Volume 13 - 2008
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Agosto de 2008 - Vol.13 - Nº 7

História da Psiquiatria

Ulysses Viana Filho (1913-2000)

Walmor J. Piccinini
João Romildo Bueno

Introdução

Dois psiquiatras brasileiros são homenageados internacionalmente com prêmios que levam seus nomes. Um deles, o Dr. Bruno Russomano de Mendonça Lima é homenageado pela Associação Psiquiátrica Americana. Bruno Lima foi apresentado aos psiquiatras brasileiros pela Psiquiatria Online:   http://www.polbr.med.br/ano07/wal0107.php 

Bruno Lima Award for Excellence in Disaster Psychiatry
The Committee established the Bruno Lima Award in 1995. The award honors the memory of Bruno Lima, one of the original members of the APA’s Task Force on Psychiatric Dimensions of Disaster and initiator of the first proposal to hold a disaster workshop at the Annual Meeting. As an Associate Professor at Johns Hopkins University School of Medicine, Dr. Lima was known for his important contributions to disaster studies in South America as well as the development of critical documents relating to the care of disaster victims throughout the world through his work with the World Health Organization. His untimely death from leukemia cut short his opportunities to see his contributions to national policy on the provision of care to disaster victims come to fruition within the APA. This award supports professional values as well as encourages training among psychiatrists in the area of disaster psychiatry.

O Segundo homenageado, e mais recentemente, é o Dr. Ulysses Vianna Filho, ilustre ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

 

“The WPA Ulysses Vianna Prize for Young Psychiatrists in Developing Countries recognizes the illustrious career of the late Professor Ulysses Vianna Filho, founder of the Brazilian Psychiatric Association and a WPA leader particularly concerned with the professional development of our younger colleagues.

The Prize will be awarded at the Opening of World Congresses of Psychiatry for outstanding scientific and professional contributions by a psychiatrist younger than 40 years of age and residing in a developing country (World Bank Class B, C, or D). It includes a check for USD 5,000 donated by INBRACER and a Special Lecture at the World Congress of Psychiatry”.

 

Os dois receberam também homenagens entre seus pares, com Prêmios nacionais. Ulysses Vianna Filho é o prêmio mais importante da Associação Brasileira de Psiquiatria. Bruno R.M.Lima é Prêmio do Centro de Estudos em Psiquiatria da PUCRS.

 

Recuperar a memória dessas pessoas com quem convivemos e admiramos é uma das tarefas a que nos dedicamos. A História não depende apenas de grandes interpretações filosóficas, o simples registro dos fatos tem seu valor.

 

Assim, o campo científico da história da psiquiatria tem dois pontos de foco: uma, a pesquisa metodicamente contínua e detalhada da história das instituições psiquiátricas, de seus pacientes, e daqueles que lá trabalharam; e, inseparável do primeiro, a faceta conceptual-histórica, isto é, a análise científico-teórica historicamente aterrada das perguntas fundamentais constantes em psiquiatria que são ligadas necessariamente às premissas filosóficas. Somente com uma investigação científica de forma convincente destas edições permitirá que a história da psiquiatria seja percebida como o campo moderno relevante a clínica do dia a dia que é em virtude do assunto de sua pesquisa: a psiquiatria é definitivamente, de todas as disciplinas médicas, a que mais se baseia na história. Paul Hoch (http://www.wpanet.org/sections/history/editorial.shtml)

 

 

Ulysses Viana Filho

 

Lembrar Ulysses é um dever e um prazer. Nasceu em1913 em Breslau, na época pertencente à Alemanha. Estudou em Paris e formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1936 que, em tempos futuros passou a ser conhecida como Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil ou ainda “Medicina da Praia Vermelha”. 

Foi um homem de múltiplos interesses, culto, viajado, um verdadeiro “cidadão do mundo” Por exemplo, foi sócio e freqüentador do Country Club, por cuja equipe foi campeão brasileiro de Bridge. Teve três filhos, Ulysses – precocemente falecido -, Ana Lia e Eduardo.

Herdou o Sanatório Botafogo do seu pai, um neuro-psiquiatra. Sua especialidade era a Eletroencefalografia e a direção do sanatório que depois mudou de nome para Clínica Botafogo. Na maturidade encontrou o grande amor da sua vida, a Associação Brasileira de Psiquiatria, ajudou a criá-la, forneceu-lhe uma sede, e tornou-se seu presidente em 1977-78. 

