Grandes Psiquiatras Brasileiros

 

Manoel Antonio Albuquerque (1927 -)

                                                              Walmor J. Piccinini

 

 

 

 

Casal de Psiquiatras, Iracema e Manoel Albuquerque em suas bodas de ouro.

 

      A história é construída por pessoas que influem ou influíram no seu curso, alguns com um trabalho anônimo, outros com presença marcante. Se formos examinar a história da psiquiatria brasileira nos últimos 50 anos, um personagem merece nossa atenção e admiração. Trata-se do Professor Manoel Antonio Pitta Pinheiro de Albuquerque. Homem múltiplo, participou de todos os momentos importantes da psiquiatria gaúcha e brasileira e foi fundamental para a criação da Associação Brasileira de Psiquiatria.

 

Notas Biográficas

 

       Manoel nasceu em Porto Alegre em 7 de dezembro de 1927, foi o primeiro dos 4 filhos do Desembargador Coriolano Albuquerque (Juiz de Direito em Santo Antonio, Taquara, Viamão e Cachoeira do Sul e Desembargador em Porto Alegre)  e Zaíra Pitta Pinheiro de Albuquerque. Seu avô, por parte de mãe, foi o Dr. João Pitta Pinheiro que muito influenciou na escolha da carreira médica por parte do seu neto. Seu avô era cultor do positivismo, estudioso de filosofia e, depois que se aposentou passava muito tempo conversando descontraidamente com os netos.  Manoel comenta que o avô, alem da prática da pediatria, foi o fundador do Gabinete de Neuropsiquiatria Infantil no Asilo São Joaquim, hoje pertencente à FASE.  Da avó herdou a simpatia e o cultivo do bom relacionamento com pessoas, certamente ela tinha o que transmitir, pois teve 76 afilhados de batismo e era a responsável em cultivar os relacionamentos familiares e sociais.

      Manoel Albuquerque concluiu o curso de medicina em 1951 e naquele ano, ainda doutorando,casou-se com Iracema Campos de Albuquerque, com quem convive há 58 anos e partilha até hoje consultório de psiquiatria. Tiveram 3 filhos, Diane M. Campos de Albuquerque, psiquiatra, que lhe deu três netos e um bisneto; Galton Campos de Albuquerque. Médico clínico e professor da UFRGS, com mais um neto e Liana Albuquerque Kalil, psicóloga, casada com Jorge Elias Kalil Filho, professor titular da Faculdade de Medicina da USP, com 2 filhos.

      Alfabetizou-se com a mãe, cursou o primário em diferentes cidades do interior do Rio Grande do Sul devido às mudanças que a condição do pai, com juiz de direito, tinha que fazer. O ginásio começou em Cachoeira do Sul e foi concluído em Porto Alegre. O primário foi em escola pública e o seguimento em Colégio Marista. Cursou Medicina na UFRGS..

Como estudante universitário chegou à presidência da União Estadual de Estudantes e liderança da bancada gaucha no congresso da UNE em 1949. Sócio Benemérito do Centro Acadêmico Sarmento Leite (1951). Representando a “Ala Moça”, integrou o Diretório Nacional do Partido Libertador (1948).

Em depoimento pessoal, Manoel A. Albuquerque nos fala um pouco da sua atuação na política estudantil: “Cheguei a presidir a União Estadual de Estudantes e liderar a bancada gaúcha no Congresso da Une nos tempos de perseguição policial. Durante o Congresso tivemos alguns episódios interessantes. O primeiro foi quando os líderes maiores da União democrática nacional, UDN, Prado Kelly e Aliomar Baleeiro, sabendo que a bancada gaúcha era liderada por integrante do Partido Libertador e que tinha grandes possibilidades de derrotar os comunistas na UNE, pela primeira vez, nos convocaram: Athos Carneiro e eu, para discutirmos o futuro da entidade. Depois de discursos inflamados, ficamos, Athos e eu nos empurrando para saber qual responderia. O ônus da liderança me obrigou a dizer ao Senador e ao Deputado que estávamos combatendo, não aos comunistas, mas aos políticos na UNE e que, se vencêssemos os candidatos comunistas, certamente não aceitaríamos um udenista, porque pretendíamos livrar a maior entidade nacional de estudantes do desperdício de trabalho com políticas partidárias. O que nossa chapa pretendia era discutir a reforma do ensino e a melhoria da qualidade da formação universitária no Brasil. Eles se decepcionaram, mas acabamos vencendo. No decorrer do mesmo congresso apresentamos emenda aos estatutos, propondo o regime parlamentarista, mas não obtendo aprovação na UNE, nem mais tarde na UEE, conseguimos que efetivamente fosse adotado no CASL (Centro Acadêmico Sarmento Leite da medicina da UFRGS).

