Volume 14 - 2009
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

Agosto de 2009 - Vol.14 - Nº 8

Farmacoterapia

DE ACONTECÊNCIAS HISTÓRICAS e outras nem tanto...

J. Romildo Bueno

... quem conta um conto aumenta um ponto e a história fica cheia de adendos, adereços e penduricalhos dispensáveis, tentarei poupar o ponto e, em dúvida diminuí-lo ao invés de aumentá-lo...

         No início da década de cinqüenta ( com trema, por favor!) a recém criada Organização Mundial da Saúde – OMS-WHO previra um aumento de 17% na demanda de leitos psiquiátricos no mundo... terráqueo. Ao final da dita década, ou seja nos albores dos anos sessenta para surpresa dos avaliadores e profetas, ocorrera um decréscimo de 14% no total de leitos disponíveis!!!

Se somarmos a previsão com a realidade chega-se a uns trinta por cento na quebra de expectativa.

O que ocorreu nesses dez anos que frustrou as previsões dos epidemiologistas-técno-burocratas da OMS?

Nada demais, apenas o início de uma era não prevista, a da psicofarmacoterapia que muitos abreviam para psicofarmacologia para rebuliço das cinzas de gente como Paul Hoch, Harold E. Himwich, Leo Hollister, Alec Coppen, Hippius (pai), Lopez-Ibor (pai), Barahona-Fernandes,  Heinz Lehman, Henri Ey, Yves Pelicier, Jean Delay, Pierre Deniker, Paul Kielholz, van Praag, Mogens Schou, Martin Roth que afirmaram ser a psicofarmacoterapia a primeira maneira eficaz de se interferir no curso das doenças mentais, no que foram seguidos por Arvid Carlsson, Jules Axelrod, N.S. Kline e outros menos cotados.

À exceção do primeiro, conheci e convivi com os outros e deles jamais ouvi que os psicotrópicos curavam doenças mentais! A única e definitiva cura à época, era a oferecida pela psicanálise que prometia resolver de forma definitiva os conflitos intra- e extra-psíquicos e decretar o fim das doenças mentais, e desse ponto partir-se-ia para sua prevençao...

Assim como não existe almoço grátis, não há acaso em ciência ou em proto-ciência e esses primeiros psicotrópicos eram uma continuidade de avanços anteriores. A segunda revolução industrial, caracterizada pelo vertiginoso progresso da química já tinha oferecido alguns meios para intervir em pacientes psiquiátricos: paraldeído, cloral hidratado, barbituratos que eram sedativos e anti-epilépticos.

A primeira intervenção terapêutica utilizando os sedativos e hipnóticos foi proposta em 1922 pelo suíço Jacob Klaesi e foi chamada de cura de sono profundo (ancestral de outro método  muito utilizado no Brasil – a sonoterapia...). Klaesi utilizou uma mistura de três barbituratos: um de efeito rápido, outro de efeito intermediário e o último de duração de efeito prolongada ( dial, pentobarbital e barbital) e a mistura recebeu a denominação de Somniphéne ou Somniféne e pasmem-se, destinava-se ao uso venoso!

Cria-se  que o sono, mesmo induzido artificialmente, refaria o sistema nervoso central, recuperando o paciente de sua doença...

A elevada mortalidade desencorajou a utilização de tal técnica que, no entanto deixou substitutos que não mereceram a devida atenção. Por exemplo, Lawrence Kubie em 1942 propôs a hipnoterapia (mistura de sono profundo, hipnose e psicanálise ) para tratamento de neuroses de guerra (transtorno de stress pós-traumático?) e Roy Grinker, no mesmo ano, cria a psico-síntese que utilizava um barbiturato de efeito rápido (amilobarbital – amytal) associado à escopolamina para tratamento do mesmo tipo de condição clínica. A mistura era conhecida pelos pilotos e bombardeiros da USAF como flack juice, algo como “ suco de artilharia anti-aérea” (vide CATCH 22 do Joseph Heller) e sobreviveu sendo empregada por várias ditaduras pré-chavistas sob a denominação de “soro da verdade”.

