Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Outubro de 2011 - Vol.16 - Nº 10

Psiquiatria na Prática Médica

O DIAGNÓSTICO EM PSIQUIATRIA - UM ATO MÉDICO

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Em medicina diagnóstico é a parte do atendimento médico, voltada à identificação de uma eventual doença.

Este conceito apesar de muito claro, é habitualmente confundido por diversas profissões  de  sáude.

Este trabalho tem em vista ressaltar os conceitos essenciais de um diagnóstico médico e destacar que o ATO médico na especialidade de psiquiatria tem características peculiares que não podem passar desapercebidas, haja vista que esta inobservância pode ter implicações que tem como perspectiva a morte.

A grande maioria das profissões de saúde tem como objetivo a rehabiltação. O prognóstico da morte, entretanto, é uma perspectiva médica que  comporta responsabilidades juridicas e  que causam impacto social   que deve ter um respaldo em práticas  com protocolos bem estabelecidos que dão profissional médico um arsenal de procedimentos padronizados e aceitos pela sociedade que garantam que as decisões e direcionamento do tratamento foram rigorosamente observadas.

Dentro desta linha de raciocínio vamos inicialmente compreender a palavra Diagnóstico ou “Diagnostikós”, que por definição é capacidade de distinguir ou de decidir.

No exercício do ato médico é que se constroí a elaboração do diagnóstico médico.

Este inicia-se no primeiro contato médico/paciente quando o atavés da observação o paciente pode refletir a primeira hipótese diagnóstica, que é um dos mais improtantes fundamentos do raciocinio médico.

Segundo Fernando Portela Camara a comunidade científica tem como filosofia aceitar os instrumentos de diagnóstico que foram validados pelo método científico. Métodos não validados tendem a ser agrupados no conjunto das chamadas "terapias alternativas".2

 A elaboração do diagnóstico se organiza através de hipóteses que são formuladas, processadas através do conhecimento teórico e prático do profissional e pode ser confirmada ou rejeitada. As hipóteses serão testadas até o momento em que médico possa concretizar uma decisão clínica. 3,4

A origem histórica e a filosofia intrínseca de muitos métodos de terapia, como o yoga, a homeopatia e a acupuntura, dificultam a utilização do método científico em sua análise, o que cria resistência a seu uso em muitos meios.2

Muitas aquisições recentes da tecnologia também ainda não foram validadas e em especial não  demonstradas como superiores aos métodos existentes, o que também dificulta a aceitação geral.

Outro fator fundamental em todas as etapas do processo dianóstico surge é a a relação médico paciente.5

As capacidades prioritárias que o médico deve adquirir em sua formação e que sedimentam uma boa avliação médica podem ser resumidas em:

         Capacidade de relacionamento e entendimento do paciente em sua dimensão humana e não somente como o portador de um vírus ou bactéria (no exercício de medicina comunitária o conhecimento do universo social, cultural e econômico do paciente através do reconhecimento do território);

         Capacidade de diagnóstico;

         Capacidade de indicar procedimentos terapêuticos ou de reabilitação, e

         Capacidade de autocrítica.6

O diagnóstico médico envolve três elementos básicos: anamnese, exame físico e investigação complementar e engloba dois aspectos da lógica: a análise e a síntese.

O diagnóstico clínico é estabelecido com o interrogatório (história clínica) e observação do doente, sem recurso a outros exames.

A anamnese (do grego: ana-trazer de novo + mnesis - memória) é uma técnica especial de entrevista que se vale do método hipotético-dedutivo com reconhecimento de padrões.

Existem ainda tres grandes tipos de diagnóstico: O diagnóstico diferencial (que é o método usado para identificar doenças, feito por processo de eliminação)caracterização de uma doença após comparação dos seus sinais e sintomas com os de outras doenças e por dedução baseada num processo de exclusão; o diagnóstico provisório (é aplicado em situações de dúvida, quando o médico presume que o paciente apresenta os critérios para um determinado transtorno, mas não dispõe de informação suficiente para confirmá-lo) e o diagnóstico etiológico é a identificação da causa de uma doença. 7,8

Não podemos perder de vista que a prática médica dentro da visão comunitária visa não só o diagnóstico  individual, mas a prevenção das doenças.

