Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

Agosto de 2010 - Vol.15 - Nº 8

Farmacoterapia

INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS EMPREGADAS NOS PRIMÓRDIOS DA PSIQUIATRIA BRASILEIRA – II

J. Romildo Bueno

         Continuamos nosso despretencioso périplo por documentos guardados no Museu do Instituto de Psiquiatria da UFRJ - IPUB – no que tange às intervenções terapêuticas d’antanho, englobando os trinta anos que antecederam a publicação do livro do Professor Henrique Roxo.

         Os primeiros registros de “prescrição médica”,  datadas e assinadas por um “alienista”,  ocorrem da virada do século XIX, antes dessa época existia uma “anotação” na ficha do paciente que tanto poderia resultar de ordem verbal passada por um médico e escrita pelo pessoal de enfermagem, como de anotação do médico presente, psiquiatra ou não.

A partir de 1895, os livros de registro de anamnéses de admissão na “Sessão Teixeira Brandão” do Hospício Nacional bem como as prescrições e a evolução do tratamento passaram a ser responsabilidade do “médico-alienista” que tratava o doente. As “urgências’ eram anotadas no livro de ocorrências do médico de plantão e que podia ser um clínico geral, dos plantonistas não se requeria a “especialização de “neuro-psychiatras”. Pelo teor do registro de ocorrências, tem-se a impressão que muitos eram  “tisiologistas” ... A “Sessão Teixeira Brandão” era parte do “Instituto de Psycopathologia” que representava o pavilhão de triagem de todo o Hospício Nacional e persiste até hoje como edifício-séde do IPUB.

         É interessante que apenas após a chegada de um político – Teixeira Brandão, primeiro “catedrático” de psiquiatria da então “capital federal” foi senador da República durante vários mandatos – é que os “registros”, os “prontuários” como os chamamos hoje, passaram a ser mantidos e arquivados e, surpreendentemente, em grafia bem legível e português escorreito.

         Os pacientes recém admitidos recebiam mais ou menos a mesma prescrição: bicarbonato de sódio, sulfato de magnésio, tintura de casca de laranja, purgativos variados, água de tília, brometo de potássio, extrato de tebaína e xarope de meimendro e o objetivo visado também era comum: “desintoxicar” o organismo e sedar o paciente. O sulfato de magnésio era o único que se usava por via venosa “por suas propriedades calmantes”.

         Digna de nota é a prescrição das “poções anti-epilépticas” que resultam da associação de brometo de potássio, beladona e tebaína: brometos como medicação anti-convulsivante é indicação pertinente; a beladona, usada por seus efeitos anti-espasmódicos e como “calmante” na vigência de hipercinesia já é algo estranho uma vez que, dependendo da dose, desencadeia convulsões e a tebainaou paramorfina – é francamente convulsivante. A análise dessa “poção” é tarefa difícil pois não há indicação das concentrações, das doses em que cada componente é empregado passando as impressão que essa intervenção medicamentosa ficava em um “caldeirão de Asterix” e que todos os envolvidos tinham pleno conhecimento de sua “milagrosa composição”.

         Outra prescrição freqüente é constituída pelas pílulas de Ricard  que aparece em diversas “situações diagnósticas” sem que haja qualquer especificação dobre seus componentes, fica-se sem saber se era um “tônico’ ou um laxante ...

         Já quando o paciente apresentava “exaltação psíquica” a prescrição era o cloral hidratado - enemas – e “papéis” de cânfora em pó ...

Vejamos algumas prescrições e os quadros clínicos em que eram empregadas:

         M.R.A., fem., 38 anos – Degeneração psíquica

Laxativo, brometo de potássio, hidrolato de alface (chá de alface frio), água de louro, Xarope de meimendro.

 

M.L.L., fem., 29 anos – Debilidade mental

Laxativo, julepo gomoso, extrato de valeriana, Xarope de hortelã, tintura de ópio.

 

A,J.C., masc., 26 anos – Alucinações visuais e auditivas

Laxativo, hifrolato de alface, brometo de potássio, xarope de belladonna.