A proposta de Grinker era diferente: provocar uma ab-reação seguida de amnésia: o barbiturato de efeito rápido libera o que está recalcado e o paciente, graças à escopolamina, disso não tem memória; o que é dito é depois re-apresentado ao paciente e elaborado.

 Uma nova etapa da cura pelo sono profundo – “sonoterapia” foi proposta por Azima em 1955, combinando os efeitos da clorpromazina com os dos barbituratos e eventual potencialização pela prometazina e afirmava que o método podia ser usado em todas as formas de adoecer mental. No início da década de sessenta o método foi enriquecido pela adição de clordiazepóxido. Interessante que o meprobamato não chegou a ser utilizado em sonoterapia...

Como se vê, confundir amnésia pós barbituratos com cura acontece coma as melhores especialidades.

Mas nem só de depressores e sedativos do sistema nervoso central se nutre a psiquiatria: em 1931 Alles sintetiza a metilenodioxianfetamina (que é a substância-mãe do tal de ecstasy, a MDMA – metilenodióxi-meta-anfetamina). Os efeitos estimulantes são prontamente reconhecidos, a substância que levou a dextro-anfetamina, na Inglaterra chamada de benzedrina, foi proposta para o tratamento de narcolepsia. A seguir, Prinzmetal, estudante de Leakes então professor de farmacologia da University of Califórnia a testa como tratamento anti-fadiga. Daí para o uso clínico como anti-depressivo foi um pulinho...

A anfetamina, enquanto anti-depressivo não funcionou, mas ajudou a ganhar a famosa BATALHA DA INGLATERRA, travada entre a RAF e a Luftwaffe e foi grandemente responsável pela reconstrução do Japão pós Hiroshima e Nagasaki sob a forma de metanfetamina, conhecida in terra brasilis com o codinome de Pervitin e que ajudou muito gente a vencer a BATALHA DO VESTIBULAR...

Paralelamente desenvolvia-se uma outra vertente chamada de psiquiatria biológica.

Um dos flagelos da civilização foi a sífilis, principalmente sua forma nervosa – paralisia geral progressiva – que apresentava uma evolução psiquiátrica bem típica: ia de irritabilidade para euforia, dessa para agitação e agressividade e acabava na demência sifilítica. A situação era grave, tão grave que o então Serviço Nacional de Doenças Mentais mantinha o HOSPITAL DE NEUROSÍFILIS que conheci e freqüentei como acadêmico (!) pouco antes de seu fechamento e reforma para dar lugar ao HOSPITAL PINEL – hoje conhecido como Instituto Phillipe Pinel - dementes sifilíticos existiam em todos os hospitais psiquiátricos públicos no Brasil.

Em 1917 von Jauregg pesquisava uma forma de se induzir hipertermia em pacientes com PGP – paralisia geral progressiva – e já tinha tentado a tuberculina sem sucesso quando sua atenção foi chamada pela malária benigna. Por essa época já se sabia que a hipertermia ou piroterapia matava os espiroquetas da sífilis... espiroquetar é um neologismo dessas eras.

A hipertermia malárica – que causava convulsões na maioria dos pacientes  - deu a von Jauregg um prêmio Nobel em 1927 e à Psiquiatria um modelo orgânico de doença mental.

No início dos anos trinta com a grande depressão já instalada, von Meduna avança a hipótese que epilepsia do tipo grande mal não convive no mesmo cérebro com esquizofrenia daí, se induzirmos crises convulsivas em esquizofrênicos, curá-los-emos por mútua exclusão!