Na época do seu nascimento, Breslau era parte da Alemanha. Hoje ela se chama Wroclaw e pertence à Polônia. A história de Breslau-Wroclaw é sangrenta, grandes massacres ocorreram desde as invasões dos mongóis até a tragédia nazista. Você deve estar se perguntando, como é que Ulysses foi nascer exatamente ali? E o responsável indireto foi Alois Alzheimer que foi nomeado para a Cátedra de Breslau. O pai de Ulysses era “assistente estrangeiro” de Alzheimer em Munich e o acompanhou para a nova cidade. Em 1913 nasce seu filho Ulysses que é batizado com o nome do avô. Os ventos da guerra sopravam intensamente e o Ulysses pai resolveu trazer a família para o Rio de Janeiro. Na sua volta faz docência livre em Neurologia e é o primeiro divulgador da obra de Alzheimer na América do Sul. Durante sua curta permanência no Rio de Janeiro, funda o Sanatório Botafogo em sociedade com Pedro Pernambuco e Adauto Botelho. Terminada a guerra volta para a Europa. No pós-guerra muitos brasileiros se foram para Paris, entre eles o Dr. Jacintho Godoy Gomes do Rio Grande do Sul, o Dr. Antonio Carlos Pacheco e Silva de São Paulo e o Dr. Antônio Austregésilo, também do RJ.

O jovem Ulysses estuda em Paris, faz o ginasial no Lycé Odeon. O pai adoece e a família retorna para o Rio de Janeiro. Ulysses Filho faz o curso Pré-médico e entra para a Fac. de Medicina do Rio de Janeiro (posteriormente Fac. Nacional de Medicina), onde se gradua em 1936. Seus interesses na medicina foram variados, começou dedicando-se a Hematologia, homem prático criou o primeiro sistema de coleta domiciliar de amostras da Capital Federal. Posteriormente interessa-se por Eletrocardiografia e se associa a um "gabinete de ECG".
Daí para a Eletroencefalografia foi só um passo...
Monta o Serviço de EEG do Sanatório Botafogo e traz o primeiro eletroencefalógrafo de 16 canais do Rio de Janeiro (um ALVAR... francês, sem dúvida).
Assume um posto na direção do Sanatório Botafogo e entra em contato profissional e amistoso com os grandes nomes da psiquiatria carioca. Por esta época já é campeão brasileiro e sul-americano de Bridge pela equipe o Country Club de onde era sócio atuante e distribuía "bolas pretas" para candidatos indesejáveis, inclusive o cônsul americano que se candidatou em 1972...
Em 1959 é convidado por Leme Lopes e assume a chefia do Serviço de Eletroencefalografia do Instituto de Psiquiatria - UFRJ no cargo de auxiliar de ensino.
Em 1967 ascende ao cargo de Professor Assistente e em 1974 chega a Professor Adjunto, cargo onde se aposenta.
Paralelamente, participa da fundação da ABP, abriga-a de 1966 até o início da década de 80 no Sanatório Botafogo onde eram feitas as reuniões de Diretoria.
Junto com Oswald Morais de Andrade, pagava do próprio bolso os salários dos dois funcionários, Vanor e L Hime (sua sobrinha que também era secretária da Clínica Pitangui).

Desde sua criação e durante cerca de vinte anos, esteve a ABP diretamente ligada a um endereço, aquele da Rua Álvaro Ramos, 450, onde funcionou durante várias décadas o Sanatório Botafogo. O Prof. Ulysses Vianna Filho, na condição de um dos proprietários do estabelecimento, abrigou zelosamente a Secretaria Geral da Associação e também sua Tesouraria, nos primeiros anos de sua implantação. Ele viria a ser o sétimo psiquiatra a ocupar a presidência da ABP. Outro endereço que se notabilizou junto aos sócios, a partir do final dos anos 70, foi o da Rua Borges Lagoa, 394, em São Paulo, consultório do Prof. Marcos P. T. Ferraz, que gentilmente o cedeu para funcionamento da tesouraria e da Revista da ABP, depois Revista ABP/APAL, até 1995 (Othon Bastos)


Fundou a Revista da Associação, o Boletim Informativo e criou os Deptos. da ABP.
Realizou o II Congresso Brasileiro de Psiquiatria em "Belo Horizonte" em 1972 (o primeiro fora um apêndice do Congresso da APAL realizado em "São Paulo" pelo Clóvis Martins)
O restante de sua vida confunde-se com a história da ABP.