 

A.V.S., masc., 26 anos – Delírio parcial de perseguição

Laxativo, brometo de sódio e potássio, pílulas de belladonna, extrato de meimendro.

 

F.M.C., fem., 28 anos – Depressão psíquica

Laxativo, tintura de ópio, xarope de éter.

 

R.R.G., masc., 40 anos – Mania

Purgativo, sulfato de sódio, injeções de morfina, brometo de sódio, tintura de belladonna.

 

Z.M.A., Fe., 25 anos – Histeria

Purgativo, valerianato de amônia.

 

J.S.R., masc., 14 a nos – Paralisia Geral

Purgativo, ergotina e digitálico, cloral hidratado, brometo de potássio.

 

J.M.G., masc., idade desconhecida – Abuso de bebidas alcoólicas

Laxativo, julepo gomoso, extrato de ópio.

 

M.A.P., masc., 21 anos – Neurastenia

Purgativo, poção de ópio com almíscar (Styrax glabratum).

 

Os exemplos acima foram retirados  da terceira página de cada dezena do registro de pacientes admitidos na “Sessão Teixeira Brandão” no “ano da graça de Nosso Senhor de 1902” ... e o fundamentos  da  terapêutica psiquiátrica eram os laxativos!!! E o almíscar – odorizante e aversivo -  talvez fosse um substituto do chá de tília com madeleines ...

Quando utilizamos o livro de registros de pacientes da década seguinte - 1912 – e selecionamos a oitava página de cada dezena esperando notáveis progressos, deparamo-nos com os seguintes exemplos de “diretrizes” de tratamento seguindo os diagnósticos da época:

 

PSICOSE PERIÓDICA

 

M.J.G.M. – masc., 29 anos;

F.F.R. – masc., 25 anos

L.P.masc. 49 anos

A.M.S. – fem., 35 anos

V.D.G. – masc., 23 anos

M.E.T -  fem., 28 anos

 

Esquema terapêutico proposto: LAXATIVOS, brometos, cloral hidratado, sedativos fitoterápicos, veronal, morfina, tintura de ópio.

Metade dos pacientes – 3 – recebeu balneoterapia como “reforço” dessa “guide-line

 

         DEMÊNCIA PRECOCE

                 

         J.B.O.C. – masc., 24 anos

         P.A.S.P.  -  masc., 25 anos

         V.C.F.     -  masc., 17 anos

 

         “Diretriz” para o tratamento: PURGATIVO, cápsulas de tireoidina, extrato ‘órgano-neuro-cerebral’ (opoterápicos), veronal, tintura de ópio, balneoterapia.

 

         HISTERIA

 

         M.C.N.  -  fem., 30 anos

         H.B.C.   -  fem., 50 anos

         M.S.       -  fem. 29 anos

         T.A.C.M.- fem., 25 anos

 

         Tratamento ‘padrão’: PURGATIVO, xarope de codeína, xarope de morfina, veronal.

 

         CONFUSÃO MENTAL

 

         M.A.C.  -  fem., 45 anos

         s/nome   -  masc., 25 (?) anos

         J.M.C.   -   masc., 58 anos

 

         Algoritimo” terapêutico pré-primeira guerra: PURGATIVO, excitantes do sistema nervoso central – cafeína, óleo canforado –, cloreto e iodeto de cálcio.

 

         CICLOTIMIA

 

         A.R.  -  masc., 21 anos

 

         Esquema terapêutico: PURGATIVO, opoterapia tireóidea, cloral hidratado.

 

         EXCITAÇÃO MANÍACA

 

         O.C.B.  masc., 32 anos

         M.E.E.A. – fem., 38 anos

 

         Tratamento: PURGATIVO, ópio (tintura, xarope), drágeas de cloral hidratado, veronal.

 

         PARALISIA GERAL PROGRESSIVA

 

         F.A.G.    masc., 44 anos

         L.A.P.  -   masc., 16 anos

        

         Tratamento: injeção de mercuriais, calomelano com salicilato de sódio, punção lombar (com finalidade curativa e não diagnóstica) ... não eram prescritos PURGATIVOS!