Anteriormente, em 1927 Sakel utilizando a insulina - isolada por Banting & Best em 1921 - em pacientes morfinômanos e com o intuito de melhorar seu apetite em função da hipoglicemia causada, observou que alguns pacientes desenvolveram coma superficial e convulsões e nesses, apenas nesses houve melhora dos sintomas psíquicos presentes. Estava criado mais uma intervenção terapêutica biológica: coma insulínico com convulsão e reversão do quadro com glicose venosa!

Até os anos sessenta, muita gente de renome alardeava serem os comas insulínicos o tratamento de escolha para pacientes com primeiro surto de esquizofrenia da forma paranóide...

Entrementes, von Meduna continuava sua busca por um convulsivante químico. Após tentar a injeção de óleo de cânfora com  resultados medíocres e o pentametilenotetrazol – metrazol ou cardiazol – ambos pela via muscular e também com resultados – convulsões – imprevisíveis, o pesquisador resolveu tentar essa última substância pela via venosa.

O sucesso foi absoluto, o pentametilenotetrazol em injeção venosa rápida induzia convulsões em mais de 90% dos casos. O único problema era a ausência de um antídoto rápido caso as convulsões tornassem-se sub-entrantes...

Em meus tempos calouro do IPUB ouvi psicanalistas didatas, freudianos e kleinianos concordarem na interpretação que o efeito benéfico da convulsão cardiazólica nos pacientes deprimidos com tentativa ou idéias prevalentes de suicídio dever-se-ia à vivência de morte experimentada durante a aura que precedia a convulsão, e que podia durar de segundos até minutos... um verdadeiro horror! Mas, um horror interpretado por doutores em interpretações torna-se indicação terapêutica de primeira linha...  

De um modo ou de outro, no deserto terapêutico em que se desenvolvia a práxis psiquiátrica não deixava de ser um progresso.

Naquele tempo – in ilo tempore, como reza o novo testamento – o Prof. Cerletti estava em Genova onde permaneceu de 1928 a 1935 estudava os efeitos de convulsões repetidas no cérebro de ratos, tentando explicar os mecanismos da demência epiléptica que estaria relacionada ao status epilepticus (estado de mal epiléptico). Para esse estudo, desenvolvera um prático e seguro aparelho elétrico que dispensava choques convulsivantes nas freqüências desejadas.

Quando ganhou a cátedra de Roma, Cerletti uniu-se a Bini e em conjunto trataram um paciente esquizofrênico usando a nova técnica: estava criada a eletroconvulsoterapia que o entusiasmo de Kalinowski tratou de universalizar.

Digno de nota é que os primeiros pacientes a submeterem-se aos novos métodos – insulinoterapia, convulsão cardiazólica e ECT – tinham o temível diagnóstico de esquizofrenia catatônica.

A. Bennett já em 1940 propunha que o choque elétrico fosse precedido pela administração de curare associado a escopolamina visando eliminar tanto as convulsões como sua memória...

O mesmo autor propôs a adição de insulina ao método e  criou uma nova intervenção terapêutica: o choque úmido que deveria somar os efeitos curativos do coma insulínico com os do eletrochoque.

A lenda dos porcos que reza que Cerletti e Bini desenvolveram seu método terapêutico ao verem a matança de porcos por choque elétrico nos matadouros romanos não passa disso, lenda... O que é real é que Cerletti acreditava dever-se o efeito terapêutico da ECT à liberação cerebral de agoninas e, em função dessa hipótese, aplicava uma série de eletrochoques em porcos de cujos cérebros extraiam-se as agoninas que eram depois aplicadas, por via sub-cutânea, a pacientes esquizofrênicos... eu vi, mostrados por Dª Agmar – historiadora oficial do IPUB - e com esses olhos que a terra há de comer (mentira, serei cremado...), pacientes crônicos, já quase residentes no Instituto com cicatrizes e afrouxamento do tecido sub-cutâneo que seriam resultantes das enormes bossas dorsais referentes ao seu tratamento de esquizofrenias com as tais agoninas...método que era mantido por um dos assistentes da casa (nome retido por razões óbvias...)

