Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Novembro de 2011 - Vol.16 - Nº 11

Artigo do Mês

CONCUSSÕES NO PAÍS DO FUTEBOL E O SILÊNCIO SOBRE ELAS

Carlos Alberto Crespo de Souza
Doutor em Psiquiatria

1.      Introdução.

O Brasil é reconhecido e identificado como o país do futebol. Raro é o jovem que não participa de atividades relacionadas à prática desse esporte desde sua infância. Além dos praticantes amadores, aos milhares, há inúmeras categorias semiprofissionais por idade, sub-15, sub-17, sub-20 e profissionais envolvidas em campeonatos regionais, nacionais e internacionais. Os clubes brasileiros formam seus futuros atletas a partir da existência de “escolinhas”, com meninos ainda pré-púberes. Por sua vez, a mercantilização desse esporte incentiva, sobremaneira, que cada vez mais jovens e seus familiares busquem melhores condições de vida, atraidos por salários extraordinários oferecidos por empresários que especulam na área.

Mesmo com a natural propensão à prática desse esporte na cultura brasileira e, agora, mais do nunca - valorizada atividade - pouco se sabe das consequências de traumas cerebrais entre os inúmeros praticantes em nosso país. Sobre elas há um silêncio, um silêncio inquietante se considerar dados inequívocos mostrados por pesquisas e estatísticas de outros países quando se reportam às lesões cerebrais derivadas de práticas esportivas e, especificamente, as futebolísticas. 

No mundo dos esportes, o futebol é um dos poucos em que o objetivo por controlar e avançar a bola é utilizado sem uma proteção à cabeça. Obviamente, esse fato coloca o jogador dessa prática em risco de sofrer um trauma cerebral, e o jogo, por conseguinte, envolve certo risco e as concussões são as lesões mais comuns 1,2.             

            A concussão é um tipo de lesão traumática do cérebro que causa disfunção e pode ser determinada por uma pancada ou golpe sobre a cabeça, sacudida sobre o corpo ou por uma rápida aceleração/desaceleração do cérebro dentro da caixa craniana. 

            O cérebro é razoavelmente macio, flexível e úmido em consistência, mas se ressente quando é impactado contra os ossos rugosos que compõem o crânio 3.

            O fenômeno da concussão é conhecido há séculos e tem recebido distintas interpretações ao longo dos tempos. O conceito de síndrome pós-concussional, por sua vez, é bem mais recente 4. Um aspecto chamativo diz respeito aos critérios diagnósticos na medicina, pois as classificações da CID-10 (internacional) e da DSM-IV (americana do norte) ainda mencionam que para haver uma concussão necessariamente haveria a perda de consciência, achado clínico inconcebível nos dias de hoje e já reconhecido pela DSM-IV-TR, uma classificação mais atualizada da psiquiatria americana, a qual privilegia os novos entendimentos 5,6,7. 

            Em virtude das mudanças, quantos médicos brasileiros, entre os que realizam o atendimento primário, os que se dedicam às práticas esportivas, neurologistas de plantão e psiquiatras têm acesso a essa nova compreensão diagnóstica?   

            O fato de que a CID-10, a classificação internacional ainda vigente em nosso país (e na maior parte dos países), traga em seus critérios diagnósticos esse entendimento errôneo, prejuízos significativos podem decorrer aos padecentes quando os médicos neles se baseiam por ocasião de suas avaliações. Não estabelecer um diagnóstico de concussão num atleta por ausência de perda de consciência é considerado hoje uma imperícia capaz de gerar graves consequências, embora não se possam responsabilizar os médicos por esse desiderato por absoluta falta de atualização da classificação em uso corrente. O médico só realiza um diagnóstico caso tenha aprendido, em sua formação ou em sua evolução científica, que determinado conjunto de sinais ou de sintomas, os quais caracterizam uma síndrome, pode existir.