 

         Algumas curiosidades: histeria  era diagnóstico que só tinha mulheres como padecentes, demência precoce e paralisia geral progressiva incidiam mais no sexo masculino, mas a grande “categoria diagnóstica” eram as psicoses periódicas, uma forma de adoecer mental que situar-se-ia, em nossos dias, entre os “espectros” e os “border-liners”.

         Opoterapia, depressores do sistema nervoso central – incluindo o recém descoberto barbital (Veronal) – representavam o “progresso” e na ausência de outros metais pesados, os mercuriais eram a panacéia médica da época ... no mais, os purgativos continuavam absolutos nos esquemas terapêuticos propostos, empesteando o cheiro já acre das enfermarias dos asilos e hospícios (isso é, os doentes mentais eram “hóspedes” do governo federal já que as perspectivas terapêuticas continuavam em seus limites ineficientes).

         A grande novidade que se apresentava eram os “esquemas terapêuticos padronizados” de acordo com o “diagnóstico sindrômico” uma idéia precursora das “diretrizes”, “algorítimos” e “guide-lines” que se escudam na chamada “medicina baseada em evidências”, enfim, nada de novo sob este céu que nos protege ...

         E assim se passaram dez anos...

         Utilizando-se a sétima página de cada dezena, chegamos ao livro de registros de paciente de 1922 com um mundo saído de uma guerra que “não mais deveria se repetir” ...

         Guerras costumam trazer progressos, os sais de arsênio conhecidos como salvarsan e neosalvarsan apareceram entre 1913 e 1915 e, apesar da elevada toxicidade, injeções intramusculares ou sub-cutâneas destas substâncias eram eficazes contra os espiroquetas e geraram grandes esperanças no tratamento da paralisia geral progressiva.

         Poucas alterações ocorreram nos sistemas de classificação das doenças mentais, mas o diagnóstico de psicose maníaco-depressiva já era feito com alguma freqüência e a demência precoce transitava mais desenvolta fazendo par com a novata psicose de involução.

         Vamos aos exemplos.

 

         PSICOSE DE INVOLUÇÃO

 

         E. M.  -  fem., 40 anos (?)

 

         Tratamento proposto: cápsulas ovário-luteínicas, fenobarbital.

 

         PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA

 

         J.P.C.  -  masc., 35 anos

         N.S.P.  -  fem.,  17 anos

 

         Esquema “medicamentoso”: ópio, hioscina, “poção calmante”, fenobarbital, veronal.

 

         PARALÍSIA GERAL PROGRESSIVA  (estágio demencial)

 

         O.R.J.   -  fem., 31 anos

 

         Tratamento: cloral hidratado, óleo canforado, fenobarbital.

 

         ALCOOLISMO

 

         E.G.   -   masc., 32 anos

         P.S.    -   masc.,  42 anos

         L.S.N. -   masc., 36 anos

 

         Medicamentos propostos: sedativos ( inespecíficos), ópio, fenobarbital.

 

DEMÊNCIA PRECOCE

 

H.M.M.   -  masc., 19 anos

 

Tratamento: “sedativos”, soro hormonopluriglandular.

 

DELÍRIO EPISÓDICO

 

M.R.  -  fem., 33 anos

 

Esquema terapêutico: ópio, “sedativos”.

 

ESTADO ATÍPICO DE DEGENERAÇÃO

 

E.S.R.  fem., 10 anos (?)

 

Tratamento: fenobarbital.

 

HISTERIA

 

E.I.A.  -  fem., 21 anos

M.P.R.S.  -  fem., 22 anos

M.V.B.  masculino, sem informação de idade

Esquema terapêutico: valerianato de amônia, “poção calmante”, fenobarbital, PURGATIVO(!).