No quarto ano de Medicina resolveu deixar de lado a política estudantil e se dedicar aos estudos.

Chegou a aventurar-se na política e foi candidato a deputado estadual, felizmente para a Medicina, não foi eleito, ficou como suplente.

Formado e já casado, foi trabalhar no interior, em Catuipe, onde conseguiu recursos para ir estudar em Buenos Aires, na época, centro médico de excelência. Especializou-se em Neurologia infantil na Universidade de Buenos Aires, com Florêncio Escardó.    

Voltando a Porto Alegre passou a trabalhar na 14ª. Enfermaria de Neurologia e na clínica privada do Prof. Celso Aquino. O professor Celso Aquino tinha uma grande clínica e era procurado não só para atender casos neurológicos, mas também casos psiquiátricos que passava ao seu jovem colega. Veio dessa experiência o primeiro contato com a psiquiatria e na qual se especializou. Passando a exercer a Clínica Psiquiátrica, estagiou no Hospital São Pedro (1953). Em 1954 foi aprovado em concurso para Médico Psiquiatra Forense do Estado e mais tarde tornou-se Diretor do IPF (1963-67).

Na UFRGS começou como Auxiliar de Ensino (em 1959), Instrutor, Assistente e Professor Adjunto. Participou da Congregação da Faculdade de Medicina, como presidente da Associação dos Instrutores, Assistentes e Professores Adjuntos; Coordenador da Comissão de Carreira do Curso de Medicina (COMCARDMED); membro da Câmara de Ciências Biológicas e titular do Conselho de Orientação do Ensino e da Pesquisa (COCEP), por 4 anos. Integrou também a Comissão Permanente de Seleção de Alunos (COPESA). Foi o primeiro professor titular no Brasil de Psicologia Jurídica em Faculdade de Direito, na Unisinos.

Quando Mário Martins e José Lemmertz iniciaram a formação psicanalítica em Porto Alegre, aderiu com entusiasmo à idéia e tornou-se um dos fundadores do Centro de Estudos Psicanalíticos. Pertenceu a segunda turma em formação analítica, cujos membros eram os doutores Luis Carlos Meneghini, Sérgio Annes, Fernando Guedes e Leão Knijnik. Da primeira turma faziam parte os doutores Paulo Guedes, Gunther Würth, José de Barros Falcão e David Zimmermann. Aqui teve sua primeira grande frustração pessoal, pois após 11 anos de análise didática com Mário Martins, seminários e supervisões com vários analistas internacionais, não concordou com as novas condições que a busca do reconhecimento internacional impunha ao relacionamento com seus sócios fundadores e pediu demissão. Na época, no meio psiquiátrico e psicanalítico gaucho, era quase uma opção para o desterro profissional. Manoel seguiu em frente e conseguiu construir uma carreira independente. (O Centro de Estudos Psicanalíticos, embrião da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre buscava a filiação à Associação Psicanalítica Internacional que permitisse o treinamento oficial de psicanalistas no Estado. Em agosto de 1961, sob o patrocínio da sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, o grupo de Porto Alegre foi reconhecido como “Study Group” da IPA, por indicação favorável da Executiva Central na Reunião Administrativa do Congresso Internacional de Edimburgo. Com esse reconhecimento, os três membros titulares passaram a condição de didata: Mário Martins, José Lemmertz e Celestino Prunes. David Zimmermann e Paulo Vianna Guedes passaram a Associados. Os demais foram convidados a demitir-se de membros Fundadores e passaram a condição de candidatos. José Maria Wagner e Roberto Pinto Ribeiro logo foram promovidos, os demais penaram na condição de candidatos).

A essa primeira grande decepção somou-se uma segunda, quando foi afastado da Chefia do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da PUCRS. Manoel Albuquerque fundou e foi chefe do departamento de 1973 a 1991. Criou uma internação em hospital geral e formou quase todos os atuais dirigentes do departamento. Foi com surpresa e profunda decepção que recebeu uma convocação para uma reunião com o novo chefe do departamento sem que tivesse sido comunicado seu afastamento. Imediatamente solicitou demissão da PUC, no que foi acompanhado pela Dra Iracema. A dor foi tão grande que notei a exclusão da PUC na sua autobiografia.

Fora da Universidade, foi Presidente da Sociedade de Neurologia Psiquiatria e Neurocirurgia do RGS (1965-6). Na condição de presidente da SNPRGS inscreveu-a como sócia da Associação Mundial de Psiquiatria, no Congresso de Madrid.

Primeiro Vice-Presidente (68-69) da AMB, Presidente (70-71) da AMRIGS; criador e membro do Conselho de examinadores do Exame Amrigs.

