Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

Julho de 2010 - Vol.15 - Nº 7

Psiquiatria na Prática Médica

TRANSTORNOS MENTAIS EM PACIENTES EM PERÍODO PUERPERAL

Márcia Gonçalves

O puerpério e, da mesma forma, a gravidez trazem profundas mudanças à vida da mulher, no que se refere a seu corpo, sua fisiologia e, sobretudo, a aspectos psicossociais. Para a maioria das mulheres o nascimento do bebê é um momento especial de alegria e excitação, mas também pode significar um período em que a nova mãe se encontra susceptível a distúrbios afetivos.1

A depressão pós-parto é uma patologia que ocorre nas primeiras semanas após o parto com conseqüências negativas não só para a mãe, como também para o bebê e para a família.2

Constata-se a importância da experiência emocional de parto e do primeiro contato com o bebê, enfatizando a necessidade de atender às necessidades psicológicas da mulher.3 Parte inferior do formulário

Para a mãe, é difícil fazer a transição entre o bebê "intra-útero" e o bebê recém-chegado. Após o parto a mulher se dá conta de que o bebê é outra pessoa e que ele não é exatamente como se esperava, pois algumas mulheres tendem a acreditar que seus filhos serão diferentes, tranqüilos, chorando pouco, dormindo a noite toda.4

Distúrbios afetivos ocorrem freqüentemente durante o período pós-parto, havendo variações relevantes. A primeira delas é conhecida como baby blue, que acomete cerca de 50 a 80% das mães e caracteriza-se por labilidade emocional e variações de humor com períodos de ansiedade, irritabilidade ou crises de choro, intercaladas com períodos em que a mulher se sente bem.1 Há também diminuição do apetite, dificuldade de concentração e insônia 5  Os sintomas se iniciam ao terceiro ou quarto dias após o parto, pioram em torno do quinto ao sétimo dia, e tendem a se resolver em doze dias, no caso de não haver tratamento.1

Como fatores de risco importantes no desenvolvimento da doença é a historia de depressão em gestações ou puerpérios anteriores, que aumenta em 50 a 62% o risco de recorrência. Quadro de depressão não relacionado à gravidez aumenta o risco em 30%. 1

A outra categoria importante diz respeito à psicose pós-parto, que acomete uma a cada mil mulheres, geralmente de inicio nas primeiras quatro semanas após o nascimento, com evolução bastante rápida. Essas mulheres podem desenvolver paranóias, distúrbios de humor, alucinações e desilusões.5.6

Além disso, hiperatividade, logorréia, depressão e confusão extremas podem estar presentes Em casos exacerbados, os riscos de suicídio e infanticídio são altos e as pacientes quase sempre requerem hospitalização.1  O contato mãe-filho deve ser supervisionado.7

O risco de psicose é vinte vezes maior no puerpério do que em outro período da vida da mulher.8

 A depressão puerperal, afeta cerca de 8 a 15% e pode ter inicio em qualquer período do pós-parto, sendo mais freqüente na segunda e terceiras semanas, podendo durar um ano.6

Caracteriza-se por todos os sintomas de uma depressão clássica, como sintomas neurovegetativos, emocionais, cognitivos, incluindo tristeza, desesperança, falta de confiança, autocrítica, fadiga, apatia, perda de apetite e de peso, distúrbios do sono, diminuição da libido, dificuldade de concentração e de tomar decisões, choro sem causa óbvia, ansiedade e até pensamentos suicidas5.

Estudo realizado na Universidade de Melbourne, Austrália, mostrou correlação entre mulheres com gestações múltiplas e nascimentos múltiplos e o desenvolvimento da doença9.