 

CONFUSÃO MENTAL

 

B.S.P.  -  masc., 54 anos

A.C.     -  fem., 58 anos

R.B.N.P.  -  masc., 18 anos

P.I.S.  -  masc., 26 anos

 

Tratamento: Sangria, óleo canforado, iodeto canforado, iodeto de sódio, injeção de ouro coloidal,  e a tão falada “poção calmante” que tinha a seguinte composição:

                                               Cloral hidratado ............... 2 g

                                               NaBr ................................. 5 g

                                               Sulfato de esparteina ....... 10 dg

                                               Julepo gomoso ................ 110 g

                                               Xarope de anis ................ 40 g

                                               Tomar 1 colher, das de sopa de 2/2 h

 

         Algumas curiosidades: aparecem os histéricos de sexo masculino, a psicose maníaco-depressiva e a de involução fazem seu “début”, a “confusão mental” aparece como diagnóstico mais freqüente e nesta rubrica repousam nossos “espectros” e “border-liners”, o alcoolismo começa a se destacar como “doença” e (quase) saem de cena os purgativos ...  

         Os próximos dez anos seriam já contemplados no livro de Henrique Roxo de que tratamos na primeira parte deste “vol d’oiseau” que empreendemos, de forma bem rasante, na história dos tratamentos psiquiátricos utilizados nesta muy leal, nobre e valerosa cidade de San Sebastião do Rio de Janeiro ...

         Comentários outros,  na próxima edição deste prestigioso jornal científico.

Costuma-se creditar, e por vezes com razão, à década de cinqüenta do século passado (!!!) a aurora da psicofarmacoterapia  -  com o significado de  início de tratamentos quimioterápicos das doenças mentais –  diferenciando-a dos chamados tratamentos biológicos. E antes dessa época? ... o quê se fazia além dos tratamentos biológicos?

            Até inícios de 1960, era “voz corrente” que a psiquiatria brasileira dividia-se em duas grandes correntes: 110 e 220 volts ...

            O que há de verdade nisso? Muito e quase nada ...

            Por esses tempos, muitas coisas eram feitas além da convulso terapia elétrica: choque cardiazólico, coma insulínico, choque úmido ( insulina combinada à eletroconvulsoterapia), método total (piretoterapia obtida com abcesso de fixação por injeção intramuscular de leite fervido combinado com choque insulínico e eletroconvulsoterapia), sonoterapia (sono profundo induzido pela combinação de barbituratos, escopolamina e anti-histamínicos. Houve uma versão mais moderna onde escopolamina foi  substituída por fenotiazínicos e os anti-histamínicos por benzodiazepínicos ...), auto-hemo-raque terapia ( sangue do próprio paciente colhido de forma antisséptica, punção lombar, retirada da quantidade em mililitros de liquor e injeção de volume correspondente de sangue) ...

            Eram inventivos nossos ancestrais (ou será nehandertais? ...).

            À primeira vista pode parecer que a psiquiatria punia os pacientes devido sua impotência  em tratá-los.  O fatalismo diagnóstico imperava em todos os quadrantes e as neuroses eram psicanalisadas enquanto as psicoses eram asiladas; ninguém queria ser psicótico ...

            A rigidez do modelo asfixiava qualquer tentativa de mudança e até mesmo a praxiterapia desenvolvida pelos estudos de Simon em 1928 mostrava-se carente de apoio: ora o paciente “produzia”, expressava-se com o recurso da arte, ora tudo era interrompido pelos sucessivos surtos da doença ou, como nos casos de “defeito esquizofrênico” a “produção” se estereotipava, repetindo ad infinitum o mesmo tema.

            Luiz Cerqueira , fundador e primeiro responsável pelo Serviço de Terapêutica Ocupacional – TO – do IPUB mantinha coleções de esculturas, pinturas, rendas, colchas de retalhos e outras criações de patchwork e, com eles demonstrava a evolução da doença e seus períodos inter-críticos e salientava que,  antes dos “neurolépticos” o “aspecto desagregado” das criações era progressivo, ocorria uma “ecopraxia das próprias criações”, o paciente se expressava monotematicamente; mas com a “cloropromazina” havia como que uma “interrupção” no processo inexorável de deterioração intelectivo-cognitiva causado pelas “psicoses” e as obras criadas, artísticas ou não,  ganhavam nova “vida”, novas formas, novas cores.