            Ao assistir jogos de futebol ao vivo e através da televisão temos conhecimento de que muitos atletas sofrem concussões, com perda de consciência ou não durante os jogos e que, logo a seguir, retornam ao campo de jogo. Alguns casos, aparentemente de maior gravidade, são levados a hospitais. O que não se sabe é o que acontece, posteriormente, com esses jogadores lesionados e qual o risco de serem mantidos no campo de jogo logo depois de sofrerem uma concussão e, igualmente, são ignoradas as condições deficitárias neuropsiquiátricas de prazo mais longo em ambas as situações. 

            A mídia não registra o depois, pois não há interesse jornalístico, e muitos atletas desaparecem do cenário futebolístico sem que se tenha notícia sobre suas condições de saúde, notadamente cognitivas, psíquicas ou comportamentais. 

            O tema proposto nesta comunicação procurou averiguar junto à literatura médica internacional quais as repercussões das concussões conhecidas a curto, médio e longo prazo na prática futebolística, tentando estabelecer informações e orientações aos médicos em sua prática diária. 

2.      Método.

      De maneira a atingir os objetivos propostos foram pesquisados na Medline/PubMed artigos entre os anos de 2000 e 2011, utilizando como mote de pesquisa as palavras/frases chaves em língua inglesa: “Concussion and sports”, “Concussion and soccer” e “Soccer head injuries”.

      Também foram utilizadas outras fontes, como livros e publicações anteriores que retrataram, historicamente, conceitos de concussão, de síndrome pós-concussional e de seus efeitos deletérios sobre o comportamento e psiquismo dos comprometidos por estas afecções. 

3.      Resultados.

3.1.            Frequência.

Para Doolan e cols. os traumas cerebrais por concussão tornaram-se uma significativa preocupação de saúde pública, a qual não tem somente recebido a atenção do público em geral através das histórias de atletas divulgadas pela mídia, mas, também, como resultado de esforços legislativos no sentido de promover reconhecimento e manejo 8.   

De acordo com Gessel e cols., a cada ano, são estimados em torno de 300.000 traumatismos craniencefálicos, predominantemente concussões, relacionados com práticas esportivas nos Estados Unidos. O esporte só perde para as colisões entre veículos automotores como causa principal de TCE entre pessoas com idades de 15 a 24 anos 9. Segundo Meehan e cols. o número de concussões entre universitários a cada ano situa-se em torno de 136.000, e os efeitos das concussões repetitivas e o potencial para lesões graves tornaram esse tipo de trauma cerebral uma preocupação significativa para atletas jovens, familiares e treinadores 10.  

Lincoln e cols., num estudo prospectivo de onze anos realizado junto a 25 escolas universitárias americanas entre os anos de 1997-1998 e 2007-2008, examinaram a incidência e o risco relativo de concussão entre jovens, masculinos e femininos, que praticavam atividades esportivas em doze modalidades. Em seus resultados, verificaram que o futebol americano foi responsável por mais da metade de todas as concussões (algo já identificado ou presumido), o futebol (soccer) entre as meninas ficou em segundo lugar e concussões ocorreram em todas as modalidades. Os achados, segundo eles, mostraram que o foco na detecção, prevenção e tratamento das concussões não estão limitados somente àquelas atividades esportivas tradicionalmente associadas com esse tipo de trauma 11. 

Giannotti e cols., dizendo que poucos estudos epidemiológicos avaliaram as características dos traumas cerebrais em crianças e adolescentes praticantes do futebol (soccer) no Canadá, tentaram descrever as circunstâncias dessas lesões nessa faixa etária e identificar aqueles que requereram admissão em hospitais entre os anos de 1994-2004. Em seus resultados, observaram que as lesões cerebrais ocorridas nessa prática esportiva constituíram uma significativa proporção de internações em unidades de urgência. Por isso, advogam a necessidade de que estudos avaliem a natureza e a segurança das práticas esportivas que ocorrem nos campos de jogo, assim como de programas e técnicas capazes de interromper essas ocorrências 12,13.  