Atendi também pacientes que se submeteram à lobotomia, tanto por acesso craniano superior como à chamada transorbital. A crer nas anamnéses, a indicação para esse procedimento se alicerçava em extremos graus de agressividade e de agitação psicomotora. Difícil avaliar os resultados de tão cruas intervenções passadas duas décadas de sua realização...

A LOBOTOMIA, precursora das modernas psico-cirurgias também se alinhava entre os métodos biológicos de tratamento em psiquiatria...

Essa digressão destina-se a esclarecer imbróglio com o qual convivi e que, até nossos dias causa confusão em cabeças mais jovens: a psicofarmacoterapia jamais foi um método BIOLÓGICO de tratamento psiquiátrico!!!

Nos primeiros cursos que ministrei no IPUB as minhas aulas constituíam o último terço do módulo “TRATAMENTOS BIOLÓGICOS EM PSIQUIATRIA” e essa situação só se resolveu em 1972 quando do credenciamento do CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSIQUIATRIA (mestrado e doutorado) do IPUB. (só para registo: o primeiro curso de pós-graduação na ÁREA MÉDICA credenciado pelo MEC e financiado pela CAPES...)

Nesse curso conseguimos, o prof. Leme Lopes e eu,  introduzir duas disciplinas: PSICOFARMACOTERAPIA e MÉTODOS DE PESQUISA CLÍNICA e esses contaram com convidados ilustres como Max Hamilton, Seminério. M. Lader, Hollister,  Mogens Schou, W. Brautigan, van Praag, Thomas Ban, Reese Jones, R.Khun e o pessoal do Instituto de Biofísica da UFRJ.

Creio que essa “digressão histórica” ajudará a esclarecer antiga confusão: psicofarmacoterapia, mesmo em seus primórdios, nada tem a ver com intervenções terapêuticas biológicas em psiquiatria...

Voltando ao curso histórico: após essas promissoras descobertas uma guerra permeou-se entre elas e o carbonato de lítio, próxima estação...

É sabido, e repetido, que o carbonato de lítio foi pela primeira vez empregado em clínica psiquiátrica por Cade, em 1949 e  na AUSTRALIA!

Cade observara previamente que em cobaias e administrado por via peritoneal o lítio, sob a forma de citrato era dotado de efeitos sedativos e julgou que tais efeitos estivessem relacionados com os períodos refratários da condução axonal via competição com o sódio... acontece que essa parte foi omitida do trabalho publicado: Lithium salts in treatment of psychotic excitement (Med. J. Aust., 2: 349, 1949).

Não era a primeira que o lítio batia às portas da psiquiatria: Lange, em 1897 já relatara bons resultados com seu emprego no tratamento de depressão mental e em clínica geral seu uso foi tentado nos XIX e XX no tratamento da gota e como coadjuvante no tratamento da hipertensão arterial, sob a forma de cloreto, para substituir o sal de cozinha – NaCl – sob o nome de fantasia de Zimema-K, Já que lítio e sódio pertencem ao mesmo grupo químico e, soube-se mais tarde, competem no glomérulo para serem eliminados... os saluréticos são contra-indicados para uso concomitante com sais de lítio e tem seu uso proibido na vigência de intoxicação por essa substância ( nesse caso devem ser usados os diuréticos osmóticos: manitol, xantinas...).

Acontece que em um país neutro durante a segunda guerra mundial – Suíça – um pesquisador da Casa Sandoz estudava os alcalóides do ergot procurando por uma substância mais eficaz no tratamento das enxaquecas.

