Volume 12 - 2007
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2007 - Vol.12 - Nº 12

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria



Assuntos:

LIMITES DA RESPONSABILIDADE DO PSIQUIATRA.

 

Na Itália, um terapeuta foi condenado por trer alterado a medicação de uma doente mental, e em razão disto ele teria assassinado uma pessoa. O caso tornou-se polêmico na mídia italiana.

 

Na Itália está em discussão na mídia a recente sentença da "Corte di Cassazione" (trata-se do nível mais alto do poder judiciário no país). Um psiquiatra foi condenado a 4 meses de prisão porque um seu paciente matou uma pessoa. O colega foi condenado porque modificou o tratamento farmacológico original deste paciente, e isto teria levado o paciente a matar a pessoa. A sociedade italiana foi favorável à condenação, veja em:
http://www.aipsimed .org/?q=node/ 750
e

http://qn.quotidian o.net/2007/ 11/17/47720- psichiatra_ condannato_ pagare_sono_ malati.shtml
Está em discussão um princípio da lei 180, que é o da não responsabilidade do psiquiatra pela periculosidade do paciente. Andréa Mazzeo

 

 

 

Andrea, Apesar de não conhecermos os fatos específicos (histórico, diagnóstico, tratamento, etc.), parece existir uma questão política mascarando os fatos em discussão. Vejamos:
1) A periculosidade não é, realmente, um conceito psicopatológico.
2) Não cabe ao psiquiatra avaliar a periculosidade do examinando, mas sim o seu estado mental e a sua relação com a vida em sociedade. Uma vez que a periculosidade é um conceito jurídico e não médico (qualquer um pode ser eventualmente perigoso e não há necessariamente relação causal direta entre doença e violência), prevê-la não é responsabilidade do médico nem do perito, mas sim do juiz.
3) No caso em questão, o psiquiatra era terapeuta - e não perito - do paciente.
4) Se o paciente cometeu o crime em razão do seu quadro mental e esse quadro foi evidentemente prejudicado pelo novo tratamento prescrito, caberia contra esse médico uma ação por imperícia, imprudência ou negligência, mas não por responsabilidade pela periculosidade do doente. O médico é responsável pelo tratamento adequado do doente, não pelos atos deste.

5) Colocar no mesmo plano a responsabilidade pelo tratamento adequado com a responsabilidade por uma eventual periculosidade pode ser uma forma de jogar num mesmo saco:
  a) psiquiatras inconseqüentes que não avaliam seus pacientes
  b) psiquiatras forenses em geral
  c) todos os psiquiatras que tratam de psicóticos e outros pacientes graves.
6) Como diz o artigo, a condenação poderia trazer um perigo real de se estimular uma psiquiatria defensiva (com abuso de psicofármacos, internações, etc.) ao se cobrar a avaliação da periculosidade por parte dos médicos. No entanto, devemos refletir se é isto mesmo que está em pauta ou se não seria uma incipiente reação social contra um certo tipo de psiquiatria irresponsável que se anda fazendo por aí. Cláudio Lyra Bastos.

 

 

 

Realmente não sei...digo não sei...até que ponto o psiquiatra deve ser capaz de prever e prevenir atos de violência cometidos pelos seus pacientes. Claro que cada caso é um caso e que nós não temos bola de cristal. Mas acho meio simplório dizer que o psiquiatra está fora de qualquer possibilidade de processo por suicídio ou homicídio cometido por seus pacientes. É por isso que o prontuário deve ser muito bem escrito demonstrando que o psiquiatra avaliou bem essas possibilidades e fez  o possível para minimiza-las.
Não quero parece pessimista mas acho bom a gente já ir se acostumando com processos de erro medico aqui no Brasil e vai ser difícil a gente não cair nas malhas dos seguros por erros médicos como até agora temos pretendido fazer. Marcio Pinheiro.