Como é de ciência o processo de prevenção passa por grandes dificuldades socio-econômicas para ser incrementado. Existem tendências políticas, sociais, culturais ideológicos e até mesmo a ignórância de métodos eficazes aqui referenciados como testados por metodos científicos validados)  para prevenção de determinadas patologias.9

 A conseqüência é que a  maior parcela dos recursos  financeiros acabam sendo destinados para a medicina curativa. 9

Para uma melhor compreensão da dimensão do diagnóstico médico, vamos enveredar com mais profundidade na prática de

 

 

 

elaboração de um diagnóstico médico. Para tal temos que conceituar sumariamente  a diferença entre sintoma, síndrome, transtorno, etiologia e patogenia.

SINTOMA - “Febre”  e “dor”  são sintomas,  logo podemos inferir  que é a menor unidade de análise de uma doença , física ou  psiquiátrica . Ex. Humor deprimido  é um sintoma.

SÍNDROME – São diversos sintomas que ocorrem simultaneamente. A "Síndrome de Abstinência alcoólica , apresenta sintomas como, tonteira, tremores, marcha alterada, alucinações, convulsões , etc...

ETIOLOGIA - é a CAUSA de um sintoma, de uma síndrome ou de um transtorno consequente à agressão de uma agente que pode ser biológico, químico, ambiental ou físico.

PATOGENIA - é o processo que ocorre entre a ação da causa e a produção do(s) sintoma(s), ou seja, os processo funcionais deteriorantes que ocorrem a partir da atuação do agente agressor seja ele físico, químico, biológico, etc.

TRANSTORNO – ou doença, = São entidades nosológicas, ou nosográficas. Por inferência , uma síndrome pode ocorrer devido a causas diversas (etiologias)  e dizemos que ela pode ocorrer em diversos "transtornos" (a síndrome de Pânico, por exemplo, ocorre principalmente em três grandes tipos de TRANSTORNO: nos Transtornos devidos ao Uso de Substâncias Psicoativas (F10 a F19 da décima versão do Código Internacional de Doenças), nos Transtornos Fóbico-Ansiosos (F40 do CID-10) e no Transtorno de Pânico (F41.0 do CID-10). 10, 11, 12

 

Outro conceito extremamente importante na pratica médica é o conceito de  prognóstico,  que é o conhecimento ou juízo antecipado, prévio, feito pelo médico, baseado necessariamente no diagnóstico médico e nas possibilidades terapêuticas.

Pode ser caracterizada como uma “predição médica” de como um  paciente  e sua doença irá evoluir, e quais são as chances de cura quando esta perspectiva existe.

O prognóstico é necessariamente dependente do diagnóstico médico no quadro avaliado. Não existe prognóstico sem diagnóstico. 12

Para aferir prognósticos foram criadas as Medidas de Prognóstico para estimá-lo, em relação ao tempo.

Pode ser enunciada como uma taxa, que representa a proporção de indivíduos que experimentam o evento desfecho sobre os indivíduos suscetíveis. Como exemplos temos as taxas de:

Remissão

Sobrevida em 2, 3 ou 5  anos

Mortalidade por doença diagnosticada

Recorrência

Letalidade 13

 

Uma atribuição do pensamento médico é a perspectiva da morte. Muitas vezes é necessário tentar “prever” quando alguém falecerá devido a uma doença crônica. Os médicos podem estabelecer um parâmetro bastante preciso a curto prazo, a partir das análises estatísticas de grandes grupos de doentes com processos similares.

Entretanto prever ou prognosticar quanto tempo poderá sobreviver um indivíduo, em particular, pode ser uma inferência imprecisa. O medico pode fazer basear-se num cálculo de probabilidades e na sua confiança em relação a esse cálculo. Se a probabilidade de morte de é de 50 %, os interessados devem saber que existe um alto índice de probabilidades de morte e agir em consequência deste dado.14

A previsão ou prognóstico de uma morte e as ações que os médicos podem tomar em consequência desta é que norteiam as decisões médicas. Atualmente são amplamente discutidas estas decisões em bioética ,e, por vezes, pode-se  escolher entre a alternativa de uma morte rápida, ou viver um pouco mais recebendo um tratamento mais agressivo. 15

Entretanto, o prolongamento do período de dor, desconforto e agonia podem ser a escolha de doentes e familiares na esperança de prolongar a vida ou para tentar outros tratamentos alternativos. Atualmente a prática de ações paternalistas dos médicos quanto às decisões de tratamento estão sendo revistas e discutidas a cada dia.

