Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Novembro de 2011 - Vol.16 - Nº 11

Psiquiatria na Prática Médica

CORRELAÇÕES ENTRE O CLIMATÉRIO E SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Um dos períodos mais delicados na vida da mulher é o climatério e a entrada na menopausa.

Assim como na menarca, diversas modificações hormonais ocorrem e um ajustamento à nova fase de vida se faz necessária. Reflexões e um processo adaptativo são observados em ambas as esferas: física e psíquica.

Algumas mulheres passam por este período de transição sem muitos sintomas. Outras, entretanto desenvolvem sintomas mais exuberantes e necessitam de uma atenção mais especializada.

A ocorrência de transtornos psiquiátricos prévios pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de sintomas psiquiátricos após a menopausa. Também chamada como síndrome do climatério este período de transição é constituído por um conjunto de manifestações clínicas experimentadas pelas mulheres no período da menopausa.1

O fogacho, presente em cerca de 90% das mulheres e relacionado diretamente com a redução dos hormônios gonadais e sintomas depressivos, ansiosos e cognitivos também são experimentados por cerca de 30 a 50% das mulheres que procuram tratamento.2

Waal et al. (2005), em estudo transversal com 1.458 pacientes, observaram uma razão de chance maior que seis para a presença de sintomas como falta de energia, fadiga e esquecimento entre pacientes com mais sintomas depressivo-ansiosos.

Algumas pesquisas têm demonstrado que históricos de depressão anterior ou de tensão pré-menstrual são fortes indícios de um quadro depressivo na menopausa. Para haver depressão na menopausa parece ser necessária uma interação entre fatores genéticos e hormonais. De fato, fatores genéticos predispõem a pessoa a ter depressão diante de determinadas condições ambientais, e os genes mais comprometidos são aqueles que afetam o transporte dos neurotransmissores envolvidos na depressão, tais como a serotonina e a noradrenalina.3

Callegari et al. (2007) observaram que, além de queixarem-se de forma mais intensa dos sintomas da menopausa, pacientes com transtornos depressivos ou ansiosos queixam-se de um maior número de sintomas físicos e psíquicos. Entre as pacientes deprimidas, níveis significativamente superiores de sintomas somáticos e psíquicos são vistos.

Todavia, como as influências nos dois sentidos são intimamente intrincadas, existe a necessidade de uma avaliação muito criteriosa, pois sem isso, pacientes com transtornos depressivos ou ansiosos moderados a graves serão submetidas a tratamentos de reposição hormonal, para os quais se mostrarão pouco eficazes, retardando o uso de antidepressivos ou ansiolíticos.5

A avaliação da personalidade é um assunto muito presente nas pesquisas da sintomatologia do climatério. Existem controvérsias se certos traços de personalidade e características pessoais poderiam influenciar no aparecimento desta sintomatologia.

O conceito mais utilizado pelos autores que pesquisam os sintomas do climatério é de que a personalidade pode ser definida como um padrão complexo de comportamento composto por traços ou perfis .6   

Assim, a mulher que na menopausa apresenta sintomas da síndrome do climatério e procura atendimento médico poderia evidenciar algum traço de personalidade característico, principalmente traços hipocondríacos ou histriônicos. Certos traços hipocondríacos de personalidade poderiam funcionar como fatores de risco para o desenvolvimento de sintomas no período do climatério, principalmente sintomas depressivos.7

Os pacientes hipocondríacos são mais predispostos do que outros pacientes a experimentar sintomas somáticos que eles ouviram ou leram. Também são mais atentos do que outros a perceber alterações fisiológicas.8

O quadro depressivo da menopausa se manifesta, principalmente, por irritabilidade, nervosismo, sensação de abandono, falta de energia, labilidade emocional, ansiedade, angústia, tristeza, e alterações alimentares. Quanto ao sono, pessoas em depressão podem apresentar períodos de insônia ou, ao contrário, de hipersonia. As alterações alimentares podem ocorrer através de períodos de anorexia ou, ao contrário, de hiperfagia. Sabe-se que as vias serotoninérgicas centrais modulam o comportamento alimentar e podem ainda participar dos mecanismos que regulam a impulsividade, o humor e o padrão e qualidade do sono. Na menopausa ou perimenopausa, a insônia costuma estar associada à chamada síndrome do comer noturno, caracterizados por perda de controle e consumo exagerado de alimentos ao final da tarde e à noite, favorecendo mais ainda o ganho de peso.9

Outro fator de extrema relevância é a síndrome metabólica, que é um fator muito observado para fins de correlações com a sintomatologia do climatério. A maioria das mulheres obesas ou com sobrepeso já apresentava aumento da gordura corporal depois da puberdade. Esse ganho de peso pode ser precipitado por vários eventos durante a vida, incluindo gravidez, uso de anticoncepcionais e principalmente menopausa.9

Na menopausa freqüentemente ocorre aumento de peso e alterações na distribuição da gordura corporal, possivelmente como conseqüência da redução na produção de estrógeno e progesterona. Ocorre uma distribuição de gordura mais central.9

 A diminuição da produção de hormônio de crescimento e aumento da testosterona que também ocorre depois da menopausa contribuem mais ainda para o depósito de gordura tipo masculino (andróide), chamada de gordura visceral que favorece o desenvolvimento da síndrome metabólica.9

Coutinho & Appolinário (1995), com o objetivo de esclarecer o possível efeito negativo da progesterona nos sintomas psíquicos da síndrome do climatério,  conduziram um estudo duplo-cego randomizado de progesterona natural x placebo. Vinte pacientes na pós-menopausa (segundo critérios da OMS) apresentando fogachos e sintomas depressivos e/ou ansiosos sem preencher critérios para episódio depressivo maior (DSM-III-R) foram tratados durante 1 mês com estrogênio transdérmico (50 µg/dia).