Presidente da APAL (1981-85); Presidente do XII Congresso Latino americano de Psiquiatria, 1983.

Membro titular, Fundador e Presidente da Academia Sul Rio-Grandense de Medicina (1995-6). Vice-Presidente da Federação Brasileira de Academias de Medicina (1995-8). Diretor Científico da revista da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (1997-99).

Entre as principais honrarias, foi presidente de honra do Primeiro Congresso Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Grupo (1968). Distinguised Foreign guest of the 125th Anniversary Annual Meeting of the American Psychiatric Association (1968); Médico destacado pela Associação de Alunos da Faculdade Nacional de Medicina-UFRJ-1971; Membro Titular Honorário da Sociedad Uruguaya de Psiquiatria (1982); Membro Ativo da New York Academy of Sciences (1985).

 

Fundação da Associação Brasileira de Psiquiatria

 

A idéia de se fundar uma entidade nacional dos psiquiatras brasileiros era dificultada pelas longas distâncias e pelo isolamento. O Congresso de Fortaleza em 1965 foi o grande catalisador dessa idéia e Manoel Albuquerque teve papel destacado.

Ele mesmo, em depoimento pessoal conta a história do Fim do Isolamento da Psiquiatria Rio-grandense e associação com os colegas brasileiros. “Os líderes da nossa Psiquiatria, tanto na clínica como no magistério, estavam em “análise didática”. Não precisava mais para que, o comparecimento a quaisquer atividades da psiquiatria “não analítica” fosse considerado acting out e reprovado”. “Presidindo a sociedade, aproveitei circunstâncias favoráveis: um colega e amigo, Levy Albuquerque Souza, era Coronel Médico da Aeronáutica e muito ligado ao Brigadeiro Eduardo Gomes, Ministro da Aeronáutica. Através dele enviei um ofício invocando seu título de “Brigadeiro da Integração nacional” e dizendo que os psiquiatras gaúchos iam a todos os congressos de Buenos Aires e Montevidéu e não aos brasileiros. Forçando um pouco a verdade, transformei o motivo em falta de dinheiro para as passagens. Ele atendeu nosso pedido e mandou o Avro presidencial para transportar 35 psiquiatras gaúchos. Claro que os analistas esqueceram o dogmatismo e se inscreveram. Graças a essa possibilidade, em assembléia geral, resolvemos que só iria quem levasse trabalho. Mais ainda, que fosse em temas diversos, sem repetições. Colocamos o índice do Noyes no quadro e cada colega escolheu um tema”.

Ao chegarmos a Fortaleza tivemos uma surpresa, fomos colocados numa mesma sala e proposta uma atividade não prevista no programa. Não aceitei com o argumento que não viajáramos tantos quilômetros para falar uns com os outros. Daí saiu à resolução de colocar um gaúcho em cada sala, o que nos deu oportunidade para conviver com todos os demais psiquiatras brasileiros. Chamou muita atenção os trabalhos ligando a Psicanálise à Psiquiatria e as Técnicas Sociais apresentadas pelos que trabalhavam na Clínica Pinel. “Não é forçar demais a realidade dizer que estávamos lançando o germe da fundação da ABP. Em realidade, ficou resolvido que o próximo congresso seria em Porto Alegre em 1967. A ABP foi fundada no interregno e figurei no primeiro conselho”.

E assim se passou, O VII Congresso foi marcado para Porto Alegre em 1967. O Professor Lucena ficou bastante ligado aos gaúchos, principalmente ao Dr. Manoel e como conseqüência dessa aproximação a Revista Neurobiologia passou a publicar autores do sul.

 

Alguns exemplos:
Blaya, Marcelo. Grupos Operativos Hospitalares. Revista Neurobiologia. 1968, 31 (3);249-260.
Blaya, Marcelo; Albuquerque, Manoel A.  A Residência como fator fundamental na formação de psiquiatras. Revista Neurobiologia. 1965, 28 (3);208-216.
Faria, Carlos Gari; Myllius, Ruth; Piccinini, Walmor J. Aspectos Dinâmicos da Enfermagem Psiquiátrica. Revista Neurobiologia. 1967, 30(2)81-86.
Busnello, E. A Os Grupos de AA: notas sobre o sentido e a dinâmica da sua organização. Revista Neurobiologia, 1967. 6 (30-32); 67-80. Essa aproximação de Lucena com Manoel Albuquerque e, mais tarde com o Professor José Leme Lopes, permitiu a formação de um grupo coeso que fundou a Associação Brasileira de Psiquiatria.