Falta de suporte social, instabilidade marital, gravidez indesejada, complicações pré e intraparto, morte de um ente querido, entre outros fatores estressantes também se apresentam como aspectos bastante relevantes no desenvolvimento dos distúrbios afetivos no pós-parto. Acrescentam-se, ainda, o relacionamento incorreto com os pais, o status material baixo, o desemprego e a gravidez não desejada.10

A depressão pós-parto está associada com a depressão durante a gravidez, dificuldades financeiras, dois ou mais abortos induzidos, podendo também ocorrer após distúrbios psiquiátricos, de acordo com um estudo realizado no Departamento Social de Medicina de Harvard. A depressão pós-­natal era mais prevalente quando havia desapontamento dos pais em relação ao sexo do bebê.11

Fatores hormonais são os mais relevantes no desenvolvimento de depressão pós-parto, embora não haja uma etiologia definida. Outro fator que se destaca é a predisposição genética incluindo história familiar somada aos fatores de risco previamente citados.12

O médico não deve hesitar em pesquisar depressão pós-parto na sua paciente. Para isso existem questionários estabelecidos, como Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS), Postpartum Depression Screening Scale (PDSS), Hamilton Rating Scale for Depression (HAM-D). É importante salientar que esses subsídios não devem ser usados para diagnóstico, mas para detecção precoce da sintomatologia, portanto, das mães de alto risco.13

Quadro 1. Quadro diferencial sinóptico dos distúrbios psiquiátricos puerperais

 

TRISTEZA PUERPERAL

DEPRESSÃO PUERPERAL

PSICOSE PUERPERAL

CONCEITO

Distúrbio psíquico leve e transitório

Transtorno psíquico de moderado a severo com início insidioso

Distúrbio de humor psicótico apresentando perturbações mentais graves

PREVALÊNCIA

50 a 80%

10 a 15%

0,1 a 0,2%

MANIFESTAÇÃO

Inicia-se no 3º até o 4º dia do puerpério

Início insidioso na 2ª a 3ª semana do puerpério

Início abrupto nas duas ou três semanas após o parto

SINTOMAS

Choro, flutuação de humor, irritabilidade, fadiga, tristeza, insônia, dificuldade de concentração, ansiedade relacionada ao bebê.

Tristeza, choro fácil, desalento, abatimento, labilidade, anorexia, náuseas, distúrbios de sono, insônia inicial e pesadelo, idéias suicidas, perda do interesse sexual.

Confusão mental, agitação psicomotora, angústia, insônia, evoluindo para formas maníacas, melancólica ou até mesmo catatônicas.

CURSO E PROGNÓSTICO

Remissão espontânea de uma semana a dez dias

Desenvolve-se lentamente em semanas ou meses, atingindo assim um limiar; o prognóstico está intimamente ligado diagnóstico precoce e intervenções adequadas.

Pode evoluir mais tarde para uma depressão. O prognóstico depende da identificação precoce e intervenções no quadro

TRATAMENTO

Psicoterapia enfatizando a educação e o equilíbrio emocional da puérpera

Psicoterapia, farmacologia.

Eletroconvulsoterapia (casos especiais)

Psicoterapia, farmacologia, eletroconvulsoterapia e internação (casos especiais)

Fonte: ZANOTTI et al (2003); ROCHA (1999); KAPLAN et al ( 1999) 14-15

O Critério usado para diagnóstico da depressão pós-parto é o mesmo usado para depressão clássica, podendo ser incluídos outros sintomas, como culpa por ser uma má mãe ou sensação de que algo ruim acontecerá ao bebê. Esses pensamentos ajudam a distinguir a depressão puerperal dos demais tipos de depressão. Outras manifestações são ansiedade extrema, ataque de pânico, choro espontâneo, desinteresse pelo bebê e insônia.1

Depressão pós-parto requer tratamento, que geralmente consiste em aconselhamento, havendo possibilidade de utilização de drogas.6

 Segundo um estudo prospectivo, realizado no Instituto de Psiquiatria de Londres, Inglaterra, demonstrou-se déficit cognitivo em filhos de pacientes que apresentaram depressão puerperal, especialmente em garotos ainda no Ensino Fundamental. Eles apresentavam dificuldades em compreender leituras e resolver problemas matemáticos.7

