Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Julho de 2009 - Vol.14 - Nº 7 Psiquiatria Forense PERÍCIAS ADMINISTRATIVAS: RELAÇÃO DE PROBLEMAS Hilda Morana
Com freqüência recebo telefonemas de advogados irados com os médicos do INSS que cancelam licenças e aposentadoria de pacientes com doenças mentais, em geral psicóticos, com histórico de várias internações psiquiátricas. Recebo também telefonema de colegas que me perguntam como fazer para os médicos do INSS aceitarem que o seu paciente precisa ser aposentado. Muitas vezes os médicos do INSS pedem cópia do prontuário do paciente. As licenças são curtas e os pacientes não podem arcar com os custos de consultas em intervalos compatíveis com o benéfico previdenciário que exige um novo atestado do médico assistente a cada nova consulta. Como fazer?
O paciente que teve seu benefício indeferido tem que pedir uma revisão administrativa da decisão, juntar documentos de seu médico que comprovem o seu transtorno. Quando não atendido precisa recorrer ao CRM e até a justiça cível através de processo de imperícia médica.
Ocorre que os médicos do INSS, como peritos, atendem a todas as especialidades. É realmente complicado um ginecologista ou ortopedista, apenas como exemplos, ter que peritar um paciente psiquiátrico.
Para os Conselhos de Medicina, todo médico está apto a exercer qualquer ato médico desde que devidamente capacitado a fazê-lo. Por isso as especialidades médicas e até para generalista existe a especialidade: Clínica Médica.
A justificativa da Sociedade Brasileira de Perícias Médicas, que congrega os médicos do trabalho, em geral peritos que trabalham em área administrativa, é que a função do médico perito é apenas a de estabelecer o nexo causal entre doença e benefício. Segundo o CFM “é atribuição do perito determinar a aptidão e tempo de afastamento para fins do benefício”.
Mas será que tal nexo é tão evidente para os que não são especialistas em psiquiatria? Claro que não! Na Psiquiatria não existe um exame que comprove a doença. A perícia deve ser feita baseada no histórico de vida do paciente, no quadro clínico e no tirocínio do examinador para estabelecer a relação entre a doença e o benefício requerido. Depende de semiologia psiquiátrica que só pode ser alcançada através de longa formação e prática na especialidade.
Segundo Luiz Salvador de Miranda Sá Junior: “Como os médicos peritos do INSS em geral não têm formação psiquiátrica, passaram a fornecer o benefício em função do diagnóstico do paciente; arriscando-se a um processo por infração do Art. 29 do CFM, modalidade imperícia”.
Perícia é ato médico? Ainda segundo Luiz Salvador é preciso não confundir ato médico ou, melhor dizendo, ato ou procedimento profissional de médico, do ato clínico, que é uma qualidade particular dentre os procedimentos médicos. Os atos profissionais, em qualquer profissão, são aqueles que a lei define como característicos dos agentes de uma profissão (que podem ser exclusivos ou compartilhados com outros profissionais).
Mas, para Fernando Portela Câmara, perito não desenvolve relação médico-paciente, e nem diagnostica ou trata, tampouco se engaja em lutar pelo bem estar do paciente, apenas avalia uma condição na qual não existe segredo médico.
O salário do médico perito, quando funcionário público, é inferior ao médico que atende em ambulatório ou hospital, justamente devido a questão de não ser a sua função considerada como atividade terapêutica.
Contudo, a perícia médica só pode ser realizada por médico, e cujo procedimento tem a função de documentar fatos para o esclarecimento em um processo judicial ou administrativo.
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 268
(SUBSTITUTIVO), DE 2002 O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 4º São atividades privativas do médico: XIII – realização de perícia médica e exames médico-legais,
RESOLUÇÃO CREMERJ N.º 121/98 Define “Ato Médico”, enumera critérios e exigências para o exercício da profissão médica e dá outras providências. § 5º – Os exames médico‑legais são de exclusiva competência do médico.