Numa crônica com o título “A morte, a morte e a morte do doutor Ulysses”, Nikodem Edler assim se refere a ele: “Nunca mais o brilho dos grandes olhos azuis, emoldurando o sorriso a um só tempo inocente e malicioso. Nunca mais o comentário ora engraçado ora indignado, dito em voz alta e quase sempre em ambiente inadequado. Nunca mais a necessidade de levá-lo para casa após o consumo exagerado do uísque ou do vinho, ambos sempre de excelente qualidade, que o doutor Ulysses só admitia tomar do bom e do melhor, selecionando com rara sabedoria, bebidas e amizades.” “Dono de extrema gentileza, Ulysses defendia enfaticamente seu ponto de vista, mas evitava ferir ou magoar os que pensavam de modo diferente.”

Othon Bastos em seu livro História da Psiquiatria em Pernambuco e outras histórias (Lemos Editorial, 2002), em seu capítulo 22, escreve sobre “O Cidadão Ulysses Vianna Filho”. Muito se pode dizer ainda sobre a fascinante personalidade de Ulysses Vianna Filho: o bem nascido, o cavalheiro, o campeão de Bridge, o ilustre escanção, o colega pródigo, o clínico competente, o pioneiro da Eletroencefalografia, o sempre viajante, o bom gourmet, o profundo conhecedor da culinária e da literatura francesas, o mundano.

Othon destaca a participação de Ulysses na Declaração de Camboriú (1978), primeira manifestação de uma sociedade médica em favor da anistia geral ampla e irrestrita. Sua condição de embaixador da psiquiatria brasileira pelo mundo e sua atuação em defesa da Lei de Reforma Psiquiátrica quando já estava com 80 anos de idade.

É interessante como os fatos históricos apresentam surpresas. A vida de Ulysses Vianna Filho é uma dessas. Dono de hospital, eletroencefalografista e homem do mundo, apaixonou-se pela psiquiatria, pela associação brasileira de psiquiatria e, já numa fase madura da vida, um líder progressista e, certamente, uma das figuras maiores na consolidação da idéia associativa dos psiquiatras brasileiros.

 

Vamos lembrar alguns detalhes da fundação da ABP. Em 1965, foi preparado em Porto Alegre, para discussão no Congresso de Fortaleza, o Protocolo de Fundação da Associação Brasileira de Psiquiatria. Esse protocolo era assinado pelo Dr. José Luiz Flores Soares, Presidente da AMB, pelo Dr. Fernando Megre Veloso, Presidente do Departamento de Psiquiatria da AMB, pelo Dr. Jurandyr Manfredini, diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais e representando a antiga Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, pelo Dr. José Leme Lopes, Presidente do Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil e pelo Dr. Manoel Antonio Albuquerque pela Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Neurocirurgia do Rio Grande do Sul.  Já estava estabelecido pelo protocolo que o nome da entidade a ser formada seria o de Associação Brasileira de Psiquiatria. Era proposta coleta de assinaturas dos psiquiatras do país. Já em dois de abril de 1966 foi escolhida uma comissão provisória para elaborar o anteprojeto dos estatutos que foi composta por João Caruso Madalena, Carlos Alberto Bastos, Jorge Paprocki e Clóvis Martins.

A assembléia de fundação da abp foi realizada no dia 13 de agosto de 1966, no Hospital Pinel do Rio de Janeiro. Foi presidida por Raul Bittencourt, vice-presidente e futuro presidente da Aperj e secretariada pelo Dr. Clóvis Martins (SP).  Toda essa introdução é necessária para ilustrar a importante participação do Dr. Ulysses na Assembléia de fundação da ABP. Foi dele o substitutivo que propunha que, em vez de sócios individuais, que fosse constituída uma associação federativa das outras associações então existentes ou por fundar. Uma votação preliminar deu grande maioria a esse princípio federativo, que foi aprovado na parte da tarde da Assembléia. “Estava assim estabelecido o princípio nunca contestado de federação (Ulysses Vianna Filho)”.

Nessa ocasião foi eleita a primeira diretoria da ABP. Presidente Professor José Leme Lopes. Secretário Geral, Ulysses Vianna Filho e tesoureiro o Dr. Humberto Alexandre.