De acordo com a Escola Médica da Universidade de Michigan, apesar do tratamento farmacológico para depressão pós-parto ser eficaz, não é freqüentemente utilizado devido as preocupações com lactação. Os autores concluem que o aspecto da família e da psicoterapia é extremamente importante para o tratamento dos pacientes com depressão borderline do pós-parto. Em pacientes com risco evidente de depressão pós-parto (isto é, depressão puerperal ou psicose em gravidez anterior, distúrbios na ansiedade, doença bipolar) é obrigatória uma pesquisa e, se necessário, um tratamento profilático com acompanhamento de um psiquiatra.16

Formas menos severas de depressão pós-parto devem ser tratadas com psicoterapia e socioterapia. Em casos mais severos, drogas antidepressivas (inibidores seletivos da recaptação de serotonina ou antidepressivos tricíclicos) estão indicadas.16

Para tratar a depressão pós-parto, deve-se levar em consideração o tipo e a severidade dos sintomas.16 De qualquer forma, o quadro depressivo no puerpério merece atenção especial, a fim de evitar que se forme um círculo vicioso, no qual o vínculo, que é muito importante para o desenvolvimento do infante, é rompido. Dessa forma, a mãe depressiva não é capaz de se conectar emocionalmente com seu filho,  e culpada por isso, agravando ainda mais o quadro depressivo 8.

A depressão pós-parto é uma condição freqüente cujo manejo clínico é complexo.
Foi realizada uma revisão da literatura nas seguintes bases de dados: Medline, PsychINFO, Biological Abstracts, Lilacs, Cochrane Controlled Trials Register e CINAHL para avaliar a eficácia, segurança e tolerabilidade relevantes ao tratamento com antidepressivos. Diretrizes atuais de tratamento da depressão se aplicam a mulheres que não estejam amamentando.18

Níveis significativos de antidepressivo são encontrados em maior proporção de crianças expostas a fluoxetina e citalopram. Até que o impacto do uso de antidepressivos sobre o desenvolvimento de lactentes seja esclarecido, uma possibilidade clínica seria prescrever antidepressivos que não fossem geralmente detectáveis no plasma dos lactentes, como sertralina e paroxetina.18

Em 57 artigos publicados com 238 lactentes expostos a 15 antidepressivos diferentes, os autores encontraram níveis significativos de antidepressivo em maior proporção de crianças expostas a fluoxetina e citalopram; houve menor probabilidade de crianças expostas a nortriptilina, sertralina ou paroxetina desenvolverem níveis plasmáticos detectáveis ou elevados. Todos os antidepressivos, entretanto, foram detectados no leite materno.18

O tratamento deve seguir recomendações em relação à depressão em mulheres jovens e há preferência ao uso de um ISRS, devido a questões tanto de eficácia quanto de tolerabilidade.17

Para mulheres que estejam amamentando, a questão é mais complexa. Não é possível prever que fatores expõem o lactente a risco excessivo. É possível que aqueles que são expostos a níveis significativos sofram efeitos colaterais e ganhem menos peso que os não-expostos, embora a relevância clínica desse achado seja questionável.17

A possibilidade que a exposição a níveis significativos de antidepressivo cause alterações no desenvolvimento do sistema serotoninérgico que só venham a ser detectadas mais tarde é uma preocupação constante nas pesquisas. Clinicamente, uma possibilidade é utilizar apenas antidepressivos que tenham menor probabilidade de acumulação nos lactentes, como a sertralina e a paroxetina 18, 19 ,20.

Entre os antidepressivos tricíclicos, a nortriptilina seria uma alternativa; inexistem, contudo, ensaios clínicos randomizados que avaliem o uso de qualquer tricíclico no pós-parto e, como explicitado anteriormente, há indicações que os ISRS sejam mais úteis no tratamento de mulheres jovens 20,21.

A prioridade deve ser em tratar mulheres com Depressão pós parto,  já que é provável que a depressão tenha maior impacto sobre o desenvolvimento da criança do que exposição a antidepressivos através do leite materno 20,21,22.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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1- Acadêmicos de medicina da Universidade de Taubaté no ano de 2005.

2- Coordenadora da Disciplina de Psiquiatria do departamento de medicina da UNITAU.

 


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