      Manoel Albuquerque, por mérito, deveria ter sido presidente da ABP quando chegou à vez do Rio Grande do Sul. Problemas da política local terminaram por alijá-lo e em seu lugar surgiu o Professor David Zimmermann. O Dr. Manoel nunca se deixou abater e seguiu sendo um prestimoso colaborador da ABP em todos seus 40 anos de existência. Afinal, isso não era desdouro para quem foi vice-presidente da AMB, Presidente da SPRS e Presidente da AMRIGS, além de professor da Fac. De Medicina da UFRGS (homenageado pela minha turma médica em 1965) e professor da PUC até sua jubilação.

 

Segundo Othon Bastos (http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0101.htm): Na realidade, a ABP não nasceu entre nós por acaso ou por geração espontânea. Ela surgiu a partir de uma imposição e de uma necessidade. Teve, portanto, suas várias predecessoras. Foram elas: a Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal do Brasil, fundada em 1904, por Juliano Moreira e colaboradores e que se estendeu até 1948, sendo sucedida pela APERJ; a Liga Brasileira de Higiene Mental, de curta existência, e a Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental do Nordeste, depois do Brasil, fundada em 1938 pelo professor Ulysses Pernambucano de Mello". Ao lado destas entidades oficiais não podemos esquecer os Centro de Estudos ligados a Hospitais e Casas de Saúde que congregavam psiquiatras não ligados a Academia e que publicavam os trabalhos dos seus membros. Citaria entre outros o CE da Casa de Saúde Dr. Eiras. O CE do Hospital do Servidor Público de São Paulo, O CE da Clínica Pinel de Porto Alegre, o CE do Hospital de Juquery e muitos outros. Entre as entidades que fundaram a ABP estava a SPRS fundada em 1938 e membro da WPA.

Após o oitavo congresso da SNPHMB, realizado em Porto Alegre, (1967) que congregou um número cada vez maior de participantes nacionais, verificaram-se o nono, na cidade do Rio de Janeiro e o décimo, em Recife, que fortaleceram cada vez mais a vida associativa brasileira, consolidando em definitivo a família psiquiátrica. No intervalo destes eventos, em 1970, na cidade de São Paulo realizou-se o primeiro (I) Congresso da ABP, em conjunto com o VI Congresso da APAL, o qual retratou fielmente o momento presente da realidade política brasileira. O Prof. Clóvis Martins, que seria depois Presidente da APAL, conseguiu laboriosamente publicar com antecipação os Anais dos conclaves.

Já publicamos em  http://www.polbr.med.br/ano02/wal1002.php o histórico da fundação da ABP, mas podemos relembrar alguns pontos.

O JAMB da associação Médica Brasileira, ano VII de 4 de outubro de 1965, traz o texto de um protocolo que fixava as diretrizes gerais e as providências iniciais no sentido de constituição definitiva da ABP. O documento era assinado pelo médico Dr. José Luiz Flores Soares, presidente da AMB; José Leme Lopes, presidente do Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil; Jurandyr Manfredini, diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais; Manoel Antonio Albuquerque presidente do Setor de Psiquiatria da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria do Rio Grande do Sul e Fernando Megre Velloso, presidente do Departamento de Psiquiatria da AMB.

Protocolo

"Preocupados com os problemas atuais dos psiquiatras brasileiros, pensando nos encaminhamentos de suas urgentes soluções e dispostos a tomar, desde logo, as atitudes a que se sentem obrigados pelas posições que ocupam, os signatários resolveram iniciar os entendimentos, em suas respectivas áreas de influência, para transformar em realidade as seguintes proposições":

I.  Fundar a Associação Brasileira de Psiquiatria, para congregar, incentivar, representar e defender os psiquiatras brasileiros com as seguintes finalidades:

  1. Promover o desenvolvimento da psiquiatria no Brasil, pelo incentivo ao estudo e à pesquisa;
  2. Colaborar para o aperfeiçoamento do ensino da especialidade, tanto nos cursos de graduação como nos de pós-graduação;
  3. Coordenar esforços para a melhoria da assistência psiquiátrica prestada ao povo brasileiro, pelo Poder público, Institutos de Previdência e entidades particulares;
  4. Organizar e patrocinar congressos e publicações de âmbito regional, nacional e internacional;
  5. Lutar pela melhoria das atuais condições de exercício profissional, pela união de classe, sua integração nos movimentos de outras especialidades médicas ou não, defesas dos direitos específicos;
  6. Propugnar, em colaboração com os Conselhos de Medicina, pelo acatamento cada vez maior dos princípios da Ética Profissional, dentro da especialidade;
  7. Proporcionar, na medida do possível, uma assistência social supletiva aos colegas que dela necessitarem.

II. A ASSOCIAÇÃO deverá nascer prestigiada por um abaixo-assinado suficientemente representativo, em qualidade e número dos psiquiatras de todo Brasil.

