de 1960, que deslocou definitivamente o behaviorismo que reinava até então na psicologia e psiquiatria desde a década de 1920.

Lacan não foi imune a esse movimento, e durante um tempo dedicou-se com afinco ao modelo computacional da mente. Em 1955 ele deu uma palestra na Sociedade Psicanalítica Francesa que teve por tema “Psicanálise e Cibernética” (1). Nessa palestra ele discutiu os conceitos básicos da teoria computacional, o código binário e funções lógicas tais como E e OU (exclusivo e inclusivo), enfatizando a importância da contribuição dessa nova ciência para a linguística. No ano seguinte, Noam Chomsky (2) publicava seu trabalho considerado como o fundamento da lingüística moderna, George Miller (3) publicava seu trabalho sobre memória de curto prazo, hoje reconhecido como um dos fundamentos da psicologia cognitiva. Nesse mesmo ano também foi publicado o celebrado trabalho de Allen Newell e Herbert Simon (4) sobre a teoria das máquinas lógicas, que marca a fundação da disciplina que ficou conhecida como Inteligência Artificial. Esse avanço tornou claro que a mente não é apenas comparável a um computador, ela é, de fato, computacional.

A palestra de Lacan antecipou a linguística como o centro de gravidade dos processos cognitivos, que Chomsky configuraria como um marco da teoria computacional da mente. Entretanto, Lacan logo abandonou seu interesse pela cibernética e teoria da computação, e retornou ao modelo hidrodinâmico da mente estabelecido por Freud. O abandono repentino da teoria computacional da mente parece, em minha opinião, ser fruto de uma decepção intelectual, a mesma decepção que todo psiquiatria e o psicanalista experimenta ao buscar na lingüística um fundamento para o entendimento dos processos psíquicos. Chomski criou uma teoria linguística baseando-se na teoria dos autômatos e lógica simbólica sem nenhum correlativo com os processos psíquicos, nem mesmo uma ponte que pudesse ampliar a teoria. Essa decepção ficou evidente no encontro que Lacan teve com Chomski no MIT, quando ficou horrorizado com a abordagem deste. “Se aquilo é ciência”, disse Lacan após o encontro, “então prefiro ser um poeta” (5).  Creio que este é o sentimento de todo psiquiatria e psicanalista que se aventura nos estudos de Chomski e dos lingüistas modernos na esperança de ampliar suas ciências. Não é possível com a linguística atual estabelecer algoritmos que permitam formular hipóteses precisas e verificáveis sobre a estrutura do discurso do paciente.

Por outro lado, a decepção de Lacan se amplia com a sua incapacidade para formular uma teoria linguística alternativa efetiva (ou seja, precisa e verificável) do sujeito. Para mim, isso é evidente na sua falta de familiaridade com teoria matemática e a lógica simbólica, como se percebe na imprecisão de sua notação matemática para a psicanálise, que para alguns é um escândalo (6). Porém, não me parece que isso tenha sido crítico para ele, pois, adepto que era do surrealismo, onde se iniciou antes da psicanálise, talvez não lhe importasse o formalismo matemático mais que seu uso metafórico. Mas o rigor da abordagem de Chomski certamente o fez desistir de seu ambicioso projeto. Era inevitável que o fantasma da castração o confrontasse.

O fracasso em formalizar a psicanálise em uma teoria unificada da linguagem, talvez explique seu retorno ao ingênuo modelo hidráulico da mente, na verdade uma metáfora criada por Freud no inicio de seus estudos sobre a psicodinâmica. Não se faz ciência com metáforas, apenas elas ajudam a fixar conceitos e facilitar o entendimento. A teoria do imaginário fluido mental, a libido freudiana, retorna nos escritos de Lacan a partir de 1970. Freud, influenciado pela ciência do século XIX, concebeu a mente como um sistema hidráulico formado de tubos e fluidos que se movimentam sob pressão. Isto não era um modelo verificável e nem proporcionava previsões, e embora o conceito de pressão evocasse um processo quantitativo (“econômico”) não era possível medir algo que, afinal, era um constructo da imaginação. Não é preciso lembrar que a mente, em analogia a um computador, processa informação, e de nenhum modo pode ser comparada a um mecanismo hidráulico de bombas e vasos comunicantes. Além disso, a linguagem precisa do processamento da informação permite a formulação de teorias bem definidas, portanto, verificáveis, inclusive com métodos quantitativos.

Bibliografia

1.Lacan J. El Seminario, libro 2: El yo en la teoría de Freud y en la técnica psicoanalítica (1954-1955), Buenos Aires: Ediciones Paidós, 1988.

2.Chomski N. Three models for the description of language. IRE Transactions on Information Theory, 1956; 2: 13-54.

3.Miller G. the magical number seven, plus or minus two, Psychological review, 1956; 63: 81-97.

4.Newell A, Simon H. the logic theory of machines, Transactions on Information Theory, 1956; 2: 61-79.

5.Denett D. A perigosa ideia de Darwin (trad.), Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

6.Sokal A, Bricmont A. Imposturas intelectuais (trad), Rio de Janeiro: Editora Record, 1999.


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