Hoffman, fumante normal, saiu do laboratório para se dirigir à sua residência, de bicicleta, no verão de 1942 e ficou deslumbrado com a paisagem de Basel, como se a visse pela primeira vez,  algo de uma beleza incomum, como se as árvores respirassem! Permaneceu  “excitado” (sic) até altas horas, dormiu mal e acordou deprimido. Recapitulou as atividades do dia anterior e se lembrou que antes de acender o cigarro ao fim do dia havia limpado a balança de precisão do laboratório para onde se dirigiu rapidamente e em lá chegando verificou que a última pesagem fora de um composto identificado como dietilamida do ácido 1-metil lisérgico cuja abreviatura em alemão era sigla LSD-25 ( LisergSäure Diethylamid): estava criada a psiquiatria experimental moderna! (vide “LSD – my problem child” de Albert Hoffman).

Essa descoberta, 19 anos mais tarde mudaria minha vida profissional...

Terminada a guerra, o LSD-25 começou a ser estudado intensamente tendo-se em vista a psicose experimental reversível que causa.

Aldous Huxley, experimentador contumaz dessas substâncias que causam expansão da mente,  utilizou o LSD-25 em dois de seus livros: As portas da percepção” e “Maravilhoso Mundo Novo” onde a substância atende pelo apelido de soma.

Foi um reboliço geral: psicoterapias lisérgicas foram propostas, psicanalistas ofereciam interpretações delirantes para seu efeito e a pesquisa básica passa a dispor de uma substância que foi primeiro testada em humanos...

Nesses tempos, outras descobertas foram feitas: Ulf Svanten von Euler, um sueco, descobre a noradrenalina e a vincula à transmissão nervosa do Sistema Nervoso Simpático no ano da graça de 1949 e no mesmo ano Stoltz a identifica no cérebro. Concomitantente à descoberta da noradrenalina, Ahlquist propõe a primeira classificação dos receptores adrenérgicos dividindo-os em dois tipos:alfa e beta.

Também em 1949, Sen e Bose isolam da Rauwolfia serpentina a reserpina,  primeira substância a ser empregada como neuroléptico anti-psicótico.

No início dos anos 50, Esparmer identifica uma substância envolvida com a peristalse intestinal e a denomina de enteramina enquanto Irvine Page isola de plaquetas uma substância vasopressora a que chama de serotonina e em 1952 Esparmer e Areso demonstram que a enteramina e a serotonina são uma única e mesma substância.

Dois anos após, Page e Vogt começam a propor ações para a noradrenalina e a serotonina cerebrais,  no que são seguidos por Bogdanski em 1955, procurando explicações para a hipótese de Wooley & Shaw (1954) de que o bloqueio das ações serotoninérgicas no cérebro estaria relacionado com as psicoses. O mecanismo de ação da reserpina que causava depressão em pacientes hipertensos se tratados com as doses usadas em psiquiatria demonstrou ser a depleção de mono-aminas neurotransmissoras.

As coisas andavam numa rapidez vertiginosa, não havia tempo para colocar a prova tantas hipóteses simultâneas, pois entre 52 e 54 Horita demonstra que os antidepressivos iproniazida e isocarboxazida são inibidores da monoamino-oxidase, enzima que promove a desaminação oxidativa das mono-aminas como a serotonina e a noradrenalina e, por isso são capazes de reverter a depleção dessas substâncias que se segue à administração de reserpina e que se constituiu no primeiro modelo animal de depressão...

Em 1957 mais eventos se precipitam: Gaddum & Picarelli tipificam os receptores serotoninérgicos em M – bloqueados pela morfina e D – bloqueados pela dibenzilina  e por doses mínimas de LSD-25. Parecia que a hipótese de Wooley & Shaw tinha encontrado comprovação. No mesmo ano, B.B.Brodie e Shore publicam nos Anais da Academia de Ciência de N.York seu trabalho seminal (até que enfim consegui usar esse adjetivo que está na moda e ausente de meus textos...): “A concept for the role of serotonin and norepinephrine as chemical mediators in the brain”  

 Em 1961, na Semana Brasileira de Debates Científicos o então bolsista de iniciação científica do CNPq  João R. Bueno (eu assim me identificava...) apresenta o trabalho “Identificação dos receptores ‘M’ e ‘D’ de Gaddum & Picarelli no intestino isolado de cobaia”. O trabalho mereceu o terceiro prêmio, aquele de consolação...