            A “coleção Luiz Cerqueira” apresentava essa vantagem: obras dos mesmos artistas antes e após o advento de anti-psicóticos e de anti-depressivos.

            E o que se fazia antes de 1950?

            A própria “sonoterapia” – terapia pelo sono profundo induzido – proposta por Kläsi em 1922 foi “modernizada” por Azima em meados da década de cinqüenta e passou a utilizar a clorpromazina.

            Entretanto, desde 1934 quando Henrique Roxo escreveu “Tratamento dos nervosos e psychophatas” a contribuição brasileira, empregando princípios ativos de diversas plantas medicinais – algumas oriundas da medicina folclórica – misturados com o que havia de progresso nos chamados “métodos biológicos” contribuiu para que a aventura terapêutica de ambos – médicos e pacientes – mudasse  de rumo, de norte e de prumo ...

            Claro está que as técnicas terapêuticas desenvolvidas por Roxo e colaboradores sempre estiveram calcadas nas diferentes influências “teóricas” por que passou a psiquiatria brasileira e é sobre isso, e de uma maneira informativa que nos dispomos a apresentá-las e, eventualmente discuti-las.

            O mencionado livro de Henrique Roxo utilizou a classificação de doenças mentais proposta e adotada pela Sociedade de Psychiatria, Neurologia e Medicina Legal  e, dest’arte os “tratamentos” propostos seguem os quadros descritos pela classificação.

            Para melhor estabelecer as relações entre classificação, tratamento e “resultados” recorremos aos arquivos do Instituto de Psychopatologia – atual  IPUB-UFRJ – e também àqueles da secção de triagem do Hospital Nacional de Alienados – inaugurado por Pedro II e que mais tarde abrigou a  Reitoria da Universidade do Brasil (atual UFRJ).

            Diante de tais prolegômenos, cabe-nos registrar a modéstia de nossa empreitada: não se trata de fazer história, simplesmente de recortá-la e divulgar fatos já embolorados pela amnésia crônica de brasileiros e brasileiras de quaisquer profissões e atividades ...

            Inicialmente há que se reconhecer o mérito pioneiro e o otimismo de Henrique Roxo no que tange ao “tratamento de nervosos e psychopatas” pois julgava terem suas formulações  poder curativo, no sentido médico da palavra: de uma forma ou doutra melhoraram muito o cuidado dispensados aos doentes mentais.

            Da análise de suas “fórmulas magistrais” indicadas para as condições clínicas descritas na classificação da sociedade  pode-se inferir as medidas terapêuticas antes da publicação de seu tratado. Em algumas formulações consta o nome comercial da substância cujo nome químico colocamos entre parênteses.

Tratamento  da confusão mental

Tipo estuporoso

sangria – 300 ml

injeção de soro glicosado

prata coloidal

vacinas polivalentes

cardiazol ( pentametilenotetrazol  usado como cardiotônico)

“choques” (com peptonas e iodopeptonas – não confundir com convulsões)

Purgativos

Forma astênica

injeção de ouro coloidal

cacodilatos (arsenicais)

glicerofosfato de sódio

extratos de supra-renal, de hipófise e de cérebro

injeções de insulina (para estimular o apetite...)

auto-hemoterapia

Observação: quando essa forma é devida ao bromismo, utiliza-se dieta abundante, líquidos e cloreto de sódio.

Forma alucinatória

valerianato de atropina

extrato de cimifuga racemosa, de lúpulo e de alface

extrato de mulungu

salicilato de sódio por via venosa

barbituratos e hioscina

Forma de delírio agudo

opoterapia cardíaca

insulinoterapia

vacinas polivalentes

soro glicosado com adrenalina

óleo canforado

luminal (fenobarbital)

O capítulo confusão mental é o que possui a maior quantidade de fórmulas magistrais, o que nos faz supor serem os estados confusionais os  maiores responsáveis pelas internações havidas em essa época...