Pesquisas nos últimos anos mostram que os efeitos das concussões podem incluir - e se tornaram fontes de preocupação - decréscimo cognitivo (atenção diminuída), aumento dos sintomas depois de múltiplas concussões e o diagnóstico de encefalopatia traumática crônica em atletas jovens e em amadores 14,15.     

Copyright National Athletic Trainers' Association, Inc.

O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos menciona que há em torno de 4-8% registros de ocorrências de concussão no futebol (soccer), porém acredita que 90% dos casos não são registrados ou não são reconhecidos, fato a pressupor uma incidência em torno de 40% a cada ano 3.

De acordo com o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, são relatados em torno de 3.5 milhões de concussões relacionadas às práticas esportivas a cada ano. Em acréscimo, é mencionado que 60% dos jogadores de futebol de níveis escolares sofrerão de sintomas concussivos num único ano. Os dados existentes indicam que os atletas jovens possuem  risco maior do que adultos em sofrer concussões, enquanto que as mulheres têm maior probabilidade em experimentar esse tipo de lesão cerebral do que homens em esportes similares. Outro dado é que atletas que sofreram previamente uma concussão têm maior risco para futuras concussões e menor força será requerida para lesionar seus cérebros Ibid.

As concussões representam em torno de 70% de todos os traumatismos craniencefálicos e, de acordo com os registros da literatura médica, somente 15% dos comprometidos apresentarão deficiências cognitivas ou comportamentais posteriores. Entretanto, ao analisar esses 15 %, seu número é expressivo e estatisticamente superior, em termos epidemiológicos, a alguns transtornos psiquiátricos (esquizofrenia, mania e pânico) 16.   

No Brasil inexistem dados estatísticos sobre lesões concussivas na  prática esportiva, incluindo o futebol, e nem menção a elas em suas consequências. Tal fato demonstra o quanto estamos atrasados nessa área da medicina e o quanto necessitamos trabalhar para aprimorar dados epidemiológicos e estatísticos de uma condição médica tão frequente, por vezes capaz de determinar deficiências cognitivas ou comportamentais de curta, média ou de longa duração e, ainda, outras vezes, sequelas de gravidade.     

3.2.            - Como as lesões cerebrais tipicamente ocorrem no futebol.

      Cinco são as maiores possibilidades e, por frequência, são abaixo enumeradas:

·        Contato de cotovelo contra a cabeça ou cabeça-contra-cabeça quando dois ou mais jogadores estão disputando uma bola pelo ar.  

·        O goleiro é golpeado por um pontapé, por um joelho ou ainda por um cotovelo em sua cabeça ou bate a cabeça num dos postes da goleira.

·        Contato corpo-contra-corpo sem contato direto com a cabeça no qual a cabeça acelera ou desacelera violentamente. 

·        Contato de joelho sobre a cabeça na disputa por uma bola em lance rente ao campo de jogo. 

·        Golpe inesperado da bola sobre a cabeça ou batida da cabeça no gramado depois de uma queda.

·        Cabeceio deliberado na bola (cabe registrar que o Centro Médico e de Pesquisa da FIFA concluiu que “as forças geralmente associadas com o cabeceio da bola não são suficientes para causar concussão”) 3.    

3.3  . Efeitos em curto prazo, sintomas usuais, recomendações e sinais para emergência médica.

Os sintomas resultantes de concussão são individualizados e podem variar de maneira insidiosa. Perda de consciência não é necessária para o diagnóstico e uma batida forte ou violenta pode resultar em concussão, especialmente em atletas jovens e em atletas que anteriormente sofreram lesões cerebrais.

      Os sintomas mais comuns em curto prazo depois de uma concussão são descritos abaixo:

·        Confusão mental, sentimentos de obscurecimento da consciência/embriaguez, lentificação.

·        Vertigens, tonturas, desequilíbrio.

·        Sensibilidade aumentada aos ruídos e à luminosidade, visão turva.

