Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

Dezembro de 2010 - Vol.15 - Nº 12

Psiquiatria na Prática Médica

A BÁSCULA DA INTEGRALIDADE NA PRATICA DA PSIQUIATRIA

Prof. Dra. Márcia Gonçalves**

 

O homem na incessante busca de perfeição e de controle sobre a vida e sobre a morte,bem como na busca de sua autonomia e liberdade dança sobre uma  banda de Moebius.  

O indivíduo é um ser humano, social, cidadão que biológica, psicóloga e socialmente está sujeito a riscos de vida. Desta forma o atendimento deve ser feito para a sua saúde e não somente para a sua doença. Isto exige que o atendimento seja feito também para erradicar as causas e diminuir os riscos, além de tratar os danos. KELL.C

Ao tentar compreender a báscula entre o desejo individual e a uniformização da ciência, encontramos a singularidade até onde a conhecemos, como a única perfeição ao nosso alcance.

A sociedade busca uma modulação entre a tecnologia e a dignidade humana. Um contraponto entre a saúde coletiva e o exercício dos desejos individuais.

De acordo com o texto constitucional deveria caber ao Estado a tarefa de garantir a saúde para todos, através de políticas sociais e econômicas voltadas tanto para a “redução do risco de doença e de outro agravos”, quanto “ao acesso universal e igualitário a ações de serviços para sua promoção, proteção e recuperação” KELL.MC É nessa segunda perspectiva que a constituição reconhece a relevância publica das ações e serviços de saúde, e delineia um sistema único (o Sistema Único de Saúde), integrado pelas ações e serviços públicos de saúde, mas do qual também podem participar,em caráter complementar, instituições privadas. KELL.MC

 

Temos no progresso cientifico em todas as especialidades médicas, como, por exemplo, células tronco, exames  de alta resolução, lasers de alta e baixa potência, a tecnologia  atendendo na coletivização dos diagnósticos e dos tratamentos.

O ato médico, cada vez mais norteados em protocolos científicos baseados em evidências, passam a ser  vistos como “manuais “ de  decisões médicas.

Por outro lado a interdisciplinaridade se mostra atualmente como um novo paradigma e criação de novos valores e princípios.

Com relação à psiquiatria, nunca na história da medicina ela esteve tão próxima da clinica medica como na atualidade.

O diagnóstico psiquiátrico ,  atualmente formalizado pelos protocolos e DSM IV cada vez mais  impõe a uniformização do tratamento. Existem  questionamentos até do tempo de tratamento necessário para uma internação , tendo em vista os protocolos de pesquisa.

A psicofarmacologia atualmente é arsenal de tratamento usado como pano de fundo do tratamentos de muitas patologias orgânicas,  sendo  este fundamental para a promoção da saúde e bem estar na clínica em geral.  

Os exames de imagem de alta resolução como PET (pet positron emission tomography) e SPECT,(Single Photon Emission Computer Tomography. ) entre outros, dão espaço a uma comprovação visível das possíveis disfunções psicopatológicas ao que antes era considerado apenas uma ciência abstrata.

Mas as questões  relacionadas com a saúde coletiva e individual não estão restritas à medicina. Na medida em que o exercício de  respeito à vida em todas as suas expressões evolui, os diversos setores sociais (religiosos, científicos, entretenimento, etc) se deparam com dilemas  que necessitam de apreciação  constante.

Se por um lado  a utilização dos novos recursos de diagnósticos e de tratamento sejam sectários pelo próprio refinamento e preço (transplantes, etc), ou,por outro lado, paradoxalmente, eles acabam por prolongar a  vida de pessoas que deliberadamente  apresentam comportamento de exposição a riscos.

Os mesmos recursos passam a ser na prática um tipo de prevenção corretiva (exames laboratoriais para controle preventivo de patologias crônicas, como hipertensão, diabetes, dislipidemias, etc.). Eles,entretanto,  nem sempre promovem uma reflexão sobre o comportamento auto-lesivo e nem a prevenção a priori.

Por esta linha de pensamento, encontraremos uma tangência inegável da tecnologia entre o coletivo e o individual.

Na prática psiquiátrica observamos em muitos estudos epidemiológicos,  que muitas populações que se expõem a comportamentos de risco, sofrem de patologias mentais não diagnosticadas e/ou não tratadas.

 

As ações de saúde devem ser combinadas e voltadas ao mesmo tempo para prevenção e a cura. Os serviços de saúde devem funcionar atendendo o indivíduo como um ser humano integral submetido às mais diferentes situações de vida e trabalho, que o leva a adoecer e a morrer. O indivíduo não deve ser visto como um amontoado de partes (coração, fígado, pulmão, etc.) e solto no mundo. KELL.MC

 

No tocante á contribuição da psiquiatria na prática medica, as pesquisas epidemiológicas, atualmente, são de incalculável valor pois evidenciam alguns transtornos que subjazem  ao comportamento de risco,   criando assim condições para uma melhor condução de patologias crônicas. 

Seres com livre arbítrio e exercício pleno de seus desejos (alimentares, sexuais, prazer) ,e que decidem sobre sua conduta e seu comportamento auto-lesivo custam caro para a saúde pública, pois a sustentação de práticas  lesivas (tabagismo, etilismo, compulsões alimentares, etc)  encarecem os serviços públicos.

Surge a questão do bem individual em detrimento do coletivo.

Se temos uma sociedade erguida sobre patamares monetários, até onde o  coletivo deve abarcar desejos individuais que encarecem todo o sistema ?