Como compensação para São Paulo, o Dr. Clóvis Martins foi eleito editor da Revista Brasileira de Psiquiatria para um período de oito anos. (Nasceu daí o compromisso de manter a sede da RBP em São Paulo).

Nos primeiros três anos o mandato presidencial era de um ano, foram presidentes, José Leme Lopes, Antonio Carlos Pacheco e Silva e Álvaro Rubin de Pinho. Os recursos eram escassos, predominava o amadorismo e a entidade só sobrevivia por utilizar uma sala do Sanatório Botafogo (leia-se Ulysses) que se responsabilizava pelas despesas essenciais.

Em 1969 aconteceu a primeira reforma estatutária por ocasião do IX Congresso Brasileiro de Psiquiatria, Neurologia e Higiene Mental, realizado no Rio de Janeiro.

Na História dos Estatutos da ABP, artigo publicado em 1977. Valter M. Daudt e Ulysses Viana Filho esclarecem no texto:

A REFORMA DE 1969

Em 1969, reformaram-se os Estatutos pela primeira vez, em Assembléia de Delegados, por ocasião do IX Congresso Brasileiro de Psiquiatria, Neurologia e Higiene Mental, em 06 de julho, no Rio de Janeiro.

A ABP adquire uma estrutura mais nacional. Aumenta-se para doze o número de membros do Conselho Executivo, que conserva seu poder, e é desfeito o Conselho Deliberativo, mantendo-se as Comissões (embora referências esparsas ao órgão extinto continuem existindo até mesmo nos Estatutos de 1973). Cria-se uma Diretoria Executiva, com mais poderes e autonomia, com Presidente, Vice, Secretário Geral, Tesoureiro Geral, 19 e 29 Secretários e Tesoureiro Auxiliar, além do Diretor da Revista; a mudança consiste especialmente que os membros que são; Presidente e Vice da própria ABP e não mais apenas do Conselho Executivo e com mandatos de dois anos, no desejo de que tenham mais continuidade.

Redigido o Regimento interno, estabelecem-se rotinas de funcionamento, determina-se a maneira de votação nas Assembléias, proporcionalmente ao número de membros de cada federada, com um máximo de votos para cada Estado.

Esses Estatutos foram registrados em Brasília em 25/06/74 e publica do no Diário Oficial em 28/06/74.

A REFORMA DE 1973

Em Assembléia de Delegados realizada em 27/07/73 tratou-se de discutir e votar algumas proposições de alterações nos Estatutos e Regimento Interno, propostas pela Diretoria. As alterações foram apresentadas com justificativas e esclarecimento dos seus objetivos. Pretende-se definir melhor a participação das entidades federadas, manter seus ex-presidentes ligados às atividades e à vida da ABP, definir e explicitar os objetivos da ABP, como associação de classe e científica e acertar a situação da Revista que está sem se imprimir.

As modificações aprovadas consistiram no seguinte:

 

Conselho Executivo passou a contar também com os ex-presidentes até o máximo de seis, além dos doze membros eleitos, estabeleci- dos pela reforma de 1969.

Explicita-se que a Revista Brasileira de Psiquiatria é de sua propriedade.

PERÍODO DE 1969 a 1973

É reeleito na Presidência o Prof. Álvaro Rubim de Pinho, que exercerá o cargo até 1971, sendo substituído por Dr. Fernando Megre Velloso até 1973.

Estamos numa nova fase.

A ABP é filiada à APAL - Associação Psiquiátrica da América Latina à CIAP e à ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSIQUIATRIA.

Além de simpósios e reuniões científicas, realizam-se seis conferências, a primeira delas, juntamente com a APAL em São Paulo e a segunda em Belo Horizonte (1972).

Estabelece-se as primeiras normas para a Concessão do Título de Especialista, a partir de um projeto do Dr. Manoel Albuquerque. O título atrai o interesse dos psiquiatras de todo o país. Em 1973, é realizado o primeiro Concurso para a sua concessão.

O PERÍODO DE 1973 a 1976

Em 1973 é eleito para a Presidência da ABP o eminente Prof. José Lucena, de Pernambuco, sendo Vice o Prof. Antônio Santaella, de Santa Catarina.