III. O IV Congresso da AMB, em 24 de outubro de 1985, oferecerá ótima oportunidade para a primeira reunião administrativa da nova Associação.

IV. A Assembléia dos Delegados que se reunirá no final deste Congresso poderá sancionar um Convênio entre a Associação Médica Brasileira e a nova entidade, onde constem, entre outras as seguintes cláusulas; seguem-se várias clausula administrativas.

V e VI. Tratam da filiação da ABP a entidades internacionais.

VII. Nos dias 21 e 24 de abril de 1966 reunir-se-á a Primeira Jornada Brasileira de Psiquiatria no Estado da Guanabara, para discutir assuntos administrativos da ABP e os temas científicos que forem escolhidos para o congresso Mundial de Psiquiatria daquele ano.

Para que se possa entender a situação, vamos colocá-la no contexto histórico. Corria o ano de 1966, segundo ano do golpe militar e o ambiente não era propício a formação de entidades nacionais. O presidente da AMB era o Dr. José Luiz Flores Soares, muito amigo de Manoel Albuquerque. Graças a essa relação, Junto com Leme Lopes, Manoel redigiu esse protocolo de intenção que serviu de base para a fundação da ABP. José Leme Lopes era presidente do Centro de Estudos do IPUB e acabara de ser indicado para diretor da Faculdade Nacional de Medicina. No Rio de Janeiro enfrentava a oposição da Aperj presidida por J. Alves Garcia que também batalhava para fundar uma entidade nacional que ficasse sob seu controle e do seu grupo de apoiadores. Houve uma tentativa de fundar essa entidade em abril de 1966 e que foi abortada por Leme Lopes e apoiadores.

Vou transcrever trechos de uma carta de José Leme Lopes a Manoel Albuquerque que permite compreender o clima então existente:

Dr. José Leme Lopes

Rua Martins Ferreira, 75

Rio de Janeiro, Brasil

                                   Rio de Janeiro, 3 de abril de 1966

 

Para o Dr. Manoel Antonio Albuquerque

Rua Professor Annes Dias 154/sala901

Porto Alegre, RS.

 

Manoel

O simpósio terminou e lhe mandei esta manhã um telegrama Western: “Impedida a fundação da APB”. Segue carta. Abraços. Leme. Esta é a promessa cumprida.

Você de certo pensou que eu saíra do ar ou entrara em órbita. Quando sua carta chegou já estava tentando comunicação telefônica com Porto Alegre, sem resultado. Ensaiava de manhã e de noite sem conseguir completar a ligação. No dia que foi possível, para não perder a oportunidade falei mesmo com sua mulher.

Não sei se V. conhece o poema de Murilo Mendes sobre Itararé. Vou plagiá-lo:

Simpósio! Simpósio!

A funda ação da Associação Psiquiátrica Brasileira

... não houve...

 

A batalha não foi fácil. Só pessoalmente lhe contarei o que houve de tramas, de trabalho subterrâneo e de maquinação. O Alves Garcia conseguiu, ou melhor, procurou arrastar o Manfredini, Peres e outros próceres do Rio para tal fundação. Contou com a colaboração, até certo ponto de um grupo de Minas, que veio liderado pelo Paprocki. O Manfredini mercê da posição oficial é patrão de mais de 400 psiquiatras da área da Guanabara, era peça decisiva e o Garcia pensava que eu não teria possibilidade de me entender com ele ou qualquer outra influência para mudar o esquema armado.

Não me creia paranóide ou desvio excessivo de uma equação pessoal: tudo o que foi feito só visa um objetivo, marginalizar-me na iniciativa, mas isso depois eu lhe direi Tim por Tim o que se passou. Foi por isso que tive que enfrentar a batalha, em local e em momento que eram inteiramente adversos. Avalie que tomei posse solene de Diretor da Faculdade de medicina no dia 1, às 21 horas. Tive dias preliminares absolutamente repletos para ajudar o Carlos Chagas na passagem da direção e em seguida de preparar um discurso, com implicações em toda futura política da Faculdade. Enquanto isso os homens da Diretoria da APRJ manobravam. Encontrei bons amigos e o trabalho foi entravado em tempo.

