Volume 14 - 2009
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Dezembro de 2009 - Vol.14 - Nº 12

História da Psiquiatria

DESDE PINEL A JULIANO MOREIRA: os tratamentos do alienismo no Brasil

Carlos Francisco Almeida de Oliveira
Mestre em Ciências Médicas pela Unicamp

Samuel Robson Moreira Rêgo
Professor de Psiquiatria da Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

Trabalho apresentado no XXVII Congresso Brasileiro de Psiquiatria (São Paulo – SP, de 04 a 07 de Novembro de 2009) – Simpósio do Departamento de História da Psiquiatria da ABP.

 

PREÂMBULOS

 

Os Jesuítas, por uma política do Estado português, aportam no Brasil quase concomitantemente com o período do descobrimento.

O padre jesuíta Manuel da Nóbrega chega, por exemplo,  à Bahia em 1549. Antes de Nóbrega há relatos da presença de outros jesuítas que influenciaram a criação da Santa Casa de Misericórdia de Santos (aproximadamente em 1543).

 

“A origem histórica das Santas Casas remonta a 1498, quando Dona Leonor de Lancastre, viúva do Rei de Portugal, Dom João II, determinou a fundação da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa. A organização e o funcionamento das Santas Casas de Misericórdia foram uma das marcas mais fortes e permanentes da colonização portuguesa em todos os continentes que o país explorou e colonizou” (ARRUDA, 2009).

 

O trabalho de catequese dos jesuítas nas áreas da educação e da saúde no Brasil foi intenso deste então. Isso decorreu da necessidade crescente do processo de ocupação da colônia, política maior  do poder colonizador português.

 

Para HOLANDA et al. (1977), a medicina colonial brasileira no decorrer dos três primeiros séculos, a partir do descobrimento, teve essencialmente um cunho empírico de notória influência jesuítica. Esses padres possuíam um conhecimento médico superior ao da maioria dos profissionais da medicina que migraram para o Brasil nessa época. A produção médica científica inicia-se com o levantamento nosográfico, através das cartas dos jesuítas no primeiro século de existência do Brasil.

Temos uma diferença primeva em termos de assistência  médica entre o Brasil e a Europa, que seria um fator  diferencial nos séculos seguintes. Na Europa, vivia-se sob a égide da inquisição e, por conseguinte, a assistência médica era disputada por médicos e pelo clero, das ordens dominicanas e beneditinas. No Brasil, os jesuítas, escanteados  para as colônias, imprimem uma aliança com a medicina que vai perdurar  mesmo depois da sua expulsão de terras brasileiras nas  reformas pombalinas no Século XVIII. Os jesuítas tinham  cultura  muito erudita  e o seu saber medicinal suplantava o dos médicos que viriam para o Brasil, até o século adjacente. (OLIVEIRA et al. 2007)

“Os jesuítas haviam  absorvido  dos indígenas  o  uso das plantas medicinais, sendo também os grandes responsáveis até então pelos mapas nosográficos que  incluíam  até  mesmo  as  doenças  de  origem africanas.  Este  saber  e  prática,  longe  de  serem  rejeitados  pela medicina oficial, foram, na verdade, incorporados à bibliografia e ao receituário acadêmico”(HOLANDA et al.1977).

Há fortes indícios de que o padre José de Anchieta, outro jesuíta pioneiro que dividiu seu tempo na colônia entre as capitanias da Bahia, São Vicente e Rio de Janeiro teve participação decisiva na fundação da Santa Casa de Misericórdia de Rio de Janeiro aproximadamente em 1582 (NAVARRO, 1997).

Os jesuítas, elite intelectual do clero nessa época como já referenciado, eram exímios estudiosos, pesquisadores, classificadores naturalistas e, sobretudo com os índios e com a população mais pobre exerceram a arte médica de “curar”. Até a sua expulsão do Brasil, em 1757, pelo Marquês de Pombal.

Trezentos anos de estudos e tratamentos na saúde não podem ter passado em vão. Mas, os alienistas brasileiros no Século XIX não citam qualquer referência aos “remédios” provavelmente receitados pelos jesuítas nas doenças mentais.