Na Assembléia de Delegados de 06/09/74, em Brasília, foi levada pela Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, através do seu Presidente, Dr. Hans Ingomar Schreen de que se considerasse tarefa prioritária. A regularização administrativa da Associação Brasileira de Psiquiatria, com o incremento da comunicação com as Federadas e consubstanciando-se essas mudanças na elaboração de uma adequada reforma dos Estatutos e demais regulamentos, mediante elaboração prévia e aprovação final em Assembléia de Delegados. A proposta do Rio Grande do Sul foi aceita e aprovada especialmente no tocante à reforma dos regulamentos estimando-se como data provável para isso março de 1975; no entanto, não se efetivou nesse prazo.

Em setembro de 1975, em Brasília, foi eleito para Presidente o Professor David Zimmermann, de Porto Alegre.

Na apresentação (pág. 3), Prof. David relata como sua aceitação para o cargo foi condicionada à possibilidade de promover para a ABP no decorrer de sua gestão, a série de providências adequadas ao bom desempenho, pela Associação, dos seus objetivos de fundação.

Dr. David determinou a constituição da "Comissão Especial de Reforma dos Estatutos, Regimento e Normas", constituída por eminentes psiquiatras de diversas regiões do Brasil: como Coordenador (presidente) Dr. Rubim de Pinho e como seus demais constituintes Drs. Eugênio Mariz de Barros, Hans Ingomar Schreen, João Romildo Bueno e Othon Bastos.

A Comissão teve como subsídio, o anterior estudo do Dr. Hans sobre os Estatutos, e ainda um estudo elaborado pelo Dr. Ulysses Vianna Filho.

Recebeu ainda sugestões da Dra. Ridette Gomes de Carvalho, de Brasília e do Dr. José Romildo Grabowski, de Curitiba.

Para a elaboração do Regulamento do Prêmio da Associação Brasileira de Psiquiatria, contava com o esboço, elaborado por Dr. David Zimmermann; a esse esboço, Dr. Leme Lopes ajuntou duas importantes sugestões:

 

1. Que o Prêmio não se chamasse "Juliano Moreira": "Eu preferia que se chamasse ‘Prêmio Associação Brasileira de Psiquiatria’. Juliano é o passado. A Associação é o presente e o futuro".

 

2. Que não se exigisse o ineditismo dos trabalhos, mas se aceitassem trabalhos publicados nos intervalos de cada dois anos entre cada Concessão do Prêmio.

 

Escolhido o Relator da Comissão, Dr. Hans contou com a assessoria de dois companheiros de Diretoria da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Drs. José Ricardo Pinto de Abreu e Valter Marques Daudt.

No fim de semana, de 30 e 31 de julho de 1976, valendo-se de novo da acolhida do Sanatório Botafogo, recebidos com a proverbial gentileza do Dr. Ulysses Vianna Filho, a Comissão e seus Assessores incluindo o Dr. Ulysses estuda o esboço dos colegas gaúchos e completou o anteprojeto, para ser apreciado pela Assembléia de Delegados.

Em setembro de 1976, a ABP realizava seu IV Congresso, na mesma cidade de Fortaleza, onde nascera através do "Protocolo". Aí os Delegados marcaram nova Assembléia Extraordinária para outubro no Rio de Janeiro, com o objetivo específico de discutir os Estatutos, o Regimento e as Normas para a Concessão do Título de Especialista e o Regulamento do Prêmio "Associação Brasileira de Psiquiatria".

A ASSEMBLÉIA DE DELEGADOS NO HOTEL NACIONAL

Em 15 de outubro, sexta-feira, à noite, o Conselho Executivo reuniu-se para importantes deliberações. Consideraram-se entidades regulares da ABP, no total de 37, as que tinham restabelecido contato com a Secretaria Geral, em resposta a sua insistente correspondência; algumas associações foram, assim, consideradas em situação provisória à espera de futuras comunicações ou canceladas. Às trinta e sete federadas em situação regular estão consignadas no "Indicador da Associação Brasileira de Psiquiatria" e na terceira capa desta edição.

Nos dias 16 e 17, sábado e domingo, realizou-se a Assembléia de Delegados.

A apresentação do Presidente nesta edição, e a Ata referem do clima das discussões e dos proveitos obtidos (essa Ata com cópias já em poder das federadas terá brevemente divulgação mais ampla).