Vamos agora o que foi fixado. O Simpósio decidiu criar uma Comissão para preparar a fundação da associação Psiquiátrica Brasileira. Essa associação tem que ser Brasileira mesma sem qualquer divisionismo. Deverá ser, pois, uma Federação de associações Psiquiátricas e não uma sociedade com filiais locais, as atuais existentes em todo o país se reunirão numa federação e representarão localmente a APB. No futuro se poderão formar onde não as há agora, outras sociedades locais, federadas à Brasileira. Foi o argumento que lancei no último instante ao Manfredini para que aceitasse a mudança do primeiro item da sua proposta que marcava a fundação naquela data (2 de abril) e lhe disse: “Você fica responsável pela cisão, talvez duradoura, da psiquiatria brasileira” – “Veja que o que se funda agora não corresponde a realidade, você é o dono dessa Assembléia, pode dirigir a votação com sua palavra, mas saiba que forças importantes da psiquiatria brasileira não aceitarão esta decisão”. Ele apoiou a minha modificação de criar uma comissão nacional para encaminhar o problema, preparar estatutos e marcar data de sua aprovação e eleição da primeira Diretoria, dentro de 90 (noventa) dias. Peço-lhe que nos ajude, pois a situação tumultuada criou uma opinião na Guanabara, que só será acalmada com um trabalho comum. Você deverá ser uma das pessoas a executar essa ação preliminar. É preciso estabelecer um Comitê Nacional credenciado por todas as Associações locais atualmente existentes e seus presidentes serão delegados à reunião de fundação. Caso haja dificuldades em vencer outras maquinações de Garcia ET caterva, tudo se resolverá na assembléia de Fundação. O projeto de estatutos deverá ser comunicado a todos e poderá receber emendas. Instala-se a assembléia, nomeia-se de início, na primeira hora, um relator oficial, que coordenará as emendas trazidas pelos delegados credenciados devidamente. ......

Confirmando a importância do Dr. Manoel a. Albuquerque na costura das bases para a formação da ABP, temos outra carta de Leme Lopes, datada de 14 de julho de 1965, em que o mesmo analisa os detalhes finais da publicação do Protocolo que seria publicado em 4 de outubro de 1965, no Jornal da AMB.

 

Carta de Leme Lopes de 4 de julho de 1966,

 

Amigo Manoel

Não quero deixar para mais tarde resposta à sua carta de 14. Estou de partida, amanhã, para a Amazônia, nesse interregno desde minha estada no Sul, tive de dirigir um trabalho de grupo na Escola Superior de Guerra e assim tudo mais ficou adiado. Li e meditei o documento, Expressão do Protocolo de Porto Alegre.  Acrescentei só um item, relativo ao interesse pela Assistência Psiquiátrica Oficial; talvez se devesse dizer algo sobre a Previdenciária e a particular, colocando o item em termos mais gerais, capaz de abranger o conjunto.

Quanto à psiquiatria latino-americana, já existe a APAL (Associação Psiquiátrica da América Latina) que, aliás, vive a reclamar uma participação do Brasil, em número e qualidade. Também já existe uma Associação Pan-americana.

Penso que os demais tópicos estão perfeitos. A entrega à ABP do Board para a qualificação é muito importante e isto, creio, será o elemento decisivo em vencer as resistências dos tradicionalistas. Assim que seja fixado o documento definitivo seria interessante a notícia no Jornal da AMB e mesmo na Tribuna Médica daqui, cuja circulação nacional é enorme. Disso me encarregarei.

Minha assinatura pode ser seguida do Presidente do Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil. O atual presidente da Assistência Psiquiátrica no Rio de Janeiro é Walderedo Ismael de Oliveira, creio seria interessante obter dele a anuência para figurar na lista.

            Bem, por hoje é só. (assinado. Leme Lopes)

 

 

 

Das memórias que Manoel me transmitiu achei particularmente interessante a das reuniões que assistiu para decidir sobre a eliminação da ultima cepa de malaria no Hospital São Pedro. Com a chegada da penicilina, a malarioterapia tornou-se dispensável. Havia no hospital uma enfermaria exclusiva para inocular, controlar e tratar os sifilíticos com malaria. Com o advento de terapias menos danosas, foi sendo reduzido o número de internações até que chegou a necessidade de alta do ultimo infectado, que, uma vez curado deixaria o Hospital sem a 'cepa' para injetar em outros pacientes.

“Na psiquiatria forense entre varias atividades, em 1965 sugeriu em laudo e obter a aprovação em sentença da ‘alta progressiva”. Esse pioneirismo pode-se atribuir a sua persistência.

Em 1960 Marcelo Blaya, recém retornado dos EUA, se propôs a criar um hospital de bases dinâmicas nos moldes da Menninger Clinic onde tinha feito sua residência psiquiátrica, Manoel Albuquerque o apoiou e foi fiador do aluguel das casas onde a Clinica Pinel começou.

Duas figuras médicas são especialmente lembradas por ele, a do Professor Celso Aquino, neurologista e do Professor Paulo Luiz Vianna Guedes, musico, psiquiatra e psicanalista.  Seja pelo temperamento festeiro de Paulo Guedes, seja por serem poucos profissionais, as reuniões costumavam ser em torno de jantares e dança, pois as mulheres eram presença obrigatória. As reuniões costumavam ser feitas no restaurante das Lojas Renner, restaurante que ficava no ultimo andar das mesmas. As Lojas incendiaram e vários morreram no incêndio, se tivesse ocorrido num desses jantares da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria, o Rio Grande do Sul teria perdido nossas principais figuras nessas especialidades.