Nota-se a influência marcante de escolas européias variadas: opoterapia, sais coloidais de ouro e de prata, cardiazol, vacinas polivalentes, arsenicais, salicilatos e já se insinuando alguns fitoterápicos, como os extratos de alface (Lactuca sativa), erva de São Cristovão (Cimifuga racemosa), mulungu (Erythrina mulungu). O objetivo desses extratos era a sedação e o uso de salicilatos , arsenicais e metais coloidais devia-se à crença que a “confusão mental” representava um quadro tóxico, por vezes infeccioso, o que justificava o emprego de pentametilenotetrazol (cardiazol) como cardiotônico, uma vez que as infecções debilitam o coração. Sangrias e purgativos  tinham o propósito de depurar o organismo e as iodopeptonas causam hipertermia. As fórmulas magistrais tinham o sentido de “cercar” as pretensas etiopatogenias pelos sete lados...

Psicose tireóidea

Com duas vertentes: o syndromo thyreoidiano e o syndromo neurovegetativo

tratamento radioterápico associado à solução de Lugol (iodoterapia)

geneserina [fava de Calabar(Physostigma venenosum) rica em fisostigmina)]

e pílulas com a seguinte composição:

Luminal (fenobarbital)                2 cg

Extrato de alface                          10 cg

Extrato de lúpulo                           a a

Tomar 4 cada dia

Trata-se de combinação original essa mistura de sedativos com um alcalóide a geneserina, parente da fisostigmina, parasimpaticomimético indireto cujo mecanismo de ação e á inibição da acetilcolinesteráse e a solução de Lugol, largamente utilizada no hipotireoidismo. Essa formulação peculiar deve representar um “sinal dos tempos”: ao bócio ou “papeira” creditava-se debilidade mental ... a radioterapia (Rx) cuidava de eliminar possíveis picos  de hipertireoidismo ...

Alcoolismo

apomorfina – ou outro vomitivo como o acetato de amônia ou a poaya (Cephelis ipecacuanha)

extrato fluido de café ou injeções de estricnina (estimulantes psíquicos)

extrato fluido de Capsicum annuum (pimentão)  na dose de 1g/dia

Observação: na psicose alcoólica subaguda utilizar simultaneamente extrato fluido de Capsicum annuum, beladona e Cimifuga racemosa ou Casimiroa edulis (sapoti branco). Além disso, preconiza-se  o extrato gomoso de ópio associado ao julepo gomoso (láudano de Sydeham)

Dantes como hoje, o alcoolismo põe a nu um deserto terapêutico, aversivos ou vomitivos; ópio ou benzodiazepínico, que diferença há ...

Tratamento da esquizofrenia

Iodeto de cálcio                                 5g

extrato de mulungu                          10g

dito de alface                                      a a

dito de lúpulo                                     a a

A  formulação magistral acima era explicada no texto que ressaltava suas excelências: o lúpulo como anafrodísiaco, o alface como anticenetopático, o mulungu como o melhor dos calmantes  e o iodo como renovador textrino e estimulante de trocas materiaes.

Parece que para além das trocas materiaes existia um latente perigo de intercâmbios sexuais representado pela necessidade de um anafrodisíaco nas pílulas.

Ao lado do exposto, relatam-se benefícios da opoterapia com extratos de cérebro e de timo, da malarioterapia, da auto-hemoterapia e da piretoterapia vaccinal. Outra indicação precisa, e reiterada,  é o tratamento pello trabalho e pellas distracções...

Como se vê, Roxo antecipou em décadas o que atualmente se propõe nos CAPs da vida, apenas com mais mestria e valorizando o trabalho médico.

In ilo tempore et nunc  as esquizofrenias não mereciam os cuidados terapêuticos que se dispensavam às confusões mentais e aos

“Delírios systematizados allucinatórios”  que excluem a paranóia e os syndromos paranóides. Esse diagnóstico, segundo o autor, engloba o delírio systematizado allucinatório chronico, o delírio episódico dos degenerados, a paraphrenia e alguns casos de demência precoce, delírio systematizado dos alcoólatras ... dos débeis mentais ... a forma delirante systematizada da psychose de involução ...

Como se vê, nessa rubrica – que mais se assemelha a um diagnóstico espectral - entra a grande maioria dos diagnósticos propostos pelas modernas classificações empregadas por psiquiatras.