 

OS TRATAMENTOS DO ALIENISMO EM THESES BRASILEIRAS NO SÉCULO XIX

A)    CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE A ALIENAÇÃO  MENTAL

( Antônio Luis da Silva Peixoto – Faculdade Medicina do Rio de Janeiro, 1837)

 

 

Na These de Antônio Luiz da Silva Peixoto, formando da primeira turma da Faculdade de medicina do Rio de Janeiro, intitulada “ Considerações Geraes Sobre a Alienação Mental”, sustenta-se a primeira ponta do novelo desse processo terapêutico incorporado a partir de Pinel.

No seu trabalho, Antônio Peixoto referencia uma adequada evolução histórica dos tratamentos do alienismo no Brasil desde o início do Século XIX  até 1837, ano de conclusão do seu Curso de Medicina.

Antônio Peixoto faz uma distinção apropriada entre o “Tratamento Moral”, ou seja, todo aquele que não se inseria no campo da organicidade e a “therapeutica” propriamente dita, assim como os alienistas de então se referiam aos tratamentos farmacoterápicos, biológicos e físicos dos doentes mentais.

Antônio Peixoto entende que embora a maioria dos autores já considerasse os tratamentos do início do século como superados, tais com as sangrias e os laxantes, os métodos terapêuticos pinelianos ainda se faziam úteis desde que respeitadas as dosagens individualizadas, já revelando assim uma preocupação com a massificação dos tratamentos do alienismo.

 

Para curar a alienação mental, o médico põe em pratica dous meios de tratamento: hum consiste obrar directamente sobre o cerebro, isto he, modifcar o orgão pelo exercício mesmo de suas funcções; he este tratamento chamado intellectual ou moral; o outro obra indirectamente, e he fornecido pela therapeutica, he este o tratamento physico ou medico propriamente dito (Antonio Peixoto - RJ, 1837).

 

Em mais uma defesa da medicina mental de Pinel e Esquirol, Antônio Peixoto faz uma apologia da “Medicina Expectante” alicerçada na clínica da observação, estabelecendo em contrapartida que o excesso intervencionista, existente na “Santa Casa de Misericórdia” do Rio de Janeiro, direcionado pelo seu Médico Provedor (Dr. de Simoni) poderia se tornar mais prejudicial do que benéfico já que instituído sem a devida consistência científica, baseada na atenção clínica criteriosa. De qualquer modo, Antônio Peixoto substancia a “therapeutica” posta em prática pelo Dr. de Simoni como uma referência básica e necessária para a compreensão da psicofarmacoterapia da época.

Para o autor, nenhum tratamento mental poderia chegar à bom termo, sem que as condições mínimas de garantia de humanidade estivessem presentes, fora dessa condição qualquer tratamento com quaisquer fármacos seria absolutamente inócuo. Para tanto, infere que para o bom êxito de um tratamento em uma “Casa de Alienados” são de fundamental importância: a arquitetura; a localização geográfica e o cuidado na escola dos dirigentes da instituição.

 

 Alguns medicos têem aconselhado a medicina expectante ... Das therapeuticas que o Sr. Dr. de-Simoni, médico da enfermaria do hospital da Misericordia desta côrte tem posto em pratica com mais vantagem: sangrias; agua; vomitivos; evacuantes e purgativos (elléboro, gomma gata, bryonia, aloés, muriato de mercúrio, tartrato antimoniado de potassa e as aguas mineraes purgativas, canfora, digitalis, quina, musgo, ferro, antimonio e mercúrio) ...  Hoje a experiencia mostra que a doçura he mais poderosa que os ferros e o azorrague. No hospital da Misericórdia é o que  enfermeiros ignorantes empregão nos alienados  (Antonio Peixoto - RJ, 1837).