·        Cefaleia, sentimentos de pressão cerebral.

·        Empobrecimento da memória: incapacidade de lembrar o que comeu anteriormente naquele dia, o resultado do jogo e o que aconteceu.

·        Coordenação motora e concentração empobrecidas.

·        Náuseas e vômitos.

Recomendações nesse estágio. 

·        Caso um atleta apresentar qualquer um desses sintomas ou não se mostrar bem, não deve ser permitido voltar a jogar.

·        Atletas suspeitos de terem tido uma concussão não devem receber medicação analgésica (para cefaleia), pois podem mascarar os sintomas. 

·        Os atletas suspeitos devem ser supervisionados por 24-48 horas depois do ocorrido de maneira a monitorar uma possível piora dos sintomas.

·        Não devem ser deixados a sós.  

Sinais de emergência médica.

a.      – Cefaleia que se agrava.

b.     – Vômitos repetitivos.

c.      – Dor forte no pescoço.

d.     – Perda de consciência ou incapaz de ser acordado com facilidade.

e.      – Convulsões.

f.       – Irritabilidade aumentada.

g.      – Debilidade, dormências nos braços ou pernas.

h.      – Incapacidade de reconhecer familiares ou coisas.       

   De acordo com alguns autores, os homens traumatizados sofrem mais de sintomas cognitivos, tais como confusão mental e falta de concentração, enquanto que as mulheres, tipicamente, experimentam mais sintomas somáticos, tais como sonolência, sensibilidade à luz, náuseas e vômitos, sem que se conheçam as causas dessas diferenças 17,18. 

  Segundo outros estudos, depois de serem avaliados muitos dados de TCE, compreendendo os de concussão em esportes variados, a evidência indicou que as atletas femininas podem ter risco maior a desenvolver prejuízos do que seus pares masculinos, inclusive nos aspectos de recuperação 9,11. Tal diferença pode ser explicada pelo fato de que o diagnóstico clínico de concussão, com frequência, necessita do relato pessoal dos sintomas ou deficiências existentes na ausência de marcadores biológicos ou definições/sintomas consistentes e, ainda, porque as mulheres são mais honestas em relatar seus males. Por isso, não fica claro se os riscos de incidência de concussão constatada entre as mulheres esportistas sejam realmente maiores e verdadeiros do que as dos homens em esportes similares ou que sofram influência desses desvios acima assinalados 19.          

3.4.  Efeitos em médio prazo.

      3.4.1.- Síndrome pós-concussional.

      Essa síndrome foi descrita pela primeira vez em 1934 por Strauss e Savitsky, quando identificaram nela tanto sintomas reconhecidos como decorrentes de lesões neurológicas sobre o cérebro como sintomas tidos como da esfera psíquica. Quatro grupos de sintomas são reconhecidos segundo suas origens: somáticos, cognitivos, perceptivos ou sensoperceptivos e emocionais ou psíquicos (comportamentais). Ao longo dos tempos ela foi ampliada em seus sintomas, resguardando-se os grupos de origem 4.

      Os efeitos das concussões, representados pelos sintomas identificados na síndrome pós-concussional, podem perdurar por semanas, meses ou anos na dependência de cada caso.   

      3.4.2. – Síndrome do segundo impacto.

Trata-se de uma emergência médica potencialmente fatal que resulta em rápida expansão pelo retorno ao jogar antes que o cérebro se restabeleça e a qual pode ocorrer em minutos, dias ou semanas após a concussão inicial 3,16.   

 3.5. Efeitos em prazo mais longo.

      Cada um possui diferentes níveis de restabelecimento, com variações de efeitos breves ou que podem perdurar por muitos meses ou anos. Os efeitos em longo prazo ainda não são completamente compreendidos, mas já há numerosos estudos na atualidade sendo conduzidos na investigação. Isso ocorre em resposta ao aumento do número de jogadores com história de traumatismos craniencefálicos que cometeram suicídio ou sofreram de depressão em diferentes etapas evolutivas, fenômeno observado até entre atletas mais jovens 20. 