O tratamento básico para tão extenso diagnóstico é o valerianato de atropina na dose de um quarto de miligrama por mililitro em injeções diárias e raro é o doente que se não cura em poucos dias ...

Ao lado dessa prescrição, utilizava-se o salicilato de sódio  venoso, a beladona, injeções venosas de arsenicais e a galvanização do cérebro com baixa e alta freqüência.

Em não se conhecendo a eletroconvulsoterapia, teria Henrique Roxo mais uma vez se adiantado ao propor como tratamento dos delírios systematizados allucinatórios algo como ‘uma’ estimulação magnética transcraniana ?!??!!

Para os delírios chronicos  Roxo recomenda uma receita magistral proposta por seu mestre e antecessor Teixeira Brandão:

Cimifuga racemosa                        2 g

Iodeto de potássio                         5 g

Cloral hidratado                             10 g

Xarope de belladona (sem especificação de dose, parece-me que existia tal preparação “padronizada” no Instituto de Psychopathologia)

Interessante notar que Roxo enfatizava que nestes casos crônicos não se deveria empregar o brometo uma vez que a intoxicação pelo bromo – bromismo – cursa com quadro delirante-alucinatório de fundo paranóide.

Tratamento da mania

purgativo

sulfato de sódio

injeções de morfina (10 mg por empola)

brometo de sódio (ad libitum)

tintura de beladona  (sem especificação quanto à concentração)

Eram indicadas outras medidas terapêuticas como “banho morno prolongado”, mas para manter os pacientes na banheira eram necessárias injeções de luminal (fenobarbital) ou de bromidrato de hyoscina e, quando necessário se lançava mão do somnifenio ( mistura de dietil- e dipropenil- barbiturato com dietilamina, primeiramente usada por Klaesi em 1922 para seu método de “Dauernarkose” ou terapia de sono profundo).

Eram contra indicados o ópio e quaisquer de seus derivados visto que o “remédio provoca uma dilatação dos vasos cerebrais” e assim “haveria uma agravação do estado congestivo que é freqüente na mania.”

Como manutenção propunha-se a associação de cloral ou brometos ao meimendro (hyosciamus Níger) e também à Cannabis indica. Como calmante era prescrito o mulungu na dose de 2 g diários. Quando o doente continuava “ ‘resistindo’, 5 g diários de paraldeido são de alguma ajuda “(apesar da halitose provocada pelo sonífero e assinalada por Roxo).

            Avançado o nosso mestre  Henrique Roxo que desde a primeira década do infante século XX já prescrevia Cannabis indica para o tratamento de manias resistentes ...

            Tratamento da melancolia

laxativo

tintura de ópio

xarope de éter

que se somavam ao tratamento básico constituído por cacodilina e extrato fluido de damiana (Turnera diffusa), até nossos dias considerado como ‘excelente afrodisíaco’. Como se nota, a perda de libido de pacientes deprimidos já era reconhecida e valorizada. Além destes medicamentos recomendava-se ainda o extrato fluido de coca.

Em outras palavras, cercava-se a constelação sintomática de melancólicos com psico-estimulantes, afrodisíacos e sedativos, algo como se misturar à bupropiona, os benzodiazepínicos e um dos inibidores duais de recaptura neuronal.

A escola de Roxo norteava a escolha terapêutica na inabalável crença de localismo cerebral: cada área desempenhava uma função, a “disfunção” era corrigida pela intervenção terapêutica ou como propõe Roxo: para cada sintoma haveria uma lesão cerebral correspondente e, em não a havendo,  a disfunção se  localizaria nas ‘funções hormonais tróficas’,  o que justifica o emprego da opoterapia – extratos de glândulas e de órgãos e que cujos métodos de extração e indicações clínicas foram sistematizados por Oliver & Schaffer na última década do século XIX.

O localismo cerebral defendido pelos neuropsiquiatras alemães foi mais tarde, bem além do princípio do prazer, denominado de Hirnmythologie = mitologia cerebral ...

 ... continua no próximo episódio ... sempre no mesmo canal ...


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