 

B)    CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE A SYPHILIS

( Domiciano da Costa Moreira – Faculdade Medicina do Rio de Janeiro, 1839)

 

 

Essa These de 1839 é bem ilustrativa nos seguintes pontos:

 

1)         Pode-se afirmar que a sífilis está para o alienismo assim como a histeria está para a psicanálise. Durante todo o Século XIX tornou-se uma “questão de honra” se isolar o “Syphilo-Morborum”, tendo sido a sífilis o tema que com maior freqüência  aparece nas Theses brasileiras no período, trazendo consigo todo o espectro enigmático, (Moral) e (Orgânico), de uma Nevrose.

              Cabe um detalhamento acerca do termo Nevrose: é possível, mas não   absolutamente certo, que os alienistas de então pronunciassem a palavra como “Neurose” e apenas tenham mantido, por uma declinação histórica, a grafia com “V”. As letras “J” e “U” só foram incluídas no alfabeto latino no Século XVI por Pierre de La Ramée (humanista francês), daí então serem chamadas de “Letras Ramírias” (a célebre inscrição “INRI” na cruz de Jesus Cristo se escrevia: “ IESVS NAZARENVS REX  IVDAEORVN" (EULÁLIO, 2009).

 

O virus sifilitico considerado por muitos medicos como a causa principal da syphilis, he, segundo Mr. Rochou, hum liquido particular, que possue eminentimente a faculdade de transmitir-se por contagio (Domiciano da Costa Moreira - RJ, 1839).

 

 

2)         Pode-se tentar deduzir pelas discussões therapeuticas (a psicofarmacoterapia da época) contidas em trabalhos como o de Moreira que referencia o uso do mercúrio na cura sifilítica, que os medicamentos eram trazidos em matéria prima ou tintura-mãe da Europa e manipulados em boticas na corte. Talvez por esse mais fácil acesso aos fármacos, as Theses   do Século XIX na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tenham um pendor mais organicista enquanto as Theses contemporâneas da Faculdade de Medicina da Bahia, um direcionamento mais mentalista ou filosófico.

 

Sudorificos, diureticos, purgativos, forão os primeiros empregados; porem depois, quando se considerou a syphilis como devida a hum virus, todos os esforços dos medicos dirigirão-se para neutralisação ou decomposição deste virus em diversas preparações mercuriaes  (Domiciano da Costa Moreira - RJ, 1839).

 

C)     DISSERTAÇÃO SOBRE O ÓPIO

( Luiz Antônio Chaves – Faculdade Medicina do Rio de Janeiro, 1839)

 

Para exemplificar a atualidade da These de Luiz Antônio Chaves “O Ópio”, defendida perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1839, bastam duas citações atuais e perfeitamente passíveis de comparação com as descrições desse autor:

 

Na primeira citação: tendo como fonte o site do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas) da UNIFESP, relaciona-se:

 

“Para se ter uma idéia de como os médicos temem os efeitos tóxicos destas drogas (opiáceas ou opióides), basta dizer que eles relutam muito em receitar a morfina (um derivado natural do ópio) e outros narcóticos para cancerosos, que geralmente tem dores extremamente fortes”.

 

A These de Luiz Chaves, com certeza a primeira a versar precipuamente sobre a “therapeutica”  já explicitava a preocupação com a adulteração do extrato do ópio, um medicamento já reconhecido como extremamente útil e potencialmente letal.

 

A careza do opio e a ambição dos comerciantes ‘boticcarios’ obrigão a falsificar este medicamento com extratos de outras plantas.  De todos os medicamentos narcoticos, o opio é o mais energico... com propriedades vitaes do cerebro e dos nervos, orgãos de extrema importancia na economia animal. Os narcoticos deverião se fazer a base da medicina que deve ser voltada principalmente contra a dor... o opio é o melhor calmante que a natureza nos offertou.  A propriedade estimulante do opio não é mais senão um resultado simples da reacção das forças vitaes.  O paciente esquece as dores e dorme calmo e tranquilamente  (Luiz Antônio Chaves - RJ, 1839). 