Todos os artigos e itens dos projetos apresentados foram votados após ampla oportunidade de discussão e foram aprovados, conservando-se em todos na essência, as propostas da Comissão. Apenas a qualificação de uma das federadas, em cada Estado, como a coordenadora administrativa das demais - a idéia da federada-mater não foi aceita. Por outro lado, os Estatutos se enriqueceram com dois acréscimos que não haviam sido antecipados pela Comissão:

 

1. Diferenciaram-se entre os sócios a categoria de Titulares para os possuidores do Título de Especialista, e a par dos sócios efetivos.

 

 

2. Criou-se o Conselho Fiscal.

 

Os Estatutos foram discutidos no sábado, dia 15, todo o dia: foi a propósito dele que se geraram as maiores discussões. Chegando-se a acordo nos pontos essenciais em trabalho de pequenas Comissões, à noite revisaram-se o Regimento, as Normas para o Titulo de Especialista e o Regulamento do Prêmio, que se aprovaram com facilidade no dia seguinte, após nova leitura completa.

AS REFORMAS DE 1976

Estabelecem o modelo de funcionamento da ABP que, com mudanças pontuais continua até os dias de hoje.

Com a eleição de Ulysses Vianna Filho em 1977 ficaram para trás os anos do colegiado de Catedráticos que permitiu a estruturação da ABP e começa uma fase de crescimento em nível nacional e internacional. Em 1977 realizou-se o VI Congresso Mundial de Psiquiatria no Havaí que marcou o aparecimento da Associação Mundial de Psiquiatria como uma entidade patrocinadora de compromissos éticos para os psiquiatras, com a Declaração do Havaí e a censura de práticas políticas repressivas sob o nome de prática psiquiátrica. (http://www.polbr.med.br/ano07/wal0807.php)

 

Mais depoimentos

Em entrevista publicada no site da abp Miguel Roberto Jorge, ex-presidente, assim se refere a Ulysses;

Miguel Roberto Jorge

AI - Como a história da ABP pode ser apresentada rapidamente?
MJ - Posso falar da história da ABP a partir do Congresso de Camboriú, 1978. Todos que lá estiveram, nos estertores da ditadura militar, se recordam de nosso engajamento na campanha por uma anistia ampla, geral e irrestrita e de nossa figura de proa no processo de democratização da ABP, nosso eterno Presidente Ulysses Vianna Filho.
A partir daí ocorreu uma sucessão de posicionamentos e atividades, em defesa dos pacientes, seus familiares e dos psiquiatras. Estas iniciativas envolveram a identificação dos psiquiatras como agentes da liberdade e contra a mercantilização da doença mental - propondo o deslocamento do foco de atendimento do hospital para a comunidade – e promovendo atualização profissional que se refletisse em incremento significativo na qualidade do atendimento.

Na História da Revista Brasileira de Psiquiatria transcrevemos algumas palavras de Ulysses (http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0405.htm).

1979 – Por ocasião do relançamento da Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria, no terceiro trimestre de 1979, o Dr. Ulysses Vianna Filho, então presidente da ABP, escreve em editorial: "Agora, cumprindo o programa de autofinanciamento das publicações da ABP, plataforma da atual Diretoria, encontramo-nos em condições de lançar nossa revista em bases econômicas sadias, autofinanciáveis, sem espírito amadorista, que não pode mais persistir”. Ainda que Revista continuasse a enfrentar dificuldades econômicas em diversos períodos que se seguiram, nunca mais, até os dias atuais (à exceção do ano de 1990), ela deixou de ter publicado pelo menos seus 4 números anuais regulares. Assume sua editoria Sérgio Dario Seibel.

Bibliografia de Ulysses Vianna Filho encontrada no Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria que pode ser examinada online em: www.biblioserver.com/walpicci

 

1. Barbosa, Oscar; Groisman, M., and Vianna Filho, Ulysses. Notas preliminares sobre a investigação de um novo antiepiléptico (G.32883). J. Bras.Psiquiat. 1965; 14(1-2): 5-22.

2. Bueno, J. Romildo; Costa e Silva, J. A.; Freitas, Cincinato M.; Loyello, Washington; Robalinho, R.; Silva, J. A. C., and Vianna Filho, Ulysses. Experiência clínica e resultados terapêuticos do uso continuado de carbonato de lítio na psicose maníaco-depressiva. J. Bras.Psiquiat. 1973; 22(1): 45-55.