Para minimizar o sofrimento de um paceitne os médicos dispõem também de Medidas de qualidade de vida.16 As estimativas de sobrevida com medidas de qualidade de vida  são fatores que podem influenciar a indicação de cirurgias, ou de procedimentos invasivos que poderiam melhorar a qualidade de vida do paciente, sem prolongar o seu sofrimento.

 Com as explanações anteriores já podemos situar  vamos situar a psiquiatria na pratica médica.

A palavra Psiquiatria deriva do Grego e quer dizer "arte de curar a alma", mas atualmente podemos dizer que  é a arte de tratar  um indivíduo e a sua alma.

A Psiquiatria segue todo o raciocinio médico anteriormente descrito para estabeler seu dianóstico médico, pois é uma especialidade da Medicina que lida com a prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento e reabilitação das diferentes formas de sofrimentos mentais, sejam elas de cunho orgânico ou funcional, com manifestações psicológicas severas. 17

Um dos principais  objetivos de uma avaliação psiquiatrica é o estabelecimento do diagnóstico psiquiátrico.

A avaliação psiquiátrica envolve o exame do estado mental e a história clínica da mesma forma que as outras especilidades médicas. Os ”sinais e “sintomas“ em psiquiatria são norteados a partir do campo das psicopatologias; critérios bastante usados hoje em dia, principalmente na saúde pública. 18

O sistema de classificação utilizados atualmente são a CID-10 da Organização Mundial de Saúde, adotada no Brasil, e o DSM-IV da American Psychiatric Association.

O arsenal de tratametno da psiquiatria são os medicamentos psiquiátricos,  eletroconvulsoterapia , e  psicoterapia que pode ser  realizada também por outros profissionais de saúde mental: Psicólogos e Psicanalistas.

Quanto à prática da psiquiatria, os psiquiatras podem realizar exames físicos, solicitar e interpretar análises como qulaquer outro médico e é fundametnal que realize exames para descartar patologias orgâncias que podem simular alterações psiquiatricas ou que podem levar à alteração do comportamento.

As áreas da psiquiatria envolvem :

Psicopatologia, ou ciência que estuda os comportamentos anormais

Emergência Psiquiátrica ou atendimento de casos críticos como doentes em crise (psicose, tentativa de suicídio, por exemplo)

Psiquiatria da Infância e Adolescência, que atende problemas específicos desta faixa etária (autismo, Transtorno do deficit de atenção e hiperatividade)

Psiquiatria Geral, estudo e atendimento de casos em psiquiatria em adultos (depressão nervosa, esquizofrenia)

Psiquiatria da terceira idade, especializada no atendimento de problemas como Mal de Alzheimer e manifestações psíquicas da Síndrome de Parkinson

Psicoterapia

Toxicodependência ou abuso e dependência de drogas, lícitas e ilícitas

Psiquiatria de ligação ou Interconsulta psiquiátrica, que diz respeito ao atendimento de sintomas psíquicos em doenças de outros sistemas, especialmente em doentes internados em hospitais gerais (por exemplo, delírio causado por reações à anestesia ou à baixa oxigenação em doentes cardíacos)

Psiquiatria forense

Epidemiologia psiquiátrica, que estuda risco e prevalência de doenças na população

Psiquiatria Comunitária

Psiquiatria Transcultural ou estudo das diversas manifestações da doença psíquica nas diferentes culturas

Além destas, na formação do psiquiatra são também fundamentais conhecimentos de Medicina interna, neurologia, radiologia, psicologia, sociologia, farmacologia e psicofarmacologia.

Consequências sociais e jurídicas do diagnóstico

Jervis observa ainda que esse tipo de diagnóstico tem consequências sociais e inclusive jurídicas (entrando na esfera da Psiquiatria Forense): "O maior problema, no entanto, é que esse tipo de diagnóstico é sempre um juizo de valor fortemente desvalorizante que, sem dúvida, denigre e estigmatiza a imagem pessoal (afetando a auto-estima do indivíduo “etiquetado”). 20

 

Segundo Tseng (2001) a cultura também influencia a caracterização do diagóstico e existem seis tipos de fatores Socio-culturais do diagnóstico psiquiátrico com efeitos descritos abaixo:

1. Efeito patogênico: Fatores culturais podem ser a origem explícita ou imediata de um transtorno mental.

2. Efeito pato-seletivo: cada cultura vê alguns comportamentos patológicos como mais ou menos aceitáveis, de acordo com suas próprias normas.