De qualquer modo, foi meu primeiro contacto com o LSD... em 1963, já interno-residente do IPUB e ganhando a vida como plantonista em uma clínica da zona sul do Rio, participei de sessões de terapia psicolítica ( o terapeuta era psicanalista freudiano, mas não era didata...)  como observador de  um grupo de voluntários – estudantes de psicologia da PUC-Rio - que recebiam LSD ou água destilada por via oral – o LSD injetável – que também podia ser usado oralmente era insípido, inodoro e incolor...                         

Nesse mesmo ano conheci Irving Page que viera ao Brasil a convite de Lauro Sollero e da Academia Brasileira de Ciências em cuja sessão apresentei trabalho sobre receptores triptamínicos e LSD-25 ( o texto foi perdido em uma de minhas múltiplas mudanças...). De qualquer modo, conversando com Dr. Page, falei-lhe de meu interesse em “psicofarmacologia clínica” e ele prometeu que me colocaria em contacto com seu colega de turma Harold Himwich, um dos pioneiros dessa área com formação idêntica à sua e  estada no Kaiser Institut no período pré-guerra. Dois anos após, com uma bolsa do CNPq, oitocentos dólares no bolso, recém-casado, encontro-me em casa dos Himwich numa tarde de domingo de verão almoçando ao ar livre – com direito a vinho Mateus rosé que Dr. Himwich julgava ser  uma forma de me homenagear, afinal Portugal – Brasil é tudo a mesma coisa – e discutindo as tarefas que me caberiam no dia seguinte...

Dessa associação muita coisa boa nasceu: comecei por aprender técnicas publicando trabalhos!... e continuei minha relação com o LSD que culminou com a publicação de um trabalho no “prestigioso periódico”  “EEG and Clinical Neurophysiology” a respeito de mecanismos sincronizadores do tronco cerebral que eram bloqueados por micro injeção hemi-lateral de LSD na medula, antes de decussação das pirâmides e outro sobre IMAO e depressão reserpínica no Psychopharmacology (Berl.).

Em pouco tempo, em colaboração com Tanimukai e Himwich estava produzindo dados sobre a hipótese da transmetilação detectando 5-Metóxi e 6-Metóxi triptofânio e dimetil-triptofânio metoxilado posição 6 em urina de pacientes esquizofrênicos e nos dias que antecediam o agravamento dos sintomas, a eclosão do surto... essa hipótese tinha nascido com Friedhoff e van Winckle a partir do pink  spot de Osmond & Smythies: o pink spot seria a dimetóxibetafeniletilamina ( DMPEA) suposto metábolito da trimetóxibetafeniletilamina, também conhecida como mescalina(TMPEA)... não havia mais retorno, passava a ser parte da história e não apenas seu observador...

Em 1966, no Congresso Mundial de Psiquiatria em Madrid, Himwich apresentou nosso trabalho preliminar sobre a hipótese dualista nas depressões endógenas que, após mais pesquisas, resultou no trabalho “A dualistic approach to some biochemical problems in endogenous depression” publicado em Psychosomatics.

Em 1967, em mesa-redonda presidida por Himwich, estava defendendo essa hipótese no Congresso da APA ao lado de outros apresentadores interessados em neuroquímica das depressões: Nathan S. Kline, Joseph Schildkraut e J. Bunney, infatigável defensor do lítio no tratamento de manias.  

Que não se pense que o IMPRÉRIO NÃO CONTRA-ATACOU...