 

 

 

Lembro do saudoso Rodolpho Rocco, clínico excepcional, mestre inesquecível (muito do que sei sobre Medicina e Clinica foi ensinado pelo Rocco no Hospital São Francisco de Assis no Rio) que, infelizmente protagonizou episódio funesto no qual foi vítima: casado com uma psicanalista, Rocco conhecia bem meandros da mente humana. Atendeu um paciente em clínica no consultório. Ligou imediatamente para a família quando este saiu e avisou que o paciente, acometido de transtorno mental grave, não estava sob medicação psiquiátrica. Insistiu que o mesmo fosse levado a psiquiatra que o examinasse e medicasse. No dia seguinte o paciente estacionou sua moto na garagem do prédio, subiu e pediu pra falar com o Rocco. Ele o atendeu e foi atingido por dois tiros que o mataram.
O Rocco não era psiquiatra e anteviu algo de grave na patologia do paciente. Será que um psiquiatra não perceberia nada? Na verdade a família desconheceu a recomendação e não conduziu o paciente para reiniciar o tratamento que interrompera. É verdade que o Exame de Cessação de Periculosidade, de tanto ter sido questionado, foi suspenso e substituído por exames periciais. É verdade que Bernardo Blay Neto (com quem convivi até pouco antes de seu assassinato por uma paciente psicótica) não percebeu que seria morto por sua paciente mas também uma interpretação psicanalítica que atribui essa falha com esse tipo de desenlace a um impulso suicida do analista me parece exagerada e improcedente. José de Matos

 

 

 

A morte de um famoso lutador de ju-jutsu nas dependências carcerárias de uma delegacia em São Paulo causou comoção pública nesta semana que antecede o Natal. O jovem, professor de ju-jutsu e casado, drogara-se pesadamente (cocaína, crack, maconha, misturando com tranqüilizantes) e surtou, acreditando-se perseguido, e com isso roubando um carro, ameaçando de morte o motorista e criando tumulto em via pública. Foi contido por um enxame de motoboys que também o surrou violentamente. Preso, apresentou-se um psiquiatra da família que o examinou, o conduziu ao exame de corpo de delito, e o medicou com seis fármacos (não se revelou quais). O mpsiquiatra ainda fesz exames na urina do lutador constatando, segundo afirma a reportagem, a presença das drogas. Duas horas depois o agorqa paciente morreu nas dependências da delegacia.

 

No cotidiano das emergências psiquiátricas, vejo sempre a mesma cena: pacientes drogados e alcoolizados vindo através do SAMU, pois intoxicação por drogas e álcool, aos olhos dos outros colegas médicos especialistas, é um "problema psiquiátrico". É sempre assim: chega o SAMU ou o corpo de bombeiros, com pacientes drogados, intoxicados e nós, psiquiatras de plantão, ficamos tentando transferir o paciente para um hospital geral, pois não temos suporte clínico na maioria dos hospitais psiquiátricos. Nem monitor cardíaco,exames laboratoriais, nem carrinho de parada...laringoscópio, o último que precisei usar,  não tinha pilhas.... O último paciente que atendi na emergência psiquiátrica estava intoxicado por cocaína e não bastaram oito homens para contê-lo a fim de ser medicado.Isso sem antes ele ter arremessado uma mesa de atendimento médico, toda em ferro, para fora do hospital, o que poderia ter matado algum dos presentes.Imagina um lutador profissional nessas circunstâncias... Encontro-me fora do Brasil no momento, mas uma colega psiquiatra de São Paulo,com quem mantive contato telefônico, contou-me que ontem foi agredida verbalmente por um paciente de um ambulatório público, referindo que os psiquiatras "são criminosos", fazendo alusão ao caso do lutador. Gostaria da opinião dos colegas sobre todas essas questões. Monica Dib

 

 

 

Monica. Fui no indicador profissional e o psiquiatra que atendeu o lutador consta como sócio da ABP e clinica numa cidade de SP.  Em relação à parada cardíaca do lutador, pode ou não ter relação com os tranqüilizantes empregados. Um fato que me chama atenção é que o lutador foi espancado por motoboys e levou uma capacetada na cabeça, e ai foi dominado. Teria havido hemorragia cerebral? Acho que o caso serve de alerta, mesmo bem pagos, não dá para ir além da nossa competência. Talvez, baseado em experiências de atendimentos prévios,  o psiquiatra tenha imaginado um caso comum de agitação psicomotora por cocaína. No final sobra para nós todos. Walmor Piccinini.