 

Em uma segunda citação, destacou-se da bula do medicamento dolantina (meperidina) do laboratório Sanofi-Aventis no tocante às superdosagens desse  opióide:

 

“Nos casos de superdosagem, os sintomas mais frequentes são distúrbios visuais, boca seca, taquicardia, vertigem, midríase, hipertermia, tremor muscular, depressão respiratória(tez azulada), anestesia e perda repentina da consciência”.

 

A farmacocinética e a farmacodinâmica do ópio relatadas na These de Luiz Chaves, com seu efeito potente e indireto sobre as dores, se assemelha bastante às descrições atuais.

 

NARCOTISMO – entorpecimento geral com peso na cabeça, modorra, somnolencia, vertigens, soluços, nauseas, vomitos, cardialgia, uma sorte de embriaguez, delirio, pupillas dilatadas de uma maneira notavel, movimentos convulsivos em alguma parte do corpo, suores frios. Um estado  apopletico vem substituir a todos estes fenomenos com pulso pequeno, podendo chegar a morte.

O opio suspende momentaneamente a actividade cerebral, e sua acção ordinaria... que dà vida e acção ás outras viceras. A faculdade de perceber a dor se acha diminuida pela inercia do cerebro (Luiz Antônio Chaves - RJ, 1839).

 

D)  CONSIDERAÇÕES  MÉDICO – PHILOSOPHICAS  SOBRE A INFLUENCIA

DO ESTADO MORAL NA PRODUCÇÃO, MARCHA E TRATAMENTO DAS MOLÉSTIAS E COMO CONTRA-INDICAÇÃO ÀS OPERAÇÕES CIRÚRGICAS

(Ernesto Frederico Pires de Figueiredo Camargo – RJ, 1845)

 

Em These de 1845, Ernesto Camargo discute com maior profundidade o outro vetor, além da “Therapeutica”, do tratamento das doenças mentais no Século XIX, o “Tratamento Moral”. É importante ressaltar que o tratamento moral não permaneceu estanque, tal qual o descrito por Pinel e Esquirol, ele foi se aperfeiçoando e se moldando às conveniências de cada alienista e, sobretudo no Brasil, às precárias condições asilares. Cabe destacar neste trabalho a afirmação, não corrente até então, de que as paixões por si são benéficas para a saúde mental, sendo funesto somente o seu descontrole. Além disso, Ernesto Camargo propõe uma elaboração das paixões, já invertendo a ordem pineliana para quem o “Tratamento Moral” era precípuo. Aqui, o “Tratamento Moral” se daria após as tentativas psicofarmacoterápicas não haverem tido sucesso.

 

Paixões para nós sam as diversas commoções que levantam-se na alma humana, e que se renovam e variam sucessivamente. Em si boas e só transcendendo os terminos vedados pela rasão, sam funestas. Compativeis com a saude em quanto regradas, a pertubam quando desordenadas em seos alvoroços. ( amor, ciume, inveja, odio, colera, alegria, tristesa, dissabores, medo)

...

     O nosso fito vae alem de indicar o estado moral como causa de molestias, ou grave complicação das mesmas; resta-nos  ainda estudar os meios de combattel-o, e desdobral-o para os curativos dos males d’elle provenientes. A medicina lhe deve curas inesperadas d’affecções, contra as quaes os meios therapeuticos tenham soçobrados (Ernesto Frederico Pires de Figueiredo Camargo – RJ, 1845).

 

Evidencia-se a sofisticação na These de Ernesto Camargo, com a atenção dada à importância do estado mental em períodos pré-operatórios, abordando não somente a situação dos pacientes, mas também orientando condutas para os cirurgiões. Outra abordagem importante, diz respeito à possível associação entre o tratamento médico-alienístico com a cultura religiosa dos doentes.

 

 A constituição san, e robusta do doente, que vai ser  operado, não sam os sós condimentos indispensaveis para nossa decisão; devemos de parceria ter em muita conta as boas disposições de seo estado moral; e o operador deve saber obrar ou retardar em mira á situação tranquilla, ou alvoroçada do seu enfermo.

...