Até que ponto o individual deve ser mantido em detrimento do coletivo?

Para PINHEIRO  (2001), a integralidade é assumida como sendo uma ação social resultante da permanente interação dos atores na relação demanda e oferta, em planos distintos de atenção à saúde (plano individual – onde se constroem a integralidade no ato da atenção individual e o plano sistêmico – onde se garante a integralidade das ações na rede de serviços), nos quais os aspectos subjetivos e objetivos sejam considerados.

.A medicina artesanal custa caro e sua sobrevivência não coaduna com necessidades massificantes.

O desejo individual não deve cercear a liberdade de opção de vida de cada individuo, mas até que ponto a coletividade deve sustentar comportamentos auto lesivos comprometendo o desenvolvimento das  futuras gerações ?

A medicina baseada em evidências, e outras formas de constructos com rigor metodológico, preconizam em primeira instância o coletivo em detrimento ao tom individual.

Certos teorias e tratamentos previlegiam o individual em detrimento do coletivo.

Aquilo que constitui a identidade dos sujeitos é uma construção que pode ter seus limites balizados pela necessidade individual e o coletivo nem sempre atende desejos particulares.

A tecnologia médica e as evidências prioritariamente estão a serviço das massas, (populações) e nem sempre ao individuo, mas em um olhar mais aprofundado, nunca o homem esteve tão individual e ao mesmo tempo, tão inserido na coletividade.  

O crescimento populacional gera a demanda de pragmatização, uniformização e  redução de tempo para o atendimento e para as condutas médicas.

 Este mesmo homem coletivo precisa de tempo para o exercício de seus desejos. A tecnologia está a serviço o tempo.

Enveredando pelas questões metafísicas, o  desejar do homem que é pleno senhor de seu desejo é o toque diferencial que transforma o ser coletivo em ser individual a cada novo instante de vida, e é o que imprime o timbre pessoal e o transforma em um esboço rudimentar de um Deus ou, como afirma  Leibniz,   “Uma analogia profunda entre a idéia de Deus e do homem, ...  há uma identidade entre a lógica de Deus e do Homem” (Leibniz -  Discurso sobre metafísica – página 30).

Leibniz, engendrando pelo pensamento da perfeição de Deus, ressalta que a maior ciência e o poder supremo não encerram em si mesmas impossibilidade alguma. A ciência persegue esta perfeição. O sujeito de seu desejo persegue a onipotência e total autonomia de seus atos.

À semelhança do poder de Deus, que escreve certo por linhas tortas, a ciência também percorre  caminhos tortuosos à procura da perfeição. Podemos inferir, portanto, que  perfeições pertencem aos Deuses, e não prevêem limites.

A vida em si é perfeita, e o saber médico tenta atingir,  se não o conhecimento, a prática da perfeição. A ciência médica tende a caminhar na tortuosa linha da perfeição e as evidências buscam a perfeição coletivizada. A ciência busca a uniformidade como padrão de perfeição.

Mas o ser individual é perfeito? Não obstante, o ponto fundamental que diferencia o ser individual do coletivo é a imperfeição, ou seja, na lei da evolução darwiniana é exatamente o fator genético diferenciador, seja mutante  ou adquirido, o fator que faz com que um individuo em meio à população de iguais,  seja o resistente-diferente.

E é este mesmo individuo em sua singularidade que vai promover subsídios para uma possível cura do coletivo. (Uma vacina sempre é realizada a partir de um individuo diferente...).

A medicina e a saúde mental sempre caminharam juntas e percorreram os mesmos atalhos da sociologia, história, filosofia, bem como  epitemes.

Se pudermos adequar , como em um sistema de feed back o progresso das evidências pode atender ao coletivo e o ser desejante individual.

Este ser individual marcado por suas imperfeições e sustentando seus desejos,  tal como um dançarino sobre uma banda de Moebius, poderá conjugar os verbos do desejo, individualidade e auto-consciência poderão  ter como referência um logus para sua manifestação.

Alguns limites no tocante ao uso dos recursos coletivos poderiam ser estabelecidos para que o coletivo não  fique onerado pelas escolhas individuais auto lesivas.

Um feed-back entre o coletivo e o individual, com vistas à possibilidade de escolhas não paternalistas, mas que determinem responsabilidades ás escolas, ao invés  de medidas.   

Portanto, para a medicina integral, integralidade teria a ver com uma atitude dos médicos que seria desejável, que se caracterizaria pela recusa em reduzir o paciente ao aparelho ou sistema biológico que supostamente produz o sofrimento e, portanto, a queixa desse paciente. Atitude essa que deveria ser "produzida" nas escolas médicas. Relaciona-se, deste modo, com a boa medicina, ou melhor, com a boa prática médica.

 

A prática psiquiátrica, desta forma é a melhor expressão de uma medicina que visa a integralidade, pois flutua não só nas ações coletivas, mas ainda busca  uma abordagem integral do sujeito.

 

Referências

 

Kell. MC. Integralidade da Atenção à saúde – Ministério da Saúde. Destaque 69.

PINHEIRO, Roseni; MATTOS Rubens A. Os Sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2001.

 

Ministério da Saúde – Secretaria de Assistência à Saúde – Desenhos da Organização da Atenção no SUS – A Integralidade da Atenção à Saúde – Encontro dos estudantes universitários da área de saúde e o SUS – Brasília – 17 de maio de 2003.

 

Marcia Gonçalves

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