 

 

 

Amigos, em primeiro lugar quem tem uma ultra-super-clínica e não dispõe de um serviço de urgência soa estranho. Nem suporte jurídico, médico-legal (...) Também porque diagnosticar inimputabilidade pelo quadro paranóico tem como conseqüência obrigatória zelar pela segurança do paciente e dos demais. Mais que técnica aprendida ou ética suprema, um princípio de bom senso: dividir o problema. Chama-se filosoficamente dicotomia. E cabe ao médico trazer essa realidade espiritual á tona se necessário. E à Polícia trazer um médico lá. Pra o bem dos policiais também, que querem, passar o problema adiante que não é deles. Um brutamontes agitado, AVCzando, cracado até...  (tanto que os benzodiazepínicos estavam lá com o álcool pra segurar a onda, mas não são antispicóticos) pode ser muito perigoso. E ser naturalmente difícil contê-lo. O distinto esculápio talvez tenha querido assumir total poder sobre a sedação do menino. Conseguiu o sopor depois de muito tentar. Mas ao sopor do coma, induzido ou não, parece ter se seguido do sopor da morte. 

Acredito que não é necessário viver os 31 anos de assistência psiquiátrica que condiz ao cidadão para saber que algumas agitações não cedem a remédios. Outras nem à ECT. E que manter esse moço amarrado por ser difícil. Acredito que um psiquiatra medíocre nestas circunstância deveria sequer atestar incapacidade mental do indivíduo em questão, e com consentimento óbvio da família, tentar vaga num hospital (eu disse tentar, pelo menos, conseguir não é só incumbência médica), medicar sem excessos (aí mora um ponto polêmico sobre técnica e sorte) e conhecer os princípios: mais remédios, mais riscos. O risco em qualquer tratamento provém da doença não do tratamento, mas ao médico cabe diminuir o risco a curto e as seqüelas a longo prazo sempre que possível. Tudo aqui em 3 dias é pouco. Em 3 horas é muito. O coração poderia estar forte (esportista) mas a necrópsia diferenciará um hemorragia subdural de uma assistolia por arritmia ou hipóxia. Se não for possível um prognóstico seguro, antecipar a melhor medicação (exemplo, num segundo atendimento médico, como no caso em questão). Devemos avaliar o risco, comunicar à família, dar as opções terapêuticas e os riscos correspondentes, e aconselhar a melhor escolha se necessário, para o bem do paciente.

(...) Talvez ele já estivesse num surto alucinatório secundário a um quadro delirante, devido ao intenso estreitamento de campo vivencial que se submeteu quando abusou demais da cocaína. Seu mundo se estreitou tanto que não diferenciou mais em sua identidade quem está querendo cuidar dele, e foge, de medo, e tudo se reinicia, se alimenta de medo.

Crimes acompanham os tóxicos, que em geral são ilegais por que seu abuso gera atos anti-sociais. O psiquiatra atendente deveria tomar providências verbais e por escrito, isso poderia aliviar a dor da morte (talvez iminente e assim comunicada à família de inicio) e do atraso em se achar um hospital (o atual sistema de Saúde Mental preza CAPS e moradias abrigadas). Marcos Klar.

 

RODÍZIO DE CÉREBROS?