      Cooperando com a investigação, nos Estados Unidos, alguns atletas já concordaram em doar seus cérebros para a pesquisa dos traumas cerebrais junto à Boston University, local do Instituto do Legado ou da Herança dos Esportes 3.

      Soldados veteranos dos Estados Unidos que estiveram em guerras fora de seu país e que sofreram TCE ao serem comparados com soldados egressos sem traumas cerebrais apresentaram taxas bem mais expressivas  de suicídio, sendo que o risco não foi explicado pela presença de transtornos psiquiátricos ou fatores demográficos 21.  

3.5.1. - Encefalopatia traumática crônica.

      Trata-se de uma forma de neurodegeneração acreditada como resultante de repetidas lesões cerebrais. O termo, originalmente, esteve relacionado com a demência pugilística por causa de sua associação com o boxe, uma neuropatologia inicialmente descrita por Corsellis, em 1973, depois de estudar uma série de 15 boxeadores aposentados. 

      A encefalopatia traumática crônica (ETC) foi recentemente constatada em outros determinantes de traumas menores sobre o cérebro, sugerindo que quaisquer outras causas de traumas repetitivos sobre a cabeça, tais como acontecem no futebol americano, no hockey, no futebol (soccer), nas lutas livres profissionais e nos abusos físicos, podem igualmente conduzir a alterações neurodegenerativas posteriores 22.

3.5.2. - Concussão e genótipo da apoliproteína E.

    A associação entre os polimorfismos da apoliproteína E (APOE) e as concussões vem recebendo atenção de pesquisadores. Estudos iniciais têm demonstrado que atletas portadores de um ou mais alelos raros da APOE

possuem aproximadamente 10 vezes mais probabilidade de reportar uma concussão prévia e podem ser mais propensos ao risco de uma concussão do que os não portadores 23.

            Os achados ainda são pouco expressivos e, por isso, estudos envolvendo amostras mais amplas de indivíduos com inúmeras concussões e portadores de múltiplos alelos raros da APOE necessitam ser realizados. No contexto, cabe lembrar, por sua importância clínica, que estudos prévios concluíram que há uma interação entre os traumatismos craniencefálicos e a presença da APOE-4, consistente com a hipótese de que os TCE favorecem a produção das placas de amiloide pelo aumento da expressão desse alelo 24. Também há evidências de que a APOE-4 está associado com a deposição da proteína beta-amiloide após os TCE, o que favoreceria o surgimento da Doença de Alzheimer em anos posteriores 25.            

4.      Retorno à prática esportiva.    

      De maneira a evitar que após uma concussão primária um atleta possa retornar à prática esportiva de sua predileção ou profissão, a Academia Americana Neurologia (ANA), em 1997, criou uma cartilha baseada no grau da concussão primária ou inicial, a qual passou a ser distribuída e divulgada entre médicos, treinadores, atletas e seus familiares 26.  

      De acordo com suas diretrizes, as concussões podem ser classificadas em três estágios ou graus:

Grau 1:

            É definido como uma confusão transitória, sem perda de consciência, com os seguintes possíveis sintomas: cefaleia ou náuseas ou alterações mentais que se resolvem em menos do que quinze minutos.

Grau 2:

            É definido como uma confusão transitória, sem perda da consciência, com sintomas ou alterações do quadro mental que permanecem por mais de quinze minutos.

Grau 3:

            O grau três é definido como qualquer perda da consciência por qualquer período de tempo – segundos ou minutos. Usualmente é fácil reconhecê-lo, pois o indivíduo está inconsciente por qualquer período de tempo.

            Dependendo do grau verificado, medidas diferentes devem ser adotadas a cada caso, as quais incluem retorno ao campo de jogo, afastamento por uma semana e até desencorajamento a participar de esportes de contato.