Enumerar todas as atividades em que Manoel Albuquerque esteve presente e tarefa exaustiva e não seria fácil a leitura. Vou colocá-las numa espécie de roteiro:

Contribuição de M. A. Albuquerque a História da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, (atual Associação Psiquiátrica do RGS)

1954: foi 1o.  Secretario da SNPNCRGS.

1960: Membro da Comissão da I Jornada Sul Rio-grandense de Psiquiatria

            Dinâmica.

1961: Delegado da SNPNCRGS na Assembléia de Delegados da AMRIGS.

1964: foi vice presidente da SNPNCRGS.

1964: Membro da Comissão do governo do Estado que Reorganizou os Serviços

          Públicos Estaduais.

1965: Presidente da SNPRGS – Destaques da sua presidência:

          a) Propôs e obteve filiação a Associação Mundial de Psiquiatria.

          b) Membro da Assembléia Mundial da WPA no congresso do México.

          c) Delegado efetivo da SNPNCRGS na Assembléia da Amrigs.

         d) Organizou a delegação gaucha para o Congresso de Fortaleza, grande

              passo para a integração dos psiquiatras gaúchos com a psiquiatria

              brasileira.

1965: Atuação decidida em relação aos médicos presos políticos, começando o por um ex-presidente da Amrigs (Newton Neves da Silva) e depois com vários psiquiatras que receberam seu apoio.

1965/66. Comissão de ensino Medico da AMRIGS.

1965/66. Membro efetivo da Comissão Cientifica da AB.

1966: Atuação destacada nas articulações para fundação da ABP.

1966-72: Membro do Conselho Executivo da ABP.

1972: Vice-Presidente da ABP.

A atuação de Manoel A. Albuquerque na Associação Medica do Rio Grande do Sul e extensa e preencheria algumas páginas. Vou resumi-la em poucas linhas; foi Presidente da Associação Medica do Rio Grande do Sul no período de 1969-1971. Período turbulento da vida política nacional teve que enfrentar prisões de colegas e planejar o futuro medico. Na sua gestao foi criado o Exame Amrigs que ate hoje e uma excelente avaliação dos alunos e das Escolas Medicas do Estado.

Alem disso tudo, teve marcante atuação na APAL aonde chegou à presidência. Essa sua atividade foi reconhecida e recebeu justa homenagem da APAL no Congresso Brasileiro de Psiquiatria: Reproduzimos o convite para a cerimônia.

Associação de Psiquiatria da América Latina

 - APAL -

 

Convida  os  psiquiatras,  familiares  e amigos do Prof. Manoel Antonio Pitta de Albuquerque

para a cerimônia em sua homenagem

 11 de outubro, quinta-feira, às 14 horas.

Anfitetatro da FIERGS: D1-100

O homenageado receberá placa comemorativa das mãos do Dr. César Mella Mejías, Presidente da  ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA DA AMÉRICA-LATINA.

A APAL prestará homenagem àquele que foi seu presidente no mandato de 1982-1983.

A cerimônia contará também com a presença do Dr. Juan E. Mezzich, Presidente da World Psychiatric Association.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi colaborador de varias revistas cientificas e registra a produção de onze trabalhos em revistas internacionais e 37 em revistas nacionais. No Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria (http://www.biblioserver.com/walpicci) apresenta a seguinte produção de trabalhos e livros:

 

   1.   Albuquerque, Manoel A. Advice to the medical freshman. Rev. AMB. 1970; 16(4): 131-132.

   2.   Albuquerque, Manoel A. Aspectos Psicológicos da Poluição. J. Bras. Psiquiat. 1981; 30(1 ):113-8.

   3.   Albuquerque, Manoel A. Bases da nova psiquiatria.  R. Temas, SP. 1996; 52: 137-149.

   4.   Albuquerque, Manoel A. Contribuições da Psicanálise ao Hospital Psiquiátrico. Rev. De Psiquiat. Dinâmica. 1967; 7(2).

   5.   Albuquerque, Manoel A. Drug addiction and freedom. Acta Psiq. Psicol. Amer. Latina. 1982; 28(1): 53-62.

   6.   Albuquerque, Manoel A.. A Ética atual e suas reformulações. J. Bras. Psiquiat. 1999; 48(2): 47-52.

   7.   Albuquerque, Manoel A. Etiologias em Psiquiatria: reformulação de conceitos. R. Temas, SP. 1991; 21(40/41): 11-18.

   8.   Albuquerque, Manoel A. Iatrogenia em Psiquiatria. Rev. De Psiquiat. Dinâmica. 1973; 9(1-4): 15-22.

   9.   Albuquerque, Manoel A. O macro-hospital psiquiátrico: suas funções e disfunções. Rev. Brasileira De Psiquiatria. 1985; 7(25): 43-49.