3. Bueno, J. Romildo; Muniz, A. F.; Ferreira, T. C. M., and Vianna Filho, Ulysses. Piracetam nos quadros confusionais observados durante sonoterapia. J. Bras.Psiquiat. 1973; 21(1-4): 89-98.

 4. Bueno, J. Romildo; Muniz, A. F.; Terra. S.O.  e Vianna Filho, Ulysses. Estudo comparativo- Derivado butirofenônico; Tiotixeno na sintomatologia esquizofrênica em esquema terapêutico prolongado. J. Bras.Psiquiat. 1971; 20(3-4): 193-204.

5. Bueno, J. Romildo; Muniz, A. F.; Terra, S. O. e Vianna Filho, Ulysses. An evaluation of the efficacy of oxipertine in acute and chronic schizophrenic’s patients. J. Bras.Psiquiat. 1968; 17(1-4): 83-95.

6. Bueno, J. Romildo; Silva, A. C.; Freitas, Cincinato M.; Loyello, Washington; Vianna filho, Ulysses; Robalinho, R., and Silva, Jorge C. Experiência clínica e resultados terapêuticos do uso continuado do carbonato de lítio na psicose maníaco-depressiva. J. Bras. Psiquiat. 1973; 22.

7. Leme Lopes, José and Vianna Filho, Ulysses. Trace eletroencephalografique du type Hypsarytmia. J.Bras.Psiquiat. 1960; 9(4):285-294.

8. Muniz A.F ; Terra S.O ; Bueno J.Romildo , and Vianna Filho, Ulysses. Uma avaliação da eficácia da oxipertina em pacientes esquizofrênicos agudos e crônicos. J. Bras. Psiquiat. 1968; 17(1): 83-95.

   9.   Terra, S. O. ; Muniz, A. F.; Bueno, J. Romildo, and Vianna Filho, Ulysses. Avaliação da eficácia do tiotixene em face de sintomatologia esquizofrênica; estudo comparativo com um derivado butirofenônico. Rev. Brasileira De Psiquiatria. 1970; 4(3): 136-145.

10.   Vianna Filho, Ulysses. Bases neurofisiológicas da consciência. J. Bras.Psiquiat. 1961; 10(4): 343-354.

11.   Vianna Filho, Ulysses. Esquizofrenia: aspectos etiopatogênicos e diagnósticos. Rev. Neurobiologia, Recife. 1976; 39(Supl.): 106-109.

12.   Vianna Filho, Ulysses. O ponto de vista biológico. In: simpósio sobre Psicopatia e neurose. J. Bras.Psiquiat. 1963; 20(1): 49-60.

13.   Vianna Filho, Ulysses. Ponto de vista biológico. J. Bras.Psiquiat. 1963; 12(1): 49-59.

14.   Vianna Filho, Ulysses. Raízes e tendências da psiquiatria brasileira. Rev. Neurobiologia, Recife. 1978; 41(supl.): 55-62.

15.   Vianna Filho, Ulysses; Fernandes, Irmar; Bitter, Tobias; Julião, Adail F., and Gomes Filho, S. Simpósio sobre aspectos psiquiátricos e sociais da Epilepsia: IV-Aspectos eletroencefalográficos da Epilepsia. Rev. Brasileira De Psiquiatria. 1967; 1(2): 185-218.

16.   Vianna Filho, Ulysses; Muniz, A. F.; Terra, S. O. e Bueno, J. Romildo. Effects of thiothixene on schizophrenic symptoms in a long-term therapeutic scheme. 
Comparative study with butyrophenone derivative.   J. Bras. Psiquiat.  1971; 20(3):193-204.

17.   Vianna Filho, Ulysses; Versiani, Márcio; Bueno, J. Romildo e Bruscky, S. B. Ensaio clinico comparativo e duplo-cego com succinato de loxapine e tiotixene no tratamento da esquizofrenia.  A Folha Médica. 1976; 73(5): 561-565.

18.    Vianna Filho, Ulysses et al. Notas preliminares sobre investigação de um novo antiepiléptico - G 32.883. J. Bras.Psiquiat. 1965; 14:71.

19.   Vianna, Ulysses. A demência precoce (Histórico). Arq. Bras. De Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins. 1907; 3 e 4:288-296 e 375-399.

Tomamos a liberdade de lembrar uma comunicação do Professor Gabriel R. Figueiredo sobre os encontros de Ulysses com Franco Basaglia. Não dá para resumir o resumo de modo que o publicamos quase na íntegra.