            Na eventualidade de que um esportista ou atleta já tenha sofrido uma concussão prévia e venha a sofrer outra, rigorosas avaliações médicas são necessárias e suspensão das atividades se impõe inicialmente.

            De um modo geral pode ser dito:        

·        Os sintomas físicos as mais das vezes se resolvem antes dos sintomas cognitivos/neuropsicológicos.

·        Não há esquema ou tabela estabelecida para a recuperação; cada um é diferente, ou cada cérebro é único.

·        O tempo é necessário para o restabelecimento; os jogadores devem ser mantidos com limitações cognitivas (leitura, computadores, escrita, televisão).

·        Uma vez que os jogadores estiverem 100% assintomáticos, ao final do repouso podem então seguir um retorno gradual aos jogos mediante supervisão e direção de seus médicos.

Yard e Comstock, num levantamento realizado junto a atletas universitários dos Estados Unidos que sofreram concussões entre 2005-2008, procuraram averiguar se obedeceram as orientações da Academia Americana de Neurologia quanto ao retorno às práticas esportivas. Em suas conclusões chegaram ao entendimento de que muitos desses adolescentes não cumpriram as recomendações e que isso deverá servir como advertência aos pais, treinadores e administradores esportivos para que, conjuntamente, trabalhem no sentido de assegurar que os atletas sigam as recomendações das guias de referência existentes 27.  

Segundo Purcell, a decisão de retorno aos jogos de uma criança (5-12 anos) que sofreu uma concussão deve ser realizada com cautela e sempre individualizada. De uma maneira geral devem permanecer totalmente livres de sintomas por muitos dias antes de reiniciar atividades esportivas, sempre sob supervisão médica. O autor, nesse artigo, sinaliza a necessidade de que futuros estudos procurem elucidar os efeitos das concussões em crianças de maneira a determinar uma guia de esclarecimento apropriada nesses casos 28, com a concordância de outros autores 29,30.       

5.      Medidas preventivas iniciais.

Avisos de ensinamento junto a jogadores jovens para lidar com o cabeceio.

o      – Aprender uma técnica própria de cabeceio através do contato com a bola pelo ar com a parte frontal da cabeça e não com seu topo.

o      – Aprender para se preparar adequadamente ao contato com a bola e mentalizar esse contato de forma proativa ao invés de deixar a bola bater simplesmente na cabeça. Isso fará com que os músculos do pescoço e posturais ajudem a absorver o impacto da energia cinética provocada pela bola em sua trajetória.

o      – Usar bolas de futebol infláveis ou mesmo balões na prática futebolística com crianças e jovens ou ainda com jogadores mais idosos inexperientes até que se sintam confortáveis no cabeceio e aprendam a técnica apropriada.

o      – Reforçar a musculatura do pescoço.

o      – Limitar a quantidade de cabeceio repetitivo em prática de dez minutos ou menos.

6.      Comentários.

      Algumas questões a respeito das possíveis consequências das concussões em jogadores de práticas esportivas variadas se sobressaem: 1) A concussão numa criança com dez anos de idade possui os mesmos efeitos deletérios que num jovem de 21 anos? 2) Esses efeitos permanecem por menos ou por mais tempo? O cérebro do jovem é mais resistente? 3) O que realmente nós sabemos a respeito dos efeitos sutis, anos após, daquilo que os especialistas preferem chamar de “mild traumatic brain injuries”  ou de “minor traumatic brain injury?”

        Para complicar as coisas, o “mild” possui na literatura compulsada, entre pesquisas e trabalhos publicados em língua inglesa, notadamente por neurologistas, duas concepções diferentes entre os estudiosos dos traumas cerebrais= “leve” e “moderado”, o que dificulta em muito uma apreciação de seus resultados. Se o “mild” for entendido como leve, o que seriam os “minor”? Se entendido como moderado, escapa da conceituação mundialmente utilizada para aferição diagnóstica dos TCE, baseada nos critérios da Escala de Coma de Glasgow. 