E os atestados, são confiáveis? O médico imbuído em função de perícia administrativa se baseia no atestado do médico assistente e estabelece o nexo causal entre a doença e o beneficio requerido. Embora o médico perito, segundo as normas, deva priorizar o atestado do médico assistente, sabe-se que muitos atestados foram produzidos sem uma avaliação suficiente, muitas vezes em uma única consulta e até por profissionais pouco capacitados ou de conduta ética deficitária. Então cabe ao médico perito avaliar a doença do portador, se o tratamento é condizente com a doença diagnosticada, o nexo entre a doença e o benefício requerido e, ainda, se o atestado é condigno? De fato existem sim simulações de doenças por parte dos requerentes e facilitações por parte de médicos assistentes. O perito tem, então, que estar atento a todas as possibilidades. Mas com a quantidade de avaliações exigidas para cada perito como é possível realizar uma perícia a contento? Penso que uma das formas seria que cada perito tivesse o tempo necessário para o seu exame, e que na dúvida o paciente fosse encaminhado para centros de reabilitação do próprio Instituto Público, seja no âmbito federal, estadual ou municipal.
Em relação à simulação é bom lembrar que temos também a super-simulação, que ocorre quando um doente exagera um sintoma. E, ainda a meta-simulação. Que ocorre quando um paciente, embora esteja curado, continua intencionalmente fingindo-se de doente, perseverando em exteriorizar sintomas ou síndrome já sofridos anteriormente, para não perder o benefício.
Toda essa confusão leva a que alguns peritos, sem tempo para uma avaliação adequada e sem serem especialistas na patologia apresentada pelo paciente, tomem a conduta de negar benéficos, na maioria dos casos, independente do diagnóstico, causando um grande transtorno também para judiciário. Pacientes que tiveram seu benefício negado entram com ações contra principalmente o INSS, provocando uma avalanche de ações judiciais. Daí o juiz determina uma avaliação por perito oficial que realizará uma nova perícia. Enquanto isso o paciente recebe uma liminar e continua a receber o seu benefício.
A RESOLUÇÃO do CFM nº 1.851/2008 Publicada no D.O.U. de 18 de agosto de 2008, Seção I, pg. 256 que altera o art. 3º da Resolução CFM nº 1.658, de 13 de fevereiro de 2002, normatiza a emissão de atestados médicos.
CONSIDERANDO que o médico assistente é o profissional que acompanha o paciente em sua doença e evolução e, quando necessário, emite o devido atestado ou relatório médicos e, a princípio, existem condicionantes a limitar a sua conduta quando o paciente necessita buscar benefícios, em especial, previdenciários; CONSIDERANDO que o médico perito é o profissional incumbido, por lei, de avaliar a condição laborativa do examinado, para fins de enquadramento na situação legal pertinente, sendo que o motivo mais freqüente é a habilitação a um benefício por incapacidade;
RESOLVE: Art. 1º O artigo 3º da Resolução CFM nº 1.658, de 13 de dezembro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos: I - especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente; II - estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente;
Parágrafo único. Quando o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de perícia médica deverá observar: I - o diagnóstico; II - os resultados dos exames complementares; III - a conduta terapêutica; IV - o prognóstico; V - as conseqüências à saúde do paciente; VI - o provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação, que complementará o parecer fundamentado do médico perito, a quem cabe legalmente a decisão do benefício previdenciário, tais como: aposentadoria, invalidez definitiva, readaptação;
Ou seja, o médico assistente informa ao perito o tempo de repouso necessário para a recuperação do doente e o médico perito decide sobre a aptidão laborativa e o tempo de afastamento para fins do benefício.