Rev. Bras. Psiquiatr. vol.23 (1). São Paulo Mar. 2001

Carta aos editores.

Comentário sobre os encontros de Ulysses Vianna Filho com Franco Basaglia

O encontro

Franco Basaglia e Ulysses Vianna Filho debateram no Rio de Janeiro* e em Belo Horizonte.** Vamos destacar alguns pontos altos desse extraordinário debate:

Vianna Filho: "(...) Não defendemos o modelo repressor da psiquiatria. Defendemos o outro modelo, e quando o prof. Basaglia diz que devemos defender o homem nos seus três aspectos (bio-psico-social), é isso que fazemos (na Associação Brasileira de Psiquiatria)."

Basaglia: "(...) Estou de acordo com o professor. Acho que no Brasil existe um despontar na vontade de mudança. Permito-me sugerir que seria necessário que a Associação Brasileira de Psiquiatria apoiasse todas as tentativas de mudança, dando cobertura técnica e científica a essa mudança."

Vianna Filho: "(...) É este o desafio que assumimos na direção da ABP. Sentimos que devemos mudar o comportamento dos psiquiatras frente aos doentes mentais. Essa foi a posição que defendemos oficialmente no Congresso de Camboriú, quando assumimos o compromisso de reformar a assistência psiquiátrica, transformá-la numa assistência para atendimento da população e não numa assistência elitista."

Basaglia: "(...) Há um pessimismo incrível com relação ao nosso trabalho (assistência psiquiátrica), que é o pessimismo da razão. No lugar do pessimismo da razão nós propomos o otimismo da prática."

Vianna Filho: "(...) Creio que foi esse pessimismo que levou a todos os movimentos 'antis' que eclodiram na década de 60: antipsiquiatria, antipsicanálise, anticiência, antiliteratura... A meu ver, isto representa uma crise do racionalismo do século XX, essa crise que, no seu excesso, levou o mundo a duas guerras mundiais."

Basaglia: "(...) Eu aproveito para precisar, e tenho testemunhas presentes, que jamais falei de 'anti'. Eu não sou um antipsiquiatra porque esse é um tipo de intelectual que eu rejeito. Eu sou um psiquiatra que quer dar ao paciente uma resposta alternativa àquela que foi dada até agora."

Uma breve reflexão

Esse curto diálogo entre Basaglia e Ulysses me faz recordar a frase predileta da minha querida mestra em história, Helena Pignatari Werner: "Povo sem memória, povo sem história."

É dessa falta de memória, geradora da impossibilidade de construir a verdade histórica, que se sustentam movimentos 'antis' e movimentos 'prós' manicomiais. Para seus militantes, Ulysses não passa de um conservador e Basaglia, de um antipsiquiatra. Ainda bem que atualmente os psiquiatras e outros profissionais de saúde mental no Brasil me parecem cada vez mais distantes desses radicalismos, e é justamente nesse ponto que residem as nossas esperanças de uma profunda reformulação na política brasileira de saúde mental e, conseqüentemente, no surgimento de novos modelos assistenciais em psiquiatria.

Ulysses participou junto com Carlos Gentile de Melo, Luiz Humberto, Marcos Ferraz, Paulo Amarante e João Romildo Bueno do "MOVIMENTO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL-MTSM" que brigava pela "moralização do atendimento psiquiátrico" em oposição à 'Federação Brasileira dos Hospitais', defensora do "pronto –atendimento - psiquiátrico" que permitia a internação "emergencial" de alcoolistas e mendigos nos chamados "leitos-chão".
Quando, por sugestão de seu amigo e professor de psiquiatria de Trieste, Campaiglia, convida e traz o Basaglia para o Brasil, com a ABP bancando os 300 dólares que o "reformista italiano" cobrava por "hora de conferência" (A visita a Barbacena custou caro... o homem exigiu um carro com chofer e ar condicionado...), desilude-se com a "reforma italiana" proposta pelo Basaglia e traz ao Brasil o Campaiglia para falar sobre esta tal reforma...

Esse movimento dos trabalhadores da saúde mental acabou sendo ocupado pelo grupo da Luta antimanicomial, conhecido pelos seus opositores como L.A.M.A. por atitudes eminentemente antipsiquiatras e antipsiquiatria, mas isso já é outra história a ser contada.


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