Uma familia religiosa, o doente entrado dos mesmos sentimentos conhece a gravidade do seo mal, e a inefficacia da cura. Pede á religião soccorros e consolações, que a medicina não lhe pode offerecer...Temos a obrigação de espargir flores na fragosa extremidade da senda, que o homem discorre na romagem da vida, de cercar com doces ilusões seos ultimos instantes para cerceial-o ao pensamento de sua destruição próxima (Ernesto Frederico Pires de Figueiredo Camargo – RJ, 1845).

 

E) DO DIAGNOSTICO E TRATAMENTO DAS DIVERSAS MANIFESTAÇÕES

DO HYSTERISMO E DA EPILEPSIA

( Antonio Romualdo Monteiro Manso- RJ, 1874)

 

Em These concluída na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1874, Antônio Manso cita o Bromureto de Potássio ( usado no Brasil desde 1865 ) como um polimedicamento assim como também o Hidrato de Cloral. O Bromureto de Potássio teve muito prestígio entre os alienistas brasileiros do Século XIX.  

Para exemplificar melhor, temos na These “Das indicações e contra-indicações do bromureto de potassio no tratamento das molestias nervosas”, defendida  na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1873, na qual o médico mineiro Paulino José Gomes da Costa descreve a ação geral desse fármaco como ação sedativa e hipostenizante sobre todo o sistema nervoso. Como possíveis efeitos colaterais são relacionados: “fraqueza nos joelhos; dificuldade para se ter de pé; titubeamentos a cada passo como se estivessem embriagados; impotência; sensibilidades reflexas geral e especial extintas; a vista, o ouvido e o gosto são quase abolidos; a expressão da face torna-se estúpida; alucinações dos sentidos, com ou sem mania; ‘astenia cerebral e paralisia’ (essa síndrome especificamente chamada de bromismo ).”

No tocante ao estudo da “História da Epilepsia” a historiadora da PUC-RJ, Margarida de Souza Neves, explica a origem do termo “Mal Caduco” pela associação preconceituosa, na historiografia médica, entre as crises epilépticas e o status senil.  

 

O bromureto de potassio, que tanta esperança vem dar ao medicos em relação á epilepsia, não deixa de gozar de reputação therapeutica contra a hysteria... Na casa de saude do Dr. Eiras, á rua d’olinda em botafogo, desde que somos internos, observamos dous casos de hystero-mania, em que o bromureto de potasssio produzio excellentes resultados de mistura com o chloral hydratado.

           O meio de tratamento geralmente seguido modernamente é por certo a hydro-therapia... quando todos esses meios falharem, até mesmo a electricidade...a revolução que se póde desenvolver no organismo é debaixo da influencia moral...orações appelando-se para as emoções da alma, etc.

           A canphora, o ether, valeriana e a belladona tem sidos considerados como capaz de curar alguns casos de epilepsia (essa nevrose). ( Antonio Manso- RJ, 1874)

 

F) ETIOLOGIA DA SYPHILIS MALIGNA PRECOCE

(Juliano Moreira - BA, 1891)

 

 Em sua These de 1891, na Faculdade de Medicina da Bahia, Juliano Moreira revela vasta erudição. A These de Juliano é diferenciada. Ele busca apresentar dados clínicos e estatísticos, para dar sustentação aos seus escritos. Na These de Juliano Moreira há, por exemplo, a citação de um jesuíta (no tocante à busca incessante pelo micróbio da sífilis).

O Treponema pallidum, só viria a ser isolado em 1905 em Berlim, pelo zoologista alemão Fritz Schaudinn, acompanhado pelo dermatologista, também alemão, Paul Hoffmann. Mas, Juliano Moreira já afirmava que mesmo sem o conhecimento do “Syphilo-Micróbio”, era possível pelas pesquisas dos microbiologistas e pela analogia clínica, determinar que se tratava de uma “bactéria” e que a doença era dependente do “número de bactérias no conjunto mórbido”.

 Juliano Moreira define-se, então, como um “Higienista”, um médico psiquiatra atento às alterações mentais na sífilis e, sobretudo, à sua prevenção. Nesse processo obsessivo que depois evoluiria até à eugenia, chega a cometer deslizes como a ênfase à citação preconceituosa (anti-judaica) de Paracelso (Século XVI).