        Segundo o que foi apurado nessa pesquisa, um novo conceito a complicar mais ainda o entendimento dos TCE foi detectado: “subconcussive head trauma” 22, evidência a demonstrar o quanto os médicos, pesquisadores ou não, estão perdidos nesse campo. Já não basta a compreensão complicada do que seja uma concussão e, em sua extensão, o significado da síndrome pós-concussional. Agora nasce mais um complicador e fica a pergunta: qual o significado de uma “subconcussão”?  O “mild” e o “minor”, e agora a subconcussão, são incapazes de estabelecer critérios adequados ou uniformes a um diagnóstico compreensível e utilizável cientificamente em benefício dos comprometidos pelos TCE. 

         Outro artigo recente menciona que traumas cerebrais não- concussivos podem igualmente determinar sinais e sintomas concussivos com menor frequência dos que foram acometidos por concussão 31.  Trata-se, portanto, de mais uma constatação geradora de confusão diagnóstica. O que seriam esses traumas “não-concussivos”?

 Segundo os resultados obtidos nesta breve pesquisa, a literatura científica internacional está cada vez mais preocupada com as consequências dos TCE por concussão, que incluem agora a encefalopatia traumática crônica em atletas jovens que sofreram esse tipo de trauma. A lamentar é a existência de critérios diferentes para nomear ou designar os tipos de traumas, o que impossibilita uma apreciação diagnóstica clara e uniformização dos resultados de pesquisa. Os traumas cerebrais – à exceção da Escala de Coma de Glasgow – ao serem descritos por estudiosos e pesquisadores ainda, infelizmente, são uma Torre de Babel.

7.     Conclusão.                     

          Todos esses depoimentos e medidas cautelares em relação aos traumas por concussão são capazes de nos criar pensamentos de incredulidade, como se exagerados fossem. A prática futebolística no Brasil inicia-se precocemente e jamais alguma providência preventiva foi adotada, assim como nenhum conhecimento sobre a gravidade das lesões cerebrais foi jamais aventada em qualquer círculo. 

          Ensinar aos iniciantes como cabecear uma bola? Isto poderá ser entendido como algo ridículo, pois todos, no Brasil, “já nascem sabendo praticar o futebol”, sem nenhum preparo ou advertência. Há, pois, um descompasso qualificado entre os pressupostos científicos aqui descritos e a nossa realidade brasileira. Não acreditamos ou não sabemos que forças cinéticas existem e são propiciatórias de lesões cerebrais, assim como pensamos ou ignoramos que os cérebros estão resguardados e imunes a essas forças dentro da caixa craniana.  

          Considerando todos os dados aqui dispostos, cabe questionar: o que se sabe das concussões que ocorrem em nosso país por ocasião de práticas futebolísticas? Existe algum tipo de controle? Por qual razão o silêncio sobre elas? Os psiquiatras têm conhecimento de suas repercussões sobre a cognição e o comportamento? Quem trata dos pacientes acometidos depois de seu ingresso em unidades de pronto-socorro? Quem acompanha aqueles que nem procuraram por ajuda?

         Convivendo com as dúvidas ainda existentes, um experiente médico americano assim se pronunciou sobre o tema: “Nós não sabemos quantas crianças com inabilidades no aprendizado ou com transtornos de déficit de atenção sofreram lesões cerebrais no passado. Porém, como um médico de família aposentado, eu gostaria de chamar a atenção para a realidade de que os traumas cerebrais podem causar não apenas demência, dificuldades de aprendizado e, também, problemas psiquiátricos. Doença psiquiátrica prolongada é um alto preço a pagar por lesões cerebrais. Nós não sabemos quantas pessoas em nossas prisões sofreram TCE. Necessitamos começar a questionar essas coisas. Precisamos iniciar a pensar seriamente de como prevenir cada possibilidade de TCE32.

                   

8.     Referências.   

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