Volume 16 - 2011 Editor: Giovanni Torello |
Fevereiro de 2011 - Vol.16 - Nº 2 Artigo do mês
O FILME “CISNE NEGRO” – UMA INTERPRETAÇÃO PSICOLÓGICA
Prof. Herberto Edson Maia, Médico Psiquiatra Fiquei bastante impressionado com o filme que basicamente trata da batalha quase diária de crescer em contato com as dificuldades da vida. É uma bailarina que tem uma enorme ambição de ser a estrela principal de um dos mais famosos balés da dança clássica o “Lago dos Cisnes”. No começo vemos uma luta constante da bailarina para chegar à perfeição deixando de lado qualquer outra preocupação e só pensando em se aperfeiçoar mais e mais ensaiando em todos os tempos possíveis e quase que só parando para dormir. Nesta empreitada ela é acompanhada o tempo todo pela mãe, que também foi bailarina e deixou a carreira quando ficou grávida da filha com 28 anos. À medida que o filme se desenvolve, começam a aparecer condutas obsessivas no comportamento da bailarina, como em quase todas as pessoas que buscam a perfeição. No caso dela, uma necessidade de se coçar que leva ao sangramento num lugar um tanto insólito: a altura da omoplata direita. Em outras vezes, junto às cutículas das unhas, levando sempre ao sangramento. Durante os ensaios, além dos professores há a figura do professor mor, aquele que dá a aprovação final para aquela que será a estrela principal. Este, por sua vez, começa a notar cada vez mais que a bailarina tem as condições necessárias para encarnar o papel central. Entretanto, à medida que ela se desenvolve na técnica, ele começa a notar que falta a esta a sensualidade necessária para seduzir o príncipe durante o balé. Neste momento, além de ensinar-lhe a técnica, ele
necessita despertar-lhe, de alguma forma, a sensualidade
adormecida na dança No palco a bailarina principal tem que transmitir além da perfeição técnica, o “calor sedutor” do amor pelo príncipe e mais do que isso, o ódio desencadeado ao ser posta de lado por uma rival na trama da historia. Isto tudo a conduz à proximidade de uma zona limite, sempre com o intuito de despertar-lhe a sensualidade (aqui vista como avanço na integração pessoal). Estes episódios, nas cenas onde há uma mistura de papéis, foram mal entendidos pela maioria das bailarinas que assistiram ao filme bem como a maioria das pessoas. A crítica ao filme foi desfavorável. As forças externas que No inicio há uma indução pelo mestre ao autoerotismo ctônico - forma de despertar uma sensualidade primitiva não representável para ela que, na seqüência do desenvolvimento narcísico, passa pela homossexualidade integradora desse nível básico de desenvolvimento, mas cheio de desconfianças que aparecem como uma forma de conspiração contra ela vinda do mundo externo, sem nenhuma possibilidade de perceber que seriam apenas projeções do seu mundo interno, pois nesse momento não havia possibilidades de integração. Esse momento é muito bem descrito no filme na relação homossexual com a bailarina tecnicamente inferior e substituta da bailarina/artista principal. Neste momento poderíamos falar em esquizofrenia, já que no filme as cenas aparecem como alucinações. Entretanto, mas que eu preferiria interpretá-las como sonhos vividos carregado de consciência vigil misturando o mundo fantasmático com o mundo real. Entendo esse processo como algo muito difícil e complexo que é facilmente visto em seus momentos intermediários com formas de interpretações geralmente preconceituosas de tipo moral. Como a linha que estamos examinando tem como intuito central uma integração pessoal cada vez mais sofisticada, poderíamos aqui levantar a idéia de um duplo autoerótico originado do narcisismo primitivo infantil, aqui apenas como uma potencialidade não integrada que gradativamente poderia ser assimilada pelo autoerotismo secundário que organizaria o transito da continuidade anímica que se manifesta como o reinvestir constantemente no corpo erógeno, apropriando-se assim das próprias zonas erógenas despertadas precisamente pelo contato do objeto anímico que é o outro ou o fantasma do outro como no caso do filme e que vai aparecer então como criatividade anímica numinosa dando vida à frieza da bailarina. Se voltarmos a falar em esquizofrenia, teremos que
falar numa forma de esquizofrenia pós-moderna, condutora a uma forma de
integração criativa. Este caminho é induzido nitidamente pelo professor
ao beijá-la e ser mordido por ela, mas como a integração autoerótica não estava
pronta, ele lhe surge que ela se masturbe. Outra lembrança importante é a
dificuldade de integrar a sensualidade devido à ação repressiva da mãe
quanto à sexualidade. É interessante registrar que a condição básica para
ser a escolhida foi sua agressividade ao papel do cisne negro. Neste
momento, a criatividade intuitiva do diretor do filme faz essa integração
passar para nível homossexual. Estamos, portanto, diante de outra situação que
dificulta muito o entendimento geral devido à trama complexa do preconceito
basicamente moral. Entretanto, se deixarmos de lado as tramas morais
preconceituosas, essa passagem fica bem clara, com a poderosa cena da
relação homossexual da bailarina com a rival, o que a leva a um orgasmo
integrador como descrito Para isso, quero registrar o final da cena que aparece como uma vivência assustadora em que tudo fica escuro e negro. Essas são assustadoras para um ego em evolução, que ainda não tem um sistema representacional que as absorva rapidamente. Usando uma metáfora para melhor entender esse momento, podemos dizer que o duplo autoerótico misturado com a vivência homossexual representa um espelho endopsíquico semelhante ao escudo de Perseu frente à Górgona ou Medusa, afasta o perigo de a bailarina ficar petrificada, catatônica, sem capacidade de integrar esse momento e ir em direção à realidade. Agora estamos diante de uma complexidade maior, já que neste caminho temos que lidar com o oposto do amor que é a destrutibilidade (que aparece na mordida durante o beijo sentido como intrusão) e que é melhor representada pela agressividade, ciúmes, inveja e o ódio mortal. Neste contexto, aquilo que chamo de “duplo integrador da sexualidade” aqui aparece na configuração da mãe exigente, que nos seus avatares, passa para a rival e ao mesmo tempo amiga intima, que certamente vai tomar o seu lugar como primeira bailarina. Parece que a luta de morte com a rival é de novo a forma de integrar na personalidade total um potencial agressivo que vai tomando forma cada vez mais nítida, passando pela agressividade com a mãe até agressividade com o pai totalmente ausente, mas presente no professor e ainda potencial amante. Lembramos o beijo sumarento no mestre num dos intervalos do balé. Neste momento, o duplo anímico negativo será integrado novamente de uma forma fusional destrutiva, mas ao mesmo tempo capaz de dar a ela a capacidade de representar no palco de uma forma perfeita e contundente na presença da morte. A cena plástica em que ela se transforma no cisne negro me levou a uma vivencia empática extraordinária. À medida que a agressividade vai se integrando na vivência de corpo vemos o nascimento de uma espécie de demônio que vai se transformando num anjo negro que na realidade do balé é a incorporação plena do Cisne Negro. E o interessante aqui é que de novo no simbólico aparece o espelho de que falei antes, quebrado durante a luta e que, por isso, a deixa vulnerável à petrificação da Medusa. Por outro lado, o pedaço do espelho é que propicia a integração do duplo negativo ao se autoatingir na altura do plexo solar. Podemos dizer que temos aqui uma perfeita integração entre a vida e a morte levando a um momento culminante de perfeição.
|