 

Em uma entrevista à margem da conferência "A Ciência terá limites?", acontecida recentemente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Portugal, George Steiner afirmou que a Europa é agora “incapaz de voltar a produzir Platões, Mozarts ou Bachs (...) A Europa está muito, muito cansada. Quando a crise do Kosovo começou a Europa teve de ir a correr para a América a pedir ajuda e a América teve de vir outra vez resolver esta pequena crise, porque nem teve vontade política de varrer a sua própria sujidade", disse Steiner.

"Não faz mal, tivemos dois mil anos interessantes e ninguém prometeu que isto durava para sempre", continuou, considerando que a Europa está em tão mau estado que ninguém pode estar otimista. Contudo, para ele "outras civilizações irão ocupar o seu lugar e para os mais novos irá ser muito excitante". O ensaísta realçou que as igrejas vazias "são um símbolo do fim do cristianismo clássico" numa Europa que enfrenta hoje uma grande crise de esperança.
"Desde a revolução francesa que a esperança tem estado sempre à esquerda. Mas hoje não há mais esquerda na Europa. O que os jovens vão querer? Vão querer dinheiro! A Europa atualmente é o cheiro do dinheiro, que é tão sufocante”, afirmou. A crise na cultura, por outro lado, levará a uma crise na ciência.
"Algo virá suceder a religião, porque as pessoas têm dificuldade em viver na solidão, mas o que me assusta é que deste vazio saia o que é ´kitch`, ou o futebol", que considerou a atual religião, e arrematou: "Maradona substituiu Pascal". Com esta crise, disse Steiner, "não haverá mais Platões, nem mais Mozarts ou Bachs na Europa. Eles vão aparecer na Índia ou noutros locais do planeta, mas não na Europa. É a vez deles", considerou. "Vou dizer uma coisa que vai deixar zangada muita gente: uma civilização que mata os seus judeus não recupera", disse ainda Steiner. Para o ensaísta, a chave para combater este quadro em que "a irracionalidade, a astrologia, o lixo 'new age' estão a flutuar nas nossas vidas", é o Ensino. "Até a nossa sociedade mudar e apoiar os professores, nada de bom acontecerá", salientou.

Natural de Paris (1929), George Steiner radicou-se nos Estados Unidos em 1940. Nos anos cinqüenta foi membro da equipe editorial do The Economist em Londres, iniciando a sua carreira acadêmica em 1956, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton. Desde então, Steiner tem leccionado em diversas universidades como a de Yale, Oxford, New York e Genève, e hoje leciona nas Universidades de Oxford, Harvard e Cambridge.

 

NOVO LIVRO NA PRAÇA

 

A Editora da UFRGS e o Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul acabam de publicar o livro de Philippe Pinel, Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania, com tradução de Joice Armani Galli. O livro possui uma excelente apresentação de Ana Maria Raimundo Oda e Paulo Dalgalarrondo. A apresentação dos grandes historiadores da Psiquiatria não só coloca em perspectiva o pensamento de Pinel, como revela a grande influência do alienista francês na psiquiatria brasileira.

Trata-se de edição esmerada. O texto de Pinel é de reconhecida importância para a História da Psiquiatria e é atual, já que inaugura a longa e complexa reflexão médica sobre a natureza e o tratamento da loucura. Numerosos temas tratados por Pinel - as condições de internação, a sobremedicação, a precipitação médica na intervenção clínica etc - são temas ainda presentes na Psiquiatria. Sem falar, é claro, da rica abordagem substantiva.

Recomendo vivamente a leitura.

Manoel Berlinck

 

IMAGEM DO MÊS

 

 

A NASA capturou pela primeira vez imagens espetaculares de um grupo de partículas lançadas por um buraco negro que colidem com uma galáxia vizinha, um fenômeno que pode afetar gravemente a atmosfera dos planetas envolvidos. Entre os possíveis efeitos estão a destruição da camada de ozônio que protege os planetas, destacou a Nasa.

O fenômeno foi observado no sistema 3C321, formado por duas galáxias gravitando uma em torno da outra.


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