Em verdade médico perito é um agente fiscalizador que vai aceitar ou não o atestado fornecido pelo médico assistente e decidir sobre o benefício. Isso não seria necessário se houvesse outra maneira dos funcionários atestarem as suas faltas ao trabalho. Muitas vezes o funcionário precisa faltar ao trabalho por razões diversas que não a doença, mas a única maneira que encontra é conseguir um atestado médico e, por conseguinte um benéfico previdenciário. Este acaba, em muitas vezes se estendendo muito além da necessidade do funcionário e em outras situações injustiças para os que realmente estão doentes. Será que o nosso legislativo não consegue pensar em outras maneiras de justificarem as faltas de seus funcionários? Será que as empresas poderiam estabelecer alguma forma de controle das faltas de seus funcionários
O médico assistente não pode sequer sugerir benefício que seu paciente necessita, porque a relação da doença com o trabalho é função do médico perito estabelecer: Veja abaixo:
Brasília-DF, 14 de agosto de 2008
GERSON ZAFALON MARTINS Conselheiro Relator na EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1.851/2008
“A atividade médico-pericial, em especial do INSS, tem por finalidade precípua a emissão de parecer técnico conclusivo na avaliação de incapacidades laborativas, em face de situações previstas em lei, bem como a análise de requerimentos de diversos benefícios, sejam assistenciais, ou indenizatórios. Portanto, é imperativo afastar, ou mesmo retirar, a atribuição do médico assistente de “sugerir” ao paciente condutas inerentes e específicas da atuação do médico perito, posto serem distintas as atuações desses profissionais. Expectativa gerada por sugestão, não contemplada pelo entendimento do perito, cria situações, não só de indisposição aos médicos peritos, mas pode gerar agressões físicas, inclusive fatais, como já ocorridas. Acentua-se forçosamente, que não se pode conferir ao médico assistente a prerrogativa de indicar o benefício previdenciário, conduta inerente à função do médico perito”.
Ou seja, cabe ao médico assistente apenas atestar o provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação e ao médico perito a decisão do benefício previdenciário, tais como: aposentadoria, invalidez definitiva, readaptação.
Para finalizar transcrevo resolução do CRM-SP, subtraindo os artigos que não são de interesse direto desta discussão.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO
ESTADO DE SÃO PAULO Dispõe sobre a realização de PERÍCIA MÉDICA e dá outras
providências. CONSIDERANDO que a perícia médica caracteriza-se como ato médico por exigir conhecimento técnico pleno e integrado da profissão; sendo atividade médica legal responsável pela produção da prova técnica em procedimentos e ou em processos administrativos e judiciais e que deve ser realizada por médico regularmente habilitado;
CONSIDERANDO que o profissional que faltar com a verdade nos atos médicos atestados causando prejuízos às empresas, ao governo ou a terceiros está sujeito às penas da lei;
Art. 3º - Na formação de sua opinião técnica, o médico investido na função de perito não fica restrito aos relatórios elaborados pelo médico assistente do periciando. Deverá, todavia, se abster de emitir juízo de valor acerca de conduta médica do colega, incluindo diagnósticos e procedimentos terapêuticos realizados ou indicados.
Parágrafo Único - O médico, na função de perito, deve respeitar a liberdade e independência de atuação dos profissionais de saúde sem, todavia, permitir a invasão de competência da sua atividade, não se obrigando a acatar sugestões ou recomendações sobre a matéria em discussão no processo/procedimento.
§ 1º - É vedado ao médico, na função de perito, divulgar suas observações, conclusões ou recomendações, fora do procedimento ou processo administrativo e judicial, devendo manter sigilo pericial, restringindo as suas observações e conclusões ao laudo pericial, exceto por solicitação da autoridade competente.
§ 2º - É vedado ao médico, na função de perito, modificar procedimentos propedêuticos e/ou terapêuticos, salvo em situação de indiscutível perigo de vida ou perda de função fisiológica, devendo, neste caso, fundamentar e comunicar por escrito o fato ao médico assistente, devendo ainda declarar-se suspeito a partir deste momento.
§ 1º - Poderá o médico investido
nestas funções solicitar ao médico assistente, as informações e os
esclarecimentos necessários ao exercício de suas atividades. § 2º - O diretor técnico ou diretor clínico e o médico responsável por Serviços de Saúde, públicos ou privados, devem garantir ao médico perito e ao assistente técnico todas as condições para o bom desempenho de suas atividades, bem como o acesso aos documentos que se fizerem necessário, inclusive deles obter cópias, desde que com a anuência do periciando ou seu representante legal.
Art. 8º - O atestado ou relatório médico solicitado ou autorizado pelo paciente ou representante legal, para fins de perícia médica, deve conter apenas informações sobre o diagnóstico, os exames complementares, a conduta terapêutica proposta e as conseqüências à saúde do seu paciente.
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