Volume 13 - 2008
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Maio de 2008 - Vol.13 - Nº 5

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria

Fernando Portela Câmara

Esta coluna resume os principais fatos e novidades veiculadas na Lista Brasileira de Psiquiatria.



Assuntos:

TEMA DO MÊS:

ENSINAR PSIQUIATRIA A PSICÓLOGOS?

 

Logo, falar do uso combinado de psicoterapia e medicamentos não infringe nada. Inclusive, fico aqui pensando, mesmo que o médico falasse que Prozac 20 mg trata depressão leve, fato que está nos jornais, na intrenet, nem precisa um médico falar para que alguém saiba, ele seria co-responsável se um psicólogo ou outro qualquer prescrevesse essa medicação? O crime está no ato de falar da existência de um tratamento ou no ato de falsificar um carimbo, um receituário, exercer a medicina ilegalmente?

Se o diagnóstico é um ato médico, os psicólogos estariam proibidos de assistir a qualquer congresso em psiquiatria, pois estão aprendendo a exercer atos médicos. Logo,  a resolução do CFM, embora tenha a sua lógica e sua função, se tomada ao pé da letra, inviabilizaria qualquer palestra. Estou interpretando erroneamente?

Ana Hounie

Ana,
Ate mesmo um flanelinha pode comprar um tratado de psiquiatria e de farmacologia e estudar a fundo, conhecendo teoricamente a matéria. E esse mesmo flanelinha pode diagnosticar num terrereiro e prescrever prozac e haldol para a sua (dele) vizinhança. Aqui na UFRJ se formam doutores em psicofarmacologia no pós-graduaçãoem farmacologia, com tese de doutorado, etc, sendo graduados em biologia, nutrição, farmácia, etc, e algumas vezes em medicina. Também a UFRJ instituiu residência em Infectologia para não médicos (não me pergunte o que eles vão fazer). Mas creio que a diferença está na habilitação para exercer a profissão sendo supervisionado por um conselho, pelos códigos civil e penal e pela sociedade, e exerce-la etica e moralmente, prestando conta dos seus atos, aperfeiçoando e trazendo progresso para aquilo que exerce, e para a segurança dos cidadãos que compartilham o mesmo contrato social. É a sociedade que escolhe o médico mediante as instituições que formam, supervisionam e vigiam a prática destes escolhidos para cuidar da saúde do cidadão. O problema neste país é que as instituições estão sendo avacalhadas e usurpadas pela anomia geral que degrada a ética e a sociedade em que vivemos.
Portela

O ato médico ainda não está definido, não é mesmo? Não há toda uma discussão sobre a sua futura votação no congresso? Além disso, entendo nossa necessidade de proteção, atacados que sempre somos, mas é uma sonora bobagem imaginar que vai ser a posse com unhas e dentes de um conhecimento que é público, acessível em qualquer biblioteca ou computador, que vai ser a garantia da nossa profissão. A garantia da profissão é todo o treinamento, os anos de bioquímica, farmaco, medicina geral, etc. Parece fácil medicar alguém só pra quem nunca medicou, é toda uma arte, com inúmeros riscos, perigos, interações, etc.

Queremos que os psicólogos sejam nossos aliados? Mas então não podemos querer impedí-los de conhecer minimamente  farmacologia, quando encaminhar um paciente, que tipos de sintomas seriam tratáveis, para que servem as medicações, como são os diagnósticos, etc. Isto soa contraditório. ..
Daqui a pouco vão querer nos proibir de fazer psicoterapias. ..e seguindo algumas afirmações daqui, com razão
Marcelo Victor

Ana, o seu entendimento está certo. O crime seria praticado por quem exercesse ilegalmente a medicina ou fornecesse meios para isso. Falar de psicofarmacologia em palestras, conferências e eventos acadêmicos similares não pode ser crime. E nem é infração ética capitulada no Código de Ética Médica. Atenciosamente, Geraldo Sette.

Uma realidade que todos enfrentamos é a explosão demográfica médica, criada pela proliferação de Faculdades de Medicina pelo país. Lembro um secretário da saúde aqui no sul que tinha um caminhão com mobiliário para um posto de saúde. O caminhão, mas pobre que o do Faustão ia na frente, instalava os móveis num casebre qualquer de uma vila e ai esperavam a chegada da comitiva oficial que inaugurava o posto de saúde. Saia a imprensa, o secretário e os políticos rumando para outra inauguração. a turma do caminhão, pegava o mobiliário e corria para chegar na frente para a próxima inauguração. guardada as proporções, inaugura-se uma Faculdade de medicina, sem hospital, sem professores. Contrata-se alguns doutores para mostrar ao MeC que existem os professores e estes são gradativamente demitidos depois da inauguração. Estou exagerando? Olhem e perguntem por ai. Assim funciona o nosso pais de aparências.
Foram criados inúmeros cursos paralelo ao de medicina; Biologia, Nutrição. Optometria. Fisioterapia, T.O. AT. Arte Terapia etc. Cada um criou seu conselho federal, estabeleceu normas e saíram pra luta. a realidade do mercado é terrível. Muitos se entrosaram na sombra de médicos e se deram bem, outros, com grande energia pessoal conseguiram um espaço próprio, mas a grande maioria vive em subempregos. Os psicólogos tem ocupação destacada nas empresas, nas escolas. Muitos se tornaram psicoterapeutas e psicanalistas. mas que fazer com a grande maioria, não esqueçam que deve ser mais de cem mil jovens, alguns nem tanto. Eles estão entrando em espaços que os psiquiatras abandonaram. são mal pagos e, infelizmente, aceitaram a mentira que os psiquiatras são seus inimigos. A missa é longa, espero que pensem no assunto.

Walmor Piccinini

Definido, está. Falta ser legalmente instituído, o quemestá sendo buscado no Congresso.
Outra coisa importante: todo conhecimento deve sermlivre e público. Coisa diversa é sua prática no mercado de trabalho...
Qualquer um pode (e deve) publicar qualquer matéria com liberdade e essa deve ser acessível a todos. O que o CFM proíbe é ensinar atos médicos a quem não estude ou seja habilitado (e não apenas formado) em Medicina.
Creio que esta medida assim extremada foi resposta à conduta anti-médica de maior intensidade praticada pelos conselhos de outras profissões - sanitárias ou não - mas que pretendem disputar o mercado com o médicos. Recordo que o CFP patrocina a maior parte da campanha anti-médica no Brasil, mais de olho na perpetuação de seus dirigentes, creio, do que em qualquer outro objetivo. Mas é assim que é.
Não conheço nenhum serviço assistencial onde este conflito se manifeste em suas equipes multiprofissionais (que muitos, esperta ou ignorantemente, confundem com multi-disciplinares ). Ele existe só como material de polêmica intra ou inter-institucional de natureza essencialmente política.
Também acredito que, uma vez regulada devidamente a profissão médica, como as outras já foram, tudo isto mudará. Muito.
LSalvador

 

NOTÍCIA

A ausência ou mau funcionamento de uma região do cromossomo 22 causaria transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia, assim como problemas cognitivos e de comportamento, segundo um estudo, publicado este mes na revista científica britânica "Nature Genetics". Os pesquisadores (Columbia University, EUA) afirmam que a falta de genes está relacionada à ansiedade, à depressão, à hiperatividade, ao autismo e às desordens de memória. Além disso, seria a origem de 1% a 2% dos casos de esquizofrenia. O estudo evidencia também que cerca de 30% dos indivíduos com este falha nos genes desenvolvem a doença.
A partir de experimentos com ratos de laboratório nos quais foram suprimidos os genes que controlam as mesmas funções que a região do cromossomo 22 no homem, os pesquisadores descobriram que estes animais mostravam desordens de comportamento. Os genes suprimidos do material genético dos ratos controlam processos bioquímicos do cérebro, por isso sua ausência levaria a falhas biológicas que causariam doenças mentais.

 

OPINIÃO

 

“Publish much, think little”
É interessante que essa ânsia de reconhecimento externo que a anglofilia traduz vem exatamente num momento em que a informação se fragmenta pela internet e as revistas (as mais conhecidas) estão desesperadas para obter assinantes (eu recebo ofertas todo santo dia). Todo mundo quer publicar mas ninguém parece querer ler. Depois que se divulgou que no board das grandes revistas quase todos levavam o seu, oriundo das grandes empresas, o valor da pesquisa burocratizada se tornou ainda menor, e pouca gente hoje acredita mesmo nos artigos. O enorme crescimento do alternativismo denuncia isto.
O embasamento científico da prática médica, que deu seus melhores frutos no início do século XX, passou a sofrer de uma doença degenerativa insidiosa, cuja origem é cientificismo acadêmico e cujos sintomas são os eflúvios de corrupção (econômica, política, etc.).
Também na área cirúrgica, como nas outras áreas clínicas, a dissociação entre produção de conhecimento e produção acadêmica já está produzindo uma crise, que se reflete no ensino médico, como o artigo abaixo revela:

"O famoso relatório Flexner, de 1910, responsável por modificar os paradigmas da educação médica americana, foi mdirecionado para o público geral. Mais conhecido pelas críticas ao modelo de formação médica até então vigente, propôsmum redirecionamento da educação médica conforme um modelo cientificista positivista, que deveria substituir o aprendizado pelo exemplo e autoridade do mentor por um modelo baseado no convívio clínico determinando o aprendizado e as linhas de pesquisa clínica a partir de questões suscitadas pela prática, unificando as figuras do assistente, do professor, do modelo profissional e do pesquisador (“think much, publish little”). Este modelo, levado ao máximo desempenho na Universidade de Harvard junto com as idéias Halstedianas de ensino de cirurgia (estrutura de residência médica), foi rapidamente superado pela sofisticação progressiva dos instrumentos e temas de pesquisa, pelos julgamentos de mérito excessivamente pragmáticos, dependentes exclusivamente da quantidade de publicações, e pelo gerenciamento de produtividade, que determinou uma quantidade crescente de trabalho prático mensurado (e pago!) de forma instrumental. Estes mecanismos de controle divorciaram prática, pesquisa e ensino, e, do ponto de vista filosófico, fizeram esquecer que conhecimento em medicina é apenas instrumento da prática com o paciente ..."
L.E. de Jesus - Ensinar Cirurgia: Como e para Quem?
Rev. Col. Bras. Cir. 139 Vol. 35 - Nº 2, Mar. / Abr. 2008


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