Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

Novembro de 2010 - Vol.15 - Nº 11

Psiquiatria na Prática Médica

PERÍCIAS PREVIDENCIÁRIAS E TRANSTORNOS MENTAIS NA PRÁTICA MÉDICA CONCEITOS GERAIS

Prof. Dra. Márcia Gonçalves**

A Perícia Médica Previdenciária (contra o INSS) tem como finalidade subsidiar a autoridade judiciária (JUIZ) acerca de diagnósticos que constatem no requerente de ações previdenciárias o direito aos benefícios assistenciais ou previdenciários (comuns ou acidentários) previstos em lei. O perito judicial , profissional nomeado diretamente  pelo MM JUIZ , faz uso de suas atribuições por força DA LEI 3268/57 do ARTIGO 3º. RESOLUÇÃO CFM nº 1.627/2001 e resolução do CREMESP 126 DE OUTUBRO DE 2005 (PERICIAS MÉDICAS, 2010).

 A pericia médica é realizada por profissional da medicina. Os experts médicos,  especialistas na mais diversas áreas como cardiologia, psiquiatria, etc, são legalmente habilitados para informar e esclarecer alguma autoridade sobre fato próprio de sua especificidade funcional, no interesse da Justiça (PERICIAS MÉDICAS, 2010).

A atuação médica em perícia médica já é regulamentada  quanto aos seus aspectos éticos e de exercício profissional por Resoluções e Pareceres do Conselho Federal de Medicina, onde está disposta sua vinculação exclusiva aos médicos. Estas normas estão inseridas no próprio Código de Ética Médica na  Resolução do CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009  que tem força de Lei (ATKINSON, 1996).

 

                 CONCEITOS GERAIS SOBRE INCAPACIDADE E CAPACIDADE LABORAL

Para Freire (2003), as dimensões física, psicológica, social e espiritual devem ser consideradas e uma boa qualidade de vida implica em um indivíduo autônomo e independente, com boa saúde física, com senso de significado pessoal, desempenhando papéis sociais e permanecendo ativo. 

A Previdência Social brasileira define invalidez como a incapacidade do segurado para o trabalho, resultante de doença ou lesão, e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência (BRASIL, 1999). 

 Segundo trabalhos da literatura, incapacidade laboral é  a impossibilidade temporária ou definitiva do desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação, em conseqüência de alterações morfopsiquicofisiológicas,  provocadas  por doença ou acidente, para o qual o examinado estava previamente habilitado e em exercício (GOMES, 2009).

A definição de incapacidade engloba alguns aspectos. A patologia, a deficiência, a limitação funcional e a desvantagem são terminologias que estão diretamente associadas ao conceito de incapacidade. (ALVES-2008).

O risco de vida para si ou para terceiros, ou de agravamento, que a permanência em atividade possa acarretar, está implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível. ATKINSON, 1996

A existência de doença ou lesão não significa incapacidade. Várias pessoas portadoras de doenças bem definidas (como diabetes, hipertensão arterial, etc.) ou lesões (seqüelas de poliomielite, amputações de segmentos corporais) podem e devem trabalhar. Entretanto, se houver um agravamento e este agravamento, seja de natureza anatômica, ou funcional, ou de esfera psíquica, impedir o desenvolvimento da atividade, aquelas doenças de lesões não incapacitantes podem se tornar incapacitantes (ATKINSON,  1996; BADLEY, 1993).

Saad Nagi classifica três dimensões do desempenho que são conceitualmente e analiticamente separáveis: a física, a mental e a emocional. O desempenho físico se refere à função sensório-motora do organismo, indicado por limitações em atividades como andar, subir, ajoelhar, alcançar, ouvir,etc. O desempenho emocional se refere à efetividade psicológica de uma pessoa em lidar com o stress da vida e pode se manifestar por meio da ansiedade e de uma variedade de sintomas psicológicos. O desempenho mental denota uma variedade de capacidades intelectuais e racionais dos indivíduos, que geralmente são mensuradas por meio de testes de resolução de problemas como o Quociente de Inteligência (QI). (NAGI-1976)

Segundo o autor, a incapacidade significa a inabilidade ou a limitação no desempenho de papéis sociais e de atividades relacionadas ao trabalho, à família e à vida independente. Ao contrário dos indicadores de desempenho, os indicadores de incapacidade podem ser encontrados nas características individuais e nos requisitos dos papéis sociais em questão. Os mesmos tipos e graus de limitações no desempenho do organismo podem levar a diversos tipos e graus de incapacidade. NAGI-1976

A avaliação pericial pressupõe a constituição de um código interpretativo constituído de princípios ordenadores de julgamento. Essa matriz interpretativa depende da forma peculiar de atuação e inserção social do profissional. Sendo assim, a decisão (ou julgamento) não pode ser pensada independentemente das influências políticas de uma prática social. (MELO-2003)

Para GOMES (2009), a capacidade laborativa é  a relação de equilíbrio entre as exigências de uma dada ocupação e a capacidade para realizá-las (GOMES, 2009).

 O conceito de incapacidade deve ser analisado quanto ao grau, à duração e à profissão desempenhada (GOMES, 2009; BADLEY, 1993; HUTCHISON, 1995).

Quanto ao grau, a incapacidade pode ser parcial ou total: O médico perito considerará como parcial o grau de incapacidade que ainda permita o desempenho da atividade, sem risco de vida ou agravamento maior, e que seja compatível com a percepção do salário aproximado daquele que o interessado auferia antes da doença ou do acidente, a incapacidade total é  a que gera a impossibilidade de permanecer no trabalho, não permitindo atingir a média de rendimento alcançada, em condições normais pelos trabalhadores da categoria do examinado. ( BADLEY, 1993).

