Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Março de 2012 - Vol.17 - Nº 3

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

BERTALANFFY...PRIGOGINE...KENDLER: SOB A MESMA FLECHA DO TEMPO?

Guilherme Luiz Lopes Wazen
Preceptor do ambulatório de Transtornos do Humor, Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP); membro do NUTTEC (Núcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e Complexidade)

Moacir Fernandes de Godoy
Coordenador do NUTTEC (Núcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e Complexidade).


Resumo – Os autores discutem a proposta de Kendler para o entendimento da doença mental com uma abordagem multifatorial, baseada em múltiplos níveis de interação interagentes por meio de retroalimentações que unem realidades biológicas, psicológicas e sociais.

 

Ludwig von Bertanlanffy iniciou sua carreira como biólogo em Viena, na década de 20, aonde logo juntou-se a um grupo de cientistas e filósofos conhecido como Círculo de Viena. Assim como com outros biólogos organicistas, acreditava que fenômenos biológicos exigiam uma nova maneira de pensar, transcendendo os métodos tradicionais das ciência físicas. Estabeleceu então sua teoria geral dos sistemas sobre uma sólida base biológica e apontou um dilema que intrigava os cientistas desde o século XIX: enquanto a mecânica newtoniana era uma ciência de forças e trajetórias, o pensamento evolucionista exigia uma nova ciência, a ciência da complexidade (Davidson, 1983).

A primeira formulação dessa nova ciência foi a termodinâmica clássica com sua segunda lei (lei de dissipação de energia). Formulada por Sandi Carnot esta postulava uma tendência nos fenômenos físicos para a desordem. Qualquer sistema físico isolado se encaminhará espontaneamente em direção de uma desordem sempre crescente. Para expressar essa direção na evolução dos sistemas físicos em forma matemática foi introduzida então uma nova quantidade denominada entropia. De acordo com a segunda lei, a entropia de um sistema físico isolado continuará sempre aumentando. Seria então a entropia considerada como uma medida de desordem. Neste exato momento um ponto de interrogação foi criado entre as concepções de um mundo desdobrando-se em direção à ordem e complexidade, com a de um motor que para de funcionar, num mundo de desordem sempre crescente. Bertalanffy reconheceu que sua concepção por lidar com sistemas abertos não funcionaria sob o regime da termodinâmica clássica, pois nos sistemas abertos a entropia também poderia decrescer (Bertalanffy, 2009). Somente 30 anos depois, com o físico-químico russo Ilya Prigogine, a formulação de uma nova termodinâmica pode dar continuidade matemática às idéias de Bertalanffy (Capra, 2006).

Intrigado com o fato de organismos vivos serem capazes de manter seus processos de vida em condições de não-equilíbrio Prigogine enxergou a importância das equações não-lineares. Desenvolveu então uma nova termodinâmica não-linear que descreve o fenômeno de auto organização em sistemas abertos afastados do equilíbrio, onde a dissipação pode levar a uma nova ordem através de flutuações amplificadas por laços de realimentação positiva. Enfatizou também que as características de uma estrutura dissipativa não podem ser encaradas somente pelas propriedades de suas partes, mas são consequência de uma organização do sistema em si. No ponto de transição do equilíbrio para o não equilíbrio o sistema se comporta como um todo, emergindo então um novo padrão. Devido às iterações repetidas durante o processo qualquer variação ínfima pode tornar impossível qualquer previsão. Neste momento o paradigma mecanicista newtoniano totalmente causal e determinado dá espaço para a imprevisibilidade e probabilidade, onde o sistema estudado está regido sob uma verdadeira interação entre flutuações, mas ainda sob leis deterministas. (Prigogine, 2006).

O leitor neste momento deve estar se indagando:  onde entra nossa Psiquiatria neste contexto? É visível o nosso uso de sistemas classificatório baseados em condições de pura linearidade, mas já foi demonstrado que o aparecimento de sintomas segue um padrão não-linear. O emprego do conceito de entropia (na forma de entropia aproximada- ApEn) em séries cardíacas e eletroencefalográficas já demonstraram padrões não identificados por medidas lineares quando relacionadas à psicopatologia (Pincus, 2003). Seguindo o mesmo raciocínio análises de EEG por meio da entropia demonstraram uma dinâmica diferenciada entre o pós e pré tratamento com antipsicóticos em esquizofrênicos, principalmente em córtex pré frontal (Takahashi et al, 2010). Seria então o momento de uma nova abordagem dentro dos constructos psiquiátricos? Talvez nomes ligados à formulação de uma nova nosologia psiquiátrica tenham se dado conta de tal fato, sendo Keneth Kendler um exemplo.

Kendler discorre sobre o tema criticando a atomização científica ainda vigente e muito desejada no âmbito psiquiátrico. O modelo essencialista assume a posição numa simples e bem definida etiologia, onde sinais e sintomas são expressões diretas de uma alteração genética simplista, sem levar em conta a grande variação entre os organismos, desde o nível de organização social até às interações moleculares. Um bom exemplo de fragilidade deste modelo é bem visível na falha das pesquisas genéticas em descobrir genes com moderado a grande efeito para qualquer transtorno psiquiátrico. Igualmente a pura abordagem social oferece somente a visão do contexto em que o indivíduo vive, mas negligencia mecanismos genéticos e fisiológicos.( Kendler 2005).

No modelo proposto por Kendler esquemas de feedbacks (retroalimentação) positivos ocorrem entre os sintomas, criando um verdadeiro mecanismo com múltiplas variáveis (traços de personalidade como um exemplo) gerando padrões (transtornos) que também são influenciados por mecanismos ligados ao desenvolvimento do indivíduo, sua inserção social, aspectos psicológicos, fisiológicos e comportamentais. Não há espaço para uma explicação única e simplista. A identidade do adoecer é vista por sua similaridade dos padrões complexos gerados, nos quais uma rede de mecanismos causais em múltiplos níveis se retroalimentam em cada caso. É abandonada a visão reducionista em lugar da probabilística. Um entendimento do adoecer mental irá requerer múltiplas perspectivas explicativas. Leis físicas baseadas em modelos simplistas são insuficientes para o entendimento psiquiátrico, necessitando de uma abordagem não linear nos laços causais. O componente biológico não substituirá o psicológico e vice-versa, mas sim o processo iterativo entre os dois será de extrema importância. (Kendler, 2008)

Referências

Bertalanffy L. Teoria geral dos sistemas; fundamentos, desenvolvimentos e aplicações, Petrópolis: Editora Vozes, 2009

Capra F. A teia da vida: uma nova concepção científica dos sistemas vivos, São Paulo: Editora Cultrix, 2006.

Davidson M. Uncommon Sense: The Life and Thought of Ludwig von Bertalanffy, Tarcher, Los Angeles, 1983.

Kendler KS. Explanatory models for psychiatry illness. Am J Psychiatry. 2008; 165 (6): 695-702.

Kendler KS. Toward a philosophical structure for psychiatry. Am J Psychiatry. 2005; 162 (3): 433-40.

Pincus SM. Quantitative assessment strategies and issues for mood and other psychiatry serial study data. Bipolar Disorder. 2003; 5 (4): 287-94.

Prigogine I. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza, São Paulo: Editora Unesp, 1996.

Takahashi T et al. Antipsychotics reverse abnormal EEG complexity in drug –naïve schizophrenia: A multiscale entropy analysis. Neuroimage. 2010; 51 (1): 173-82.

 


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