No fim do primeiro mês foram divididas de forma randomizada em dois grupos. No primeiro grupo, a progesterona natural (supositórios de 100 mg) foi adicionada ao esquema de reposição hormonal. No outro foi adicionado placebo. Os resultados mostraram uma melhora dos sintomas depressivos e ansiosos com o estrogênio transdérmico, na primeira fase do estudo, e não evidenciaram diferenças significativas entre os dois grupos, (progesterona x placebo) na segunda fase.

Os autores concluíram que a progesterona natural adicionada ao esquema de reposição hormonal para o climatério não provoca nenhum efeito de piora dos sintomas psiquiátricos da menopausa como citado na literatura anteriormente em relação aos progestágenos sintéticos.

Pilowsky (1994) investigou 118 pacientes no climatério e possíveis relações entre traços de personalidade hipocondríacos no aparecimento de determinados sintomas depressivos. Não foi relatado aumento significativo dos traços de personalidade considerados característicos de um comportamento hipocondríaco no grupo I, comparado a um grupo II. Concluiu-se que o surgimento de sintomatologia depressiva na síndrome do climatério na população estudada não parece estar relacionado com a presença de traços hipocondríacos prévios.

Por outro lado, a própria deficiência de estrogênio que resulta na menopausa, também está associada ao afeto depressivo. É por isso que a terapia estrogênica parece causar sensação de bem-estar e redução drástica dos sintomas depressivos.9

Se acima vimos condições da menopausa ou perimenopausa suficientes para o ganho de peso, quanto à distribuição visceral dessa gordura adquirida ocorre uma hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, presente entre as alterações hormonais da depressão. Isso porque os estados depressivos se associam com aumento na produção de ACTH (hormônio adreno-cótico-trófico, produzido na hipófise) e menor sensibilidade do hipotálamo aos efeitos inibidores do cortisol. Isso faz aumentar a concentração de cortisol e, conseqüentemente, promove a centralização de gordura visceral.8 

Desta forma o que se pode afirmar através das várias linhas de pesquisa para compreensão da sintomatologia e a diversidade de fatores implicados neste período, que existe uma profunda mudança que envolve todas as esferas de vivências na vida da mulher.

Longe de síntese, mas o contrário, as diversas linhas de estudo podem contribuir na determinação de novas terapias e associações de terapias no sentido de favorecer uma adaptação mais branda à nova condição de vida da mulher na menopausa.

 

1.                  Avis NE, Brambilla D, Mckinlay SM, Vass K. A Longitudinal Analysis Of The Association Between Menopause And Depression. Results From The Massachusetts Women’s Health Study. Ann Epidemiol 1994;4:214-20. 

2.                  Sherwin BB. Menopause: Myths And Realities. In: Stewart De, Scotland Nl, Eds. Psychological Aspects Of Women’s Health Care - The Interface Between Psychiatry And Obstetrics And Gynecology. 1st Ed. Washington, Dc: American Psychiatric Press, 1993.

3.                   Waal MW, Arnold IA, Spinhoven P, Eekhof JA, Van Hemert AM. The Reporting Of Specific Physical Symptoms For Mental Distress In General Practice. J Psychosom Res. 2005;59:89-95.

4.                  Callegari C, Buttarelli M, Cromi A, Diurni M, Salvaggio F, Bolis P. Female Psychopathologic Profile During Menopausal Transition: A Preliminary Study. Maturitas. 2007;56:447-51.  

5.                  Soares Cn, Arsenio H, Joffe H, Bankier B, Cassano P, Petrillo Lf, Et Al. Escitalopram Versus Ethinyl Estradiol And Norethindrone Acetate For Symptomatic Peri- And Postmenopausal Women: Impact On Depression, Vasomotor Symptoms, Sleep, And Quality Of Life. Menopause. 2006;13:780-6.

6.                  Kruskemper G. Results Of Psychological Testing Mmpi In Climateric Women. Front Horm Res 1975;3:105-15

7.                  Kellner R. Psychossomatic Syndromes And Somatic Symptoms. Washington Dc:American Psychiatric Press, 1991.        

8.                  Hunter MS. Psychological And Somatic Experience Of The Menopause: A Prospective Study. Psychosom Med 1990;52:357-67

9.                  Ballone GJ, Ximenes BAA - Obesidade, Síndrome Metabólica E Depressão - In. Psiqweb, Internet, Disponível Em Http://Www.Psiqweb.Med.Br/, 2008.

10.               Coutinho, Walmir; Appolinário, José Carlos. J. Bras. Psiquiatr;44(5):223-229, Maio 1995.

11.              Pilowsky I. Abnormal Illness Behavior: A 25th Anniversary Review. Aust Nz J Psychiatry 1994;28:566-73.     

*Coordenadora da disciplina de psiquiatria da UNITAU – [email protected].


TOP