10.   Albuquerque, Manoel A.. A prevenção ao uso indiscriminado de drogas que causam dependência física ou psíquica. Rev. AMB. 1970; 16(.): 429-434.

11.   Albuquerque, Manoel A. Psicodinâmica de Grupo nos Hospitais Psiquiátricos. V Jornada De Psiquiatria Dinâmica- Caxias Do Sul 1970. 1970.

12.   Albuquerque, Manoel A. Psiquiatria e Medicina Integradas. Editora AGE, Porto Alegre. 2005.
Notes: RESENHA DE LIVRO: PSIQUIATRIA E MEDICINA INTEGRADAS
por Walmor J. Piccinini

13.   Albuquerque, Manoel A. Quantos pacientes de Hospital Psiquiátrico comum poderiam estar em Manicômio Judiciário. VIII Congresso Nacional De Psiq. Neurol. e Higiene Mental P.Alegre,1967. 1967.

14.   Albuquerque, Manoel A. "Risco de Suicídio": Diagnóstico e manejo pelo não psiquiatra. Rev. Bras. Med. 1989; 46: 231-240.

15.   Albuquerque, Manoel A. Saúde Mental do Universitário. Rev. Neurobiologia, Recife. 1973; 36 (1): 1-12.
Notes: Relatório Oficial. X Congresso Nacional de Neur.Psiq. e Higiene Mental. Recife, 1971

16.   Albuquerque, Manoel A. Tratamentos Psiquiátricos de Urgência. Rev. AMRIGS. 1962; (6): 89.

17.   Albuquerque, Manoel A. Um Caso de Narcoanálise Aplicada com Sucesso. Rev. De Psiquiat. Do CELG. 1961; 1 (1,2,3): 50-51.

18.   Albuquerque, Manoel A. Vivências do Paciente em Litioterapia. J. Bras. Psiquiat. 1984; 33(3): 214-7.

19.   Albuquerque, Manoel A.; Bertoni, Mário; Correa, Flávio R.; Mostardeiro, Antônio L. B.; Raya Ibănez, Sylvio, e Silveira, Eufrides. Controle de Pacientes Após a alta Hospitalar. Anais Do VIII Congresso Nacional De Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental. 1967:194-212.

20.   Albuquerque, Manoel A. et al. Psicoterapia de Grupo em Psicóticos: Relatório da Sociedade de Psicoterapia de Grupo de Porto Alegre. Rev. De Psiquiat. Dinâmica. 1964; 4(set/dez.): 245-250.

     A trajetória médica de Manoel A. Albuquerque foi de muito trabalho, começou como Médico Clínico e depois Neuropsiquiatra do Instituto Central de menores; foi neurologista do ex-IAPC, Neuropsiquiatra do ex-IAPI, Médico Psiquiatra Forense por concurso público, Diretor do Instituto Psiquiátrico Forense do RGS. Fundador do Instituto de Psiquiatria Compreensiva.

Sua intensa vida associativa, além dos cargos já citados nessa sua curta biografia, participou com o fundador de inúmeras entidades que ele mesmo relaciona: Escola Superior de Polícia (1962); Escola Penitenciária (1968); Associação Brasileira de Psiquiatria (1966); Fundador da FALMED da AMRIGS (Fundação do Autor e do Leitor Médico); da Fundação Encarnacion Blaya - Clínica Pinel (1964); Instituto de Psiquiatria Compreensiva (1962), Centro de Estudos de Psicoterapia de Porto Alegre (1978); Centro de Estudos de Psiquiatria Compreensiva (1977); Exame AMRIGS, trazendo a experiência da Comissão Permanente de Seleção de Alunos (COPESA) (1971).

Finalizando.  Manoel Antonio Albuquerque é um homem participativo, generoso, atualizado, bom pai de família, desprendido, bom psiquiatra, com presença marcante na psiquiatria brasileira e latino-americana por mais de cinqüenta anos. Espero que tenha podido transmitir um pouco da sua pessoa e de suas grandes realizações.

Foto Histórica:

Da esquerda para a direita: Fernando Guedes, David Zimmermann, Paulo Guedes, Manoel Antonio Albuquerque e Marcelo Blaya. Foto de 1964 por ocasião do IV Congresso Latino-Americano de Psicoterapia de Grupo. Porto Alegre-Rs.