Quanto à duração, a incapacidade pode ser temporária ou permanente: Considera-se temporária a incapacidade para a qual pode se esperar recuperação dentro de prazo previsível; e  incapacidade permanente é aquela insusceptível de alteração em prazo previsível com os recursos da terapêutica e reabilitação disponíveis (GOMES, 2009).

Quanto à profissão, a incapacidade laborativa pode ser uniprofissional, ou seja , aquela em que o impedimento alcança apenas uma atividade específica; multiprofissional ,  em que o impedimento abrange diversas atividades profissionais e   omniprofissional, que implica na impossibilidade do desempenho de toda e qualquer atividade laborativa, sendo conceito essencialmente teórico, salvo quando em caráter transitório (HUTCHISON, 1995).

A terminologia utilizada deve contribuir para maior proximidade entre as pessoas, favorecendo a comunicação e possibilitando a construção de pontes culturais, conforme a sugestão de Fernald (FERNALD et al., 1996).

A incapacidade em um determinado papel não significa, necessariamente, incapacidade em outro. Nem todas as pessoas incapacitadas para trabalhar requerem assistência na vida diária; por sua vez, nem todas as pessoas que precisam de assistência nas atividades diária são incapacitadas para o trabalho. NAGI-1976)

O código internacional de doenças (CID-X),é usado para uniformização da linguagem médica e permite que estes profissionais se comuniquem sobre o nível de comprometimento que uma doença ou distúrbio acarreta para o periciando.

Considerando os estudos de vários autores (AMIRALIAN et al, 2000), a integração entre os conceitos, com relação aos níveis de manifestação, pode ser esquematizada como na figura abaixo.

 A Figura ilustra a interação entre os conceitos. 

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"O momento no qual a pessoa em crise vem a ser objeto de atenção pode ser identificado como o ponto de simplificação máxima da relação. Por um lado, o sujeito, para se manifestar, já veio simplificando progressivamente a complexidade de sua existência sofrida, reduzindo-a a um certo número de sintomas; por outro lado, o serviço, seja qual for, se equipou, como por um efeito de espelho, para perceber e reconhecer esses sintomas que se apresentam como modelo de simplificação ulterior" (Dell'Acqua & Mezzina, 1991).

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DOS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS E BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS 

Revisando a literatura que discute as questões referentes aos aspectos epidemiológicos e sociais que envolvem a política previdenciária nacional, analisando os benefícios concedidos por incapacidade temporária,  Possas encontrou os transtornos neuróticos, síndrome de dependência do álcool, outras psicoses não orgânicas e a psicose esquizofrênica como responsáveis, juntos, por cerca de 10% do total de benefícios concedidos (POSSAS, 1989; MATTOS, 1992). Quando ainda levou em conta epilepsia (1%), a psicose alcoólica (0,7%) e as psicoses afetivas (0,5%), esse total se elevou, no ano referido, para 12% dos benefícios considerados (AMIRALIAN et al, 2000).

Um número igualmente crescente de indivíduos com distúrbios de interação social que são jovens, desempregados e sem perspectivas de trabalho, desprotegidos do sistema de seguro social, freqüentemente com experiências com a justiça criminal e/ou agências de tratamento de toxicômanos (TALBOTT-1980) 

Outros diagnósticos psiquiátricos foram depressão, ansiedade e neurose.  (MARTINEZ,1997; LOPEZ et al, 1994; BITTENCOURT et al, 2001). 

    Em serviços de neurologia, a somatização também foi amplamente encontrada, chegando até a 18% no sexo feminino (BITTENCOURT et al, 2001). Pacientes com sintomas somatoformes representam uma importante carga econômica para os serviços de saúde e Previdência Social.

     Martinez(1997),refere que a incidência anual de distúrbios neuropsicológicos persistentes é de 370 por 100.000, portanto muito maior que a incidência de esquizofrenia (MARTINEZ,1997).

     Segundo Ramos e Bertolote (1997), a prevalência da síndrome de dependência de álcool mais o abuso do álcool (ou ingestão patológica) têm sido estimados em torno de 5 a 10% da população adulta, o que compreenderia 3,5 a 7 milhões de pessoas (RAMOS e BERTOLOTE, 1997). Os autores demonstram que 40% das consultas prestadas pelo ministério da Previdência Social foram para pacientes com abuso de álcool, sendo o alcoolismo isoladamente a 8º causa de requerimento de concessão de auxílio-doença.

Muitas discussões podem ser levantadas a partir daqui , já que Vale ressaltar que a incapacidade psiquiátrica está tratando de homens e mulheres cuja complexidade existencial não se reduz a um conjunto de sintomas clínicos. (FREITAS 1998). Estas questões extrapolam a questão da clinica psiquiátrica e enveredam por reflexões sociológicas. A busca de aposentadoria pode ser compreendida em um âmbito mais complexo. Provavelmente algumas categorias sociais  não encontram um espaço par expressão de sua potencialidade, ou uma adequação para sua incapacidade . O paradigma emergente  ainda esta focado na produção , e a perda da capacidade laboral pode estar  mesclada necessidades sociais em grupos de indivíduos que pro algum motivo encontram-se  fora da máquina produtiva.

Encontrar estes grupos e criar novos recursos para manutenção de sua autonomia pode ser alvo de novos trabalhos.

Marcia Gonçalves

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