Nos anos sessenta Laing – autor de um belo livro sobre a psicopatologia das esquizofrenias – “The divided self” – associa-se a David Cooper anarcopsicanalista e a Esterson, defensor de uma forma de sociogenia das doenças mentais e  lança a ANTI-PSIQUIATRIA propugnando por melhores formas de tratamento dos doentes hospitalizados, uma vez que recurso – medicamento – existia. O movimento cria as half way homes que seriam equivalentes às nossas residências terapêuticas. Há uma diferença marcada e devida ao espírito pragmático de Esterson: as residências são visitadas diariamente por uma enfermeira-registrada responsável pela ingestão dos medicamentos prescritos e quinzenalmente por um psiquiatra que verificava o estado dos pacientes e ajustava as doses de clorpromazina entre 200 e 400mg/dia, “as needed”. O sistema emperrou,  pois os pacientes não queriam voltar para o hospital e muito menos regressar ao lar, doce lar...

Nessas eras, Leme Lopes pronuncia conferência na Academia Nacional de Medicina, saudando a anti-psiquiatria e esperando que ela apareça no Brasil já que julgava o movimento como uma forma de repensar a psiquiatria asilar...

Laing, foi para os Estados Unidos e juntou-se à cruzada psicodélica de Thimothy Leary, professor de psicologia de Harvard, inteligente como poucos e mais convincente que Marlon Brando em “A streetcar named desire.”

Outra proposta foi a de Maxwell Jones, as chamadas comunidades terapêuticas e que gozaram de maior popularidade que as half way homes.

Em 1970, em um Congresso realizado em São Paulo, Maxwell Jones em mesa presidida por Ramon Sarrò, decretou o fim das comunidades terapêuticas: só possuem porta de entrada, nem um paciente quer sair de ambiente tão protegido, treinar novas equipes de profissionais demanda tempo... e muito dinheiro e o objetivo de que tais comunidades seriam uma ponte para a re-socialização frustrara-se. Sarrò, que não compreendia muito a tradução simultânea feito do inglês para o português e por ser “franquistamente monoglota”, acabou por aceitar minha tradução de ouvido, mas insistiu em repetir que no país de Franco, ...’em España las comunidads van bién...’

Como pode se notar, minha filiação à ABP tornou mais universal o meu aprendizado.   

Ao voltar para o Brasil, no Congresso da Sociedade Nacional de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental realizado no Copacabana Palace em julho de 1969 e que homenageava Pacheco e Silva recém jubilado de seu cargo de professor catedrático da USP, apresentei a hipótese bioquímica das depressões em mesa presidida por Manoel Albuquerque que, ao final da apresentação rematou dizendo que estaríamos reduzindo a psiquiatria a análise de excretas, diminuindo seu valor humanístico e filosófico... foi uma bela recepção e que me deu a oportunidade de conhecer melhor Manoel e Iracema Albuquerque, sempre bons amigos, psicanálise à parte...

Espero que aqueles que não me conhecem não me julguem cabotino

ao misturar minha história com o relato que vinha conduzindo, tentei apenas demonstrar a premissa enunciada acima, a de que fiz parte desse trajeto da mesma forma que participei ( e participo ), desde 1969 do progresso da vida associativa na ABP, junto com Ulysses Vianna Filho, Oswald Morais de Andrade, Vanor Ferreira Neto, J. Leme Lopes, Álvaro Rubim de Pinho, Fernando Megre Velloso, José Lucena e David Zimmermann, para citar apenas os defuntos... quem viver lerá minhas anti-memórias abpesianas sempre prometidas para um futuro próximo.

De qualquer modo, com o carbonato de lítio e as pesquisas dos anos cinqüenta e sessenta nascia uma nova psiquiatria, iniciava-se a era dos psicotrópicos... mas isso é outra “estória” que será contada no próximo capítulo onde se falará de outros psicodélicos, alguns nativos dessa pátria amada mãe gentil...

 

P.S.: não há bibliografia, consultei trabalhos meus, o livro de Alpine One hundred years of psychiatry e o livro de Thomas Ban Psychopharmacology


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