3. Efeito pato-plástico: a cultura determina a forma de expressão de determinados transtornos.

4. Efeito pato-facilitante: determinados fatores culturais, como a permissividade o até mesmo a exigência de determinados tipos de comportamento que podem tornar-se patológicos, podem aumentar a frequência de determinados transtornos e na população.

5. Efeito pato-reativo: a cultura determina além disso a reação das pessoas a determinados tipos de doença.

6. Idioma de estresse (Idioms of distress): cada cultura possui um "idioma" próprio para expressar seus estresses, tensões e problemas psíquicos. 21

 

Ainda dentro de critérios classificatórios em psiquiatria temos o  sistema triádico de Jaspers (1913). Ele preconiza tres tipos de doenças mentais:

1. Doenças somáticas conhecidas que trazem consigo um transtorno psíquico, em seus subtipos:

Doenças cerebrais;

Doenças corporais com psicoses sintomáticas (ex. infecções, doenças endócrinas, etc.);

Envenenamentos/Intoxicações (Álcool, mofina, cocaína etc.).

2. Os três grandes tipos de psicoses endógenas (ou seja, transtornos psíquicos cuja causa corporal ainda

é parcialmetne desconhecida ):

Epilepsia genuína;

Esquizofrenia, em seus diferentes tipos;

Distúrbios maníaco-depressivos.

3. Psicopatias:

Reações autônomas anormais não explicáveis por meio de doenças dos grupos 1 e 2 acima;

Neuroses e síndromes neuróticas;

Personalidades anormais e seu desenvolvimento.

 

Os sistemas atuais de classificação abarcam também o princípio da comorbididade, ou seja, uma pessoa pode ter ao mesmo tempo diferentes transtornos e a multiaxialidade, ou seja, a descrição do transtorno se dá em diferentes eixos, cada um dos quais se referindo a um aspecto diferente (a CID não é originalmente multiaxial, mas um tal sistema foi proposto). 22

 

O sistema de diagnóstico operacional, onde um diagnóstico é descrito com base em uma série de elementos semiológicos, sintomas e ou sinais, que devem estar presentes ou não por um período de tempo determinado. Discussões teóricas sem base empírica sobre a etiologia são deixadas de lado. 20

Existem dois sistemas atualmente em uso a saber:  A Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês), da Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA).

Os sistemas diagnósticos dos transtornos psiquiátricos quanto à etiologia são tanto em sua gênese como em sua manifestação, fenômenos muito complexos.  O modelo bio-psico-social procura fazer jus a essa complexidade buscando analisar a gênese e o desenvolvimento dos transtornos mentais sob  diferentes pontos de vista, de acordo com os diferentes fatores que os influenciam: São eles:

          Fatores biológicos - como a predisposição genética e os processos de mutação que determinam o desenvolvimento corporal em geral, o funcionamento do organismo e o metabolismo, etc.;

          Fatores psicológicos - como preferências, expectativas e medos, reações emocionais, processos cognitivos e interpretação das percepções, etc.;

          Fatores socioculturais - como a presença de outras pessoas, expectativas da sociedade e do meio cultural, influência do círculo familiar, de amigos, modelos de papéis sociais, etc. 23

 

A partir da explanação acima podemos concluir que a pratica da psiquiatria é sedimentada no saber médico e responde à etica médica juridicamente e reza todos os mesmos preceitos da ética medica como prudência, conhecimento tecnico e capacitação profissional  como qualquer outra especialidade médica.

Este atual posicionamento incluí a prática da psiquiatria em uma conduta técnica específica: ATO MÉDICO, e como qualquer área da medicina tem a perspectiva da morte, e necessita de amparo dos protocolos   para situar sua prática em parâmetros metodológicos cientificamente aceitos pela sociedade, já que responde  à ética médica.

Referências bibliográficas com o autor – [email protected]

 


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