Faz-se, por uma questão de justiça científica, afirmar-se a necessidade da contextualização histórica do pensamento de um “jovem médico” e a oportuna observação de que Juliano, mesmo sendo um dos influenciadores da criação da “Liga Brasileira de Higiene Mental” (LBHM) pelo médico psiquiatra gaúcho Gustavo Riedel em 1923, sempre se apoiou na higiene e na eugenia como formas preventivas, como compreendidas no início do século XX. As distorções racistas desse movimento provocariam o seu afastamento assim como o de Gustavo Riedel, um discípulo seu, já em 1925.

 

De facto desde aquelles que, de acordo com o jesuita allemão Athanase Kircher, precusores da theoria micro-parasitaria, admittiam que a syphilis tinha por causa pequenos parasitas.

...

Paracelso relata; desde a creação do mundo nunca viu-se uma luxuria maior... que observou-se no homem este genero de mal (o morbus gallicus). A entrada na Itália dos judeos expellidos da Espanha – Maranus (Porcos) – não fez mais do que propagar em Roma um conjunto de molestias... em que representava sem duvida papel saliente a syphilis malignizada pelo escorbuto e etc. (Juliano Moreira - BA, 1891)

 

É valioso enfatizar o cuidado científico de Juliano Moreira em ampliar e provar suas afirmações científicas.

  Como exemplificação temos na These de Juliano uma preocupação “therapeutica”, não somente quanto ao uso precoce dos agentes mercuriais, como também a atenção dada à “therapeutica” das co-morbidades que evoluíam junto com a sífilis (alcoolismo; impaludismo; escrofulo-tuberculose; escorbuto;herpes; idades extremas e doenças ligadas ao clima).

 Faz um apanhado das descrições de diversos autores acerca de países com temperaturas semelhantes e afere que a sífilis não é uma doença climático-dependente, mas sim uma afecção mais diretamente relacionada com as questões da cultura moral.

Quanto às raças, autoriza-se a sustentar pela sua própria experiência clínica que a evolução sifilítica em nada difere quer seja na raça branca ou negra.

 

A syphilis é benigna na Islandia porque os seus habitantes teem costumes correctos e regularisados; o alcoolismo é rarissimo nessa ilha, não é nublada pela erva da corrupção, faltam casas de prostituição. Na Scandinavia, actual reino sueco-norueguez, a syphilis é frequente e grave.

...

Admira-me pois que o Dr. Christiano Braune, doutorado em 1885 na faculdade do Rio de Janeiro, assim se manifeste: ‘os factos tendem a demonstrar que a syphilis na raça negra afasta-se bastante do tipo normal, acentuando-se as manifestações.’ Desde que frequento a clinica hospitalar (1888) auctoriso-me a dizer: a maior ou menor pigmentação tegumentar não pode sombrear o prognostico da syphilis. (Juliano Moreira- BA, 1891).

 

CONCLUSÕES

 

Desse processo de evolução dos tratamentos do alienismo no brasil, destacam-se quatro momentos:

 

1)           Acerca do “Tratamento Moral”, cientificamente o primeiro empregado para as alienações mentais, o professor Táki Cordás em seu livro “Depressão: da bile negra aos neurotransmissores” afirma:

 

          “Pinel,  nunca  definiu  exatamente  as  técnicas  do que constituia o ‘tratamento    moral’ , talvez por isso haja confusão e incerteza na literatura.       

            Outro fator é o entendimento incorreto do termo moral, como algo que se relacione com a ética ou com uma adequação dos costumes, seu uso significava apenas a oposição a métodos físicos e podia ser traduzido puramente por ‘psicológico’. Talvez o melhor fosse dizer psicoterapia ou uma forma dela.”

 

     Sobre essa proposição, considera-se: Pinel não propôs um “Método” e sim uma “Estratégia Terapêutica” que se aproximasse da humanização, apesar das pesadas críticas de Foucault que chega a adjetivar Pinel como um “Torturador Moral”(moral aqui já entendida como efetivamente e etimologicamente no termo originado do latim “Mórus” como costume, cultura, etc.).

     Outro ponto que reforça o pensamento de Philippe Pinel na “Estratégia Terapêutica” do “Tratamento Moral” é que no seu tratado são apresentados primordialmente casos clínicos que denotam claramente a preocupação com a individualização na prática clínica, o que afasta a concepção do “Tratamento Moral” como uma técnica limitadamente entendida como psicoterápica. Ele (o tratamento moral) também era sócioterápico, culturoterápico, jurídicoterápico (com todas as permissões dos neologismos) etc.

 

2)           Ao iniciar essa pesquisa enfocando os tratamentos do alienismo brasileiro, estabelecia-se uma hipótese que não se configurou após o levantamento inicial dos tratamentos do alienismo nas Theses dos autores brasileiros no Século XIX. Inferiu-se que os jesuítas, desde o aportamento no Brasil no Século XVI, haviam aprendido com os índios técnicas e remédios nativos para o tratamento dos distúrbios mentais.

     Mas, o magnífico livro de Von Martius “Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros” de 1844, desfaz esse mito. Exceção feita ao “guaraná”, descrito em 1669, no Pará, pelo padre jesuíta João Felipe Bettendorf como uma fruta, que após um processamento artesanal era usada pela tribo” Sateré-Mawé” como um estimulante (um anti-depressivo da época).  Karl Von Martius, aprofundou os estudos químicos das sementes do guaraná, isolando uma substância que batizou de guaranina (cafeína ligada a polifenóis ‘taninos’). Von Martius, veio para o Brasil na comitiva austríaca de dona Leopoldina (esposa de Dom Pedro I), era médico, botânico e antropólogo e passou cerca de dez meses na região norte do Brasil.     

       O que temos no texto de Von Martius, é a absorção majoritária, pelos indígenas, do tratamento religioso catequisado pelos padres jesuítas às alienações mentais, como observa-se em seu livro de 1844:

 

Os  selvagens brasileiros rarissimamente são sujeitos as doenças mentais. suas idéias apáticas, mania melancólica, inteligência circunscrita, em relação a tudo que diz respeito à mais alta e requintada vida espiritual, explica porque lhes são estranhas as alienações da psique, que entre nós provêm das extremadas emoções e das imaginações mórbidas ... quase não existe paixão que possa levar o índio a um desarranjo mental.

Os índios  acreditam  que  a  feitiçaria  seja  causadora  disto.  Os missionários consideram sempre necessário separar logo os doentes da sociedade, para que o mal não se alastre.

 

 

3)          A percepção de Antônio Peixoto em 1837, numa ponta do novelo desse processo, de que o “Tratamento Moral” como havia sido proposto por Pinel não havia sido implantado na ala dos alienados da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, pela absoluta falta de um mínimo de consistência científica de médicos e enfermeiros na atenção aos doentes mentais.

 

Não podemos concordar com o meio de repressão adoptado pelo Sr.Dr. de Simoni em fazer metter os doudos  no tronco... Isso os exaspera... Apesar do desarranjo de suas faculdades intellectuaes, elles têem a consciencia de si e do que os cerca”.

         

4)           Na outra ponta desse mesmo novelo, a constatação feita pelos professores Ana Oda e Paulo Dalgalarrondo na tradução para o português, em 2007, do “Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania” de Pinel, ressaltando a declaração do Dr. Juliano Moreira sobre a ausência do uso dos “Livros de Registro” dos doentes como instrumento clínico ,um dos pilares do “Tratamento Moral” de Pinel e Esquirol..

 

...o Hospício Pedro II, foi construído de acordo com o molde francês, inclusive em seus estatutos de funcionamento, inspirados na Lei francesa de 1838. Os livros de registro dos doentes foram impressos segundo o modelo francês; entretanto, jamais foram usados, como lamenta Juliano Moreira; fato que nos parece esclarecedor do caráter apenas nominal, ou discursivo, desta filiação do Pedro II ao hospício pineliano

 

 

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

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