Volume 13 - 2008 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Junho de 2008 - Vol.13 - Nº 6 Psiquiatria Forense PSIQUIATRIA FORENSE E DEMÊNCIA PAULO JOSÉ DA ROCHA SOARES GOYA – Ainda Estou Aprendendo, 1824-8
A palavra demência vem do latim de + mentia, ausência de mente. 1 O termo demência implicava em um curso progressivo e irreversível, porém, desde o DSM-III em 1980, a Associação Psiquiátrica Americana passou a basear sua definição somente nos sintomas clínicos e não os correlaciona com relação ao prognóstico. Embora existam muitos tipos de demência, todos eles têm uma série de características em comum. Estas características essenciais são múltiplos déficits cognitivos que incluem deterioração da memória, e pelo menos um dos seguintes: afasia, apraxia, agnosia ou perturbação do funcionamento executivo (capacidade de pensar abstratamente, de planejar, iniciar, ordenar, monitorar e cessar um comportamento complexo). 2 Para a DSM-IV-TR (Quadro), a demência é caracterizada por múltiplos déficits cognitivos que incluem comprometimento da memória sem comprometimento da consciência. As funções cognitivas que estão comprometidas na demência incluem inteligência geral, aprendizagem e memória, fala, capacidade de resolução de problemas, orientação, sensopercepção, atenção, concentração, juízo crítico, gnosias, praxias, funções executivas e habilidades sociais. A personalidade está comprometida. Um diagnóstico de demência para o DSM-IV-TR, requer que os sintomas resultem em um comprometimento significativo do desempenho social e laborativo e que eles representem um declínio significativo no nível anterior de desempenho. 3,4,5 Portando, há uma ênfase de que as deficiências adquiridas das capacidades cognitivas prejudiquem o desempenho das atividades da vida diária em comparação com seu nível anterior de desempenho para que o diagnóstico se justifique. 2,6
A introdução dos critérios de demência pela DSM constituiu um progresso importante para homogeneizar os pacientes incluídos nos estudos. Todavia, persistem certas ambigüidades que dificultam a prática forense como, por exemplo: ¾ A demência, tal como definida está pela DSM-IV-TR, corresponde a um determinado grau de severidade do comprometimento cognitivo. A maior parte das demências está relacionada à afecções neurodegenerativas de evolução progressiva, onde os sintomas aparecem muito tempo antes que tenham a severidade suficiente para que possam ser diagnosticadas segundo os critérios necessários como uma demência, seja porque o déficit está limitado a uma só função superior, seja porque seu reflexo sobre as atividades da vida diária seja pouco significativo. O reconhecimento esta fase pré-demencial das doenças neurodegenerativas pelo conceito recente de COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE (MILD COGNITIVE IMPAIREMENT) abrange um período maior. O COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE, assim como a demência, constitui uma síndrome clínica relevante com diversas etiologias, a maior parte das quais idênticas àquelas que levam à demência. Estes pacientes apresentam, como um todo, um elevado risco de evoluir para um quadro demencial nos anos subseqüentes ao seu diagnóstico (cerca de 25 a 50% dentro de 2 a 5 anos). Infelizmente, o quadro continua mal definido e não permite que os pacientes sejam classificados nem quanto a sua etiologia nem quanto a sua evolução, uma vez que pacientes diagnosticados como portadores de COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE podem permanecer estáveis durante longos anos ou mesmo o quadro ser reversível. ¾ A definição de demência, por ter sido muito influenciada pela Doença de ALZHEIMER, coloca os transtornos de memória em primeiro plano no comprometimento cognitivo. A definição fica mal adaptada em relação às demais demências, onde as repercussões na vida intelectual e social podem ser severas, a despeito de os transtornos da memória serem menores ou de início tardio. ¾ Por fim, a definição de demência não leva em conta o que não seja déficit cognitivo, tendo a fazer com que seja esquecido que a doença compromete profundamente a vida psíquica e de relação do paciente não só pelas lesões cerebrais como igualmente em função da reação do paciente e dos que lhe estão próximos. 6 Também o conceito de demência vascular permanece um tema muito controverso: Quanto a sua definição – seus critérios para o diagnóstico não são unânimes; exigindo a presença de uma demência, de uma doença cerebrovascular e da afirmação de uma relação causal entre ambas, sendo este último critério bastante subjetivo. Quanto a sua freqüência – decorrente das dificuldades em sua definição, os trabalhos realizados nos últimos anos, em especial, mostraram que as demências ditas vasculares eram, na verdade, doenças de ALZHEIMER associadas a lesões vasculares; o tipo de transtorno de memória e a presença ou não de uma atrofia na região do hipocampo são os melhores elementos para o diagnóstico diferencial. Quanto a sua fisiopatologia – em especial no papel que desempenha o comprometimento das grandes e pequenas artérias, por um alado, bem como a perda tissular e os fenômenos hemodinâmicos por outro; a designação DEMÊNCIA POR MÚLTIPLOS INFARTOS foi substituída por DEMÊNCIA VASCULAR para sublinhar o papel das perdas tissulares, mas atualmente isto está sendo questionado porque uma boa parte dos déficits não é severa o suficiente para satisfazer aos critérios de demência, o que motivou a introdução do conceito de COMPROMETIMENTO COGNITIVO VASCULAR (VASCULAR COGNITIVE IMPAIREMENT) e, por outro lado, as alterações observadas na substância branca pelos exames de imagem desempenham um papel determinante na evolução da demência; estas anomalias estão em relação com uma microangiopatia ligada à idade, hipertensão arterial, arteriosclerose das artérias cerebrais e coronarianas; esta microangiopatia é responsável pelas oclusões arteriolares (infartos lacunares), bem como pelas lesões isquêmicas da substância branca (leucoaraiose) decorrentes de um baixo débito no território das artérias perfurantes estenosadas em decorrência das variações da pressão arterial sistêmica. 6
Bibliografia consultada: 1. BASTOS, CL. Inteligência. In: . Manual do exame psíquico, 2. ed. Rio, REVINTER, 2000. pp. 211-220. 2. RABINS P (Dir). Diretrizes para o tratamento de pacientes com doença de Alzheimer e outras demências da velhice. In: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diretrizes para o tratamento de transtornos psiquiátricos. Porto Alegre, ARTMED, 2004. pp. 57-100. 3. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and staristical manual of mental disorders (DSM-IV-TR), 4. ed text revised. Washington, American Psychiatric Association, 2000. 943 p. 4. SADOCK, B.J. & KAPLAN VA. Delirium, dementia and amnestic and other cognitive disorders and mental disorders to a general medical condition. In: . Synopsis of psychiatry, 9. ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2003. pp. 319-379. 5. CARAMELLI, P & BARBOSA, MT. Como diagnosticar as quatro causas mais freqüentes de demência? Rev Bras Psiquiatr 24(Supl I): 7-10, 2002 6. DEROUSENÉ, C. Démences. In: GUELFI, J-D & ROUILLON F (Dir). Manuel de psychiatrie. Paris, Elesevier Masson, 